Presidente do Conselho de Administração da E.D.P., S.A.

Processo: R.2409/88
Rec.nº 97/A/95
Data:1995-09-06
Área: A1

ASSUNTO:CONSUMIDORES – EDP – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA – APROVEITAMENTO DE RAMAL EXISTENTE – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO.

Sequência:

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Em 1987, o Senhor …. queixou–se a este órgão do Estado a propósito do pagamento de encargos de electrificação da zona onde se situa a sua habitação. Ascendiam tais encargos, até essa data, à quantia de Esc. 417.619$00, relativos ao prolongamento da rede pública local para efeitos de fornecimento de energia eléctrica à respectiva residência.

2. Posteriormente a E.D.P., S.A. aproveitou parte do troço de linha custeado pelo interessado para passar a fornecer energia eléctrica a uma parte do aglomerado populacional vizinho. Assim, em 1989 “a E.D.P., S.A. construiu, exclusivamente a expensas suas … a nova Linha de Alimentação da Aldeia de Pinheirinhos, pela qual e com melhor qualidade, passou a ser abastecida a residência do Senhor “.

3. Por razões técnicas de exploração, o novo troço de rede instalado pela E.D.P., S.A. foi ligado ao ramal que tinha sido custeado pelo interessado e que deixara de fornecer electricidade à sua habitação, passando a assegurar a interligação entre as linhas estabelecidas antes da electrificação de tal habitação e a nova linha instalada pela E.D.P., S.A.
Assim, a E.D.P., S.A. passou a alimentar a habitação do interessado através de um novo traçado por si integralmente custeado e em melhores condições técnicas, havendo integrado na rede pública o ramal inicialmente custeado por aquele particular. Mas nada impedia que fosse reposto o esquema inicial, embora com prejuízo da qualidade do serviço, no dizer da E.D.P., S.A..

4. Do exposto resulta que a E.D.P., S.A. aproveitou o ramal de energia eléctrica cujos encargos de instalação haviam sido integralmente suportados pelo Senhor …. , retirando desse facto, sem causa adequada, um locupletamento injustificado, sendo, por isso, aplicáveis à situação as normas estabelecidas no Cõdigo Civil em matéria de enriquecimento sem causa.

Nestes termos, a Provedoria de Justiça ponderou à E.D.P., S.A. que, face ao disposto nos artigos 473º e segs. do Código Civil, e considerando, designadamente, o preceituado no nº 1, do artigo 479º, se afigurava curial que aquela Empresa procurasse acordar com o interessado uma forma de compensação dos encargos por ele custeados com a instalação do aludido ramal de energia eléctrica, à luz dos benefícios dele extraídos pela E.D.P., S.A..

5. Comunicou a E.D.P., S.A. que “nenhuma disposição legal prevê o reembolso de despesas que o interessado deva suportar” e acrescentou que “para além de infundada a reclamação, a situação de facto deixará de subsistir com o desenvolvimento da rede eléctrica local, ao abrigo do Plano em curso”.

6. Ora, a verdade é que a E.D.P., S.A. não negou que o ramal de energia eléctrica exclusivamente custeado pelo particular em 1987 para alimentação da sua habitação tenha vindo a ser posteriormente utilizado para outros fins de exploração do serviço a cargo da empresa (vid. ponto 3).

Por outro lado, a circunstãncia de a E.D.P., S.A. ter passado a fornecer energia eléctrica à habitação do Senhor … através de um troço de linha por si integralmente custeado em nada diminui os encargos suportados pelo interessado com a instalação do ramal
destinado à sua habitação.

7. Conclui-se, pois, que a E.D.P., S.A. utilizou, para outros fins de exploração normal do serviço de abastecimento de energia eléctrica à zona em causa, o ramal que havia sido anterior e integralmente custeado pelo Senhor ….. apenas para alimentação da sua habitação.

8. E não se pode considerar relevante para o caso a afirmação da E.D.P., S.A. no sentido de que, com a construção do novo troço de linha exclusivamente custeado por aquela Empresa “a Aldeia de Pinheirinhos ficou menos bem servida do que a habitação do reclamante, por se encontrar electricamente mais distante do posto de transformação”. É que não se evidencia que o referido troço de linha, designado como “nova linha de alimentação da Aldeia de Pinheirinhos”, houvesse sido construído para melhorar o
fornecimento de electricidade à habitação do Senhor ….., e não para melhorar o fornecimento de energia eléctrica à mencionada aldeia, ainda que beneficiando também, no seu percurso, e reflexamente, o fornecimento de electricidade à edificação do particular em causa.

9. O mesmo se diga quanto à construção do novo Posto de Transformação de Pinheirinhos, através do qual passou a ser alimentada a residência do interessado. Trata-se apenas, de um benefício reflexo, derivado da actividade normal de exploração do serviço a cargo dessa Empresa, que em nada minimiza o encargo inicial suportado pelo particular.

10. Assim não deixa equívoco que a E.D.P., S.A. aproveitou para outros fins de exploração normal do serviço de abastecimento de energia eléctrica à zona em causa, o ramal que havia sido precedente e integralmente custeado pelo particular para alimentação da sua habitação, situação na qual considero reunidos os requisitos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou
locupletamento ã custa alheia (artigos 473º e segs. do Código Civil).

11. No que se reporta aos pressupostos de facto da existência de tal obrigação, regista-se, em primeiro lugar a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial por parte da E.D.P., S.A., ou seja, o enriquecimento traduzido no caso em análise, quer no uso de coisa alheia – utilização do ramal que havia sido integralmente custeado pelo particular- quer na poupança de despesas, uma vez que, não fora a utilização de tal ramal, e seria aquela empresa obrigada a custear a edificação de um outro no ãmbito da sua actividade de fornecimento de energia eléctrica à zona em causa.

12. E carece tal enriquecimento de causa justificativa na medida em que, de acordo com a correcta ordenação jurídica dos bens, tal vantagem patrimonial deveria pertencer a outrém. De facto, todas as utilidades que os bens são aptos a produzir pertencem ao respectivo titular.

Assim, qualquer vantagem patrimonial obtida à custa de bens alheios carecerá de causa justificativa na medida em que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, não está aquela de acordo com “a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema” (Código Civil, anotado, vol. I, 4e3 ed., Coimbra, 1987, pãg. 456).

13. A obrigação de restituir a que se considera adstrita a E.D.P., S.A. funda-se ainda no facto de o enriquecimento se ter verificado de acordo com o nº 1, do artigo 473º do Código Civil: “à custa de outrém”.

Não corresponde o caso presente às situações típicas em que a obtenção de uma vantagem à custa de outrém se traduz num correlativo empobrecimento do credor da restituição, por se ter verificado uma diminuição do respectivo património ou mesmo uma privação do aumento deste; uma vez que o respectivo titular não estava disposto a usá-lo ou frui-lo nos termos em que o fez o enriquecido.
De facto, não será razoável afirmar que estaria o particular disposto a utilizar o ramal de transporte de energia eléctrica para outros fins que não fossem os de abastecimento da sua própria habitação. No entanto, não poderá duvidar-se de que a “vantagem patrimonial verificada foi obtida à custa de outrém – por ser obtida com meios ou bens pertencentes a outrém” (Pires de Lima e Antunes Varela, obra cit., pãg. 457).

A vantagem patrimonial obtida pela E.D.P., S.A. provém da utilização do ramal custeado pelo particular, tendo assim sido gerada pela produção de utilidades de um bem alheio, as quais se destinavam à satisfação de necessidades do respectivo proprietário.
Corresponde tal solução aos ensinamentos da doutrina de origem alemã da destinação ou afectação dos direitos absolutos, a qual, segundo Leite de Campos (A subsidariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, Coimbra, 1974, pãgs. 389 e 390) considera que “os direitos reais (…) não constituem simples direitos de exclusão assentes sobre o dever geral de não intervenção de
terceiros, mas reservam para o respectivo titular o aproveitamento económico dos bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição, consumo ou alienação”. E de forma concordante com Pires de Lima e Antunes Varela (obra citada) acrescenta aquele autor, “que tudo o que os bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em principio, e de acordo com o conteúdo de destinação ou afectação de tais direitos, ao respectivo titular, pelo que a pessoa que intrometendo-se em bens
jurídicos alheios consegue uma vantagem patrimonial, obtém-na à custa do titular, mesmo que este não estivesse disposto
a realizar os actos de onde a vantagem procede “.

14. Por último, constata-se, no caso em apreço, a inexistência de outros meios que permitam a correcta reordenação dos interesses em presença, verificando-se nesses termos, o requisito da subsidariedade da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa, como é exigido pelo artigo 474º do Código Civil.
Designadamente, quanto a uma eventual obrigação de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual (artigos 483º e segs. do Código Civil), estará a mesma afastada pela não ocorrência, como atrás referimos, de prejuízos para o particular, e por isso, à ausência de dano, enquanto pressuposto condicionante da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.

CONCLUSÕES

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida com vista à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23º, nº 1, da C.R.P.) , RECOMENDO:

que seja definida uma forma de compensação monetária dos encargos suportados pelo Senhor …. com a instalação do ramal de electricidade em causa, pelo período de tempo correspondente à respectiva utilização por essa Empresa para efeitos de exploração
normal do fornecimento de energia eléctrica à zona em questão, enquanto restituição devida nos termos dos artigos 473º e segs., do Código Civil, a título de enriquecimento sem causa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel