Inspector-Geral da Saúde

Rec. nº 8A/94
Proc. 1482/90
Data: 1994-01-13
Área : A4

ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – PROCESSO DISCIPLINAR – ASSÉDIO SEXUAL – REABERTURA DE PROCESSO DISCIPLINAR – INSTRUTOR DE PROCESSO DISCIPLINAR – NOMEAÇÃO.

Sequência:

1. Foi apresentada nesta Provedoria de Justiça uma reclamação onde é posto em causa o assédio sexual no local de trabalho, de trabalho, praticado pelo técnico de radiologia ….. que desempenha funções de chefia técnica no Hospital de Covões, em Coimbra.

2. Analisada a reclamação concluiu-se ser a mesma procedente pelas razões enunciadas de seguida, que se extraem do processo disciplinar …./90.

3. Em resumo e concluindo, afigura-se que existiam,na fase instrutória do processo elementos suficientes para ser feita acusação e não se verificava o condicionalismo invocado, previsto no artigo 57° do Estatuto Disciplinar.
Não parece legítima a conclusão de os factos constantes dos autos não constituírem infracção disciplinar ao verificar-se prescrição.

Mesmo que se entenda haver prescrição relativamente a muitos factos susceptíveis de procedimento disciplinar por terem ocorrido há mais de três anos (ainda que se julgue que esta tese pode ser contrariada, como se disse, pelo carácter de habitualidade de que se revestiu a actuação) persistem muitos outros.

4. Em primeiro lugar, atendendo aos numerosos depoimentos em que se relatam acções que desrespeitaram gravemente subordinadas estagiárias (com possível classificação penal de atentado ao pudor) não parece de aceitar que apesar do comportamento descrito com toda a clareza e pormenor pela participante se não considere provado por não haver testemunhas presenciais. Normalmente, os crimes desta natureza não têm testemunhas presenciais e não se devem fazer suposições, como fez o instrutor, de que uma pessoa média gritava. Com tais ilacções subjectivas não pode denegar-se justiça (veja-se, na Colectânea de Jurisprudência – 1992 – tomo IV, a páginas 109 um acórdão da
Relação de Coimbra em que foi considerado provado um crime de atentado ao pudor em que também não houve testemunhas e não consta que o réu tenha confessado).

Existiam, para o facto em causa, múltiplos indícios de natureza factual, psicológica e moral.

Ao desrespeito grave a subordinado no local de serviço é aplicável, nos termos do disposto no artigo 26° do Estatuto Disciplinar, a pena de aposentação compulsiva ou demissão.

5. Além de múltiplos relatos em que se refere ter o arguido, ao longo de dez anos, agredido, injuriado ou desrespeitado gravemente subordinadas e terceiros (com a agravante de serem estagiárias), retiram-se, a seguir, dos depoimentos alguns em que é referido terem ocorrido há menos de três anos, relativamente à abertura do procedimento disciplinar ou que provavelmente ocorreram recentemente, sem que tal tenha sido investigado:

a) agressão – “esta colega resolvera deixar o …. porque ele a chamara à câmara escura e lhe apertara o pescoço …”, facto ocorrido no princípio de 90 (cfr. pag. 84 v.).

“que a respeito, ainda, da agressão de que foi vítima a colega F … esclarece que quando esta lhe relatou o sucedido ainda existia(m) bem visíveis, as marcas dos dedos no seu pescoço” (cfr. pag. 94 v.).

b) injúrias – referindo-se à classificação de uma técnica num concurso: “a declarante não sabia a matéria, por não ter estudado, preferindo andar com uns e com outros, chegando-se a fazer bicha à sua porta…”, afirmação feita em 1989, pag.72 v. (ou 64 v.);

“qualifica os seus técnicos de incompetentes … na presença de doentes a pag. 73 v.

“… não deve acompanhar com a A…porque ela é uma puta … a pag. 83 v., disse em finais de 87.

“… não se coibe de insultar as técnicas do serviço …., vocês são umas incompetentes, umas anormais,não sabem trabalhar”, pag. 94 v.

“terminada a relação que mantinha, com uma funcionária, em meados de 88, adoptou um comportamento que se traduziu em agressões verbais na presença de médicos ou enfermeiros a pag. 109.

c) desrespeitos graves no local de serviço:

“que tem havido algumas estagiárias que se recusama entrar na câmara escura acompanhadas pelo arguido dado que este as inoportuna e apalpou a pag. 57 v. (sem indicação de data mas verbo conjugado no presente);

“que em finais de 89, princípio do corrente ano, ….. , lhe havia referido que o arguido lhe havia dito que havia de ir para a cama com ela, …, nem que fosse só por meia-hora, a pag. 68.

“que a auxiliar de acção médica … surpreendeu o arguido e a … aos beijos, na câmara escura, finais de 87, a pag. 82 v.

6. 0 artigo 25°, n° 2 c), determina a pena de inactividade aos funcionários que “violem com culpa grave ou dolo, o dever de imparcialidade no exercício das suas funções”.

Vários depoimentos se referem a violações desse tipo, designadamente, a páginas 30, 55, 55 v., 58 v., 66, 72 v. (ou 64 v. numeração anterior), 75, etc. 0 instrutor, sem explicação ou referindo que, quanto às classificações no concurso o assunto estava pendente, nada considerou provado.

7. 0 artigo 25º, nº. 2, g), do Estatuto Disciplinar estabelece a pena de inactividade para os funcionários que “usarem ou permitirem que outrem use ou se sirva de quaisquer bens pertencentes à Administração cuja posse ou utilização lhes esteja confiada para fim diferente daquele a que se destinam” ou, nos termos do artº 24ºf, suspensão por dispensa de tratamento de favor a determinada organização.

Ficou provado que o arguido mandara fazer exames radiográficos, sem quaisquer pagamentos, a pedido da Associação Académica de Coimbra, não sendo, porém, responsabilizado porque ” disso teriam conhecimento os seus superiores hierárquicos”.

Contudo, o nº 1 do artigo 10º só exclui “a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou exigido a sua transmissão ou configuração por escrito”.

Aliás, esta questão deveria ter dado lugar à eventual abertura de investigação autónoma.

Neste contexto permito-me formular a seguinte RECOMENDAÇÃO :

Que, tendo em atenção os regulamentos atrás expendidos, determine:

1º- A revogação do despacho que pôs termo ao processo disciplinar, apenas concluída a investigação, com base no disposto no n°- 1 do artigo 57°- do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo D.L. 24/84, de 16 de Janeiro;

2º- A nomeação de outro inspector que prossiga a inspecção, de entre os do quadro dessa I.G.S., nos termos do artº 3º, nº 4,da lei orgânica aprovada pelo D.L. 291/93, de 24 de Agosto, uma vez que às infracções pode corresponder pena expulsiva.

Com o pedido de que me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida perante esta Recomendação, apresento a V. Exª. os meus melhores cumprimentos,

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel