General Comandante da Polícia Nacional Republicana da Guarda
Rec. nº 96A/94
Proc.:R-335/93
Data:1994-05-23
Área: A 4
ASSUNTO:MILITARES – GNR – CABO – SANÇÃO DISCIPLINAR – PENA ACESSÓRIA DE TRANSFERÊNCIA – REVOGAÇÃO DO ACTO.
Sequência:Acatada
1.Informo V.Exa. de que analisada a reclamação apresentada por …., cabo de Infantaria nº … , actualmente a prestar serviço no Posto da G.N.R. de Castro Marim, e ponderada a posição desse Comando Geral, concluí ser a mesma parcialmente procedente pelas razões enunciadas de seguida.
2. Queixou-se o reclamante do seguinte:
a) Transferência irregular dD Posto de Lagoa para a Secção de Silves em 3 de Fevereiro de 1992;
b) Tratamento desumano no cumprimento da pena;
c) Transferência para Castro Marim por motivos disciplinares;
d) Injustiça da pena aplicada.
3. Compulsado o processo disciplinar, este órgão de Estado não detectou qualquer irregularidade processual ou formal que possa ter afectado ou criado dificuldade no exercício dos direitos de defesa do arguido.
4. Por outro lado, os factos dados como provados revestiram-se de tal gravidade que justificado e adequado se deve considerar a sanção aplicada.
5. De igual modo, não se dá como assente que o arguido tivesse sido alvo de tratamento desumano enquanto no cumprimento da pena, já que a Secção da G.N.R. de Silves não dispunha de refeitório e ao arguido sempre foi permitida a confecção de refeições quer por si, quer com auxílio de outros militares.
6. Considero, ainda, que a medida cautelar de transferência do Posto de Lagoa para a Secção de Silves e que teve lugar em 3 de Fevereiro de 1992 se mostra amplamente justificada, quer de facto, quer de direito, na medida em que os indícios existentes de actuação irregular do Cabo … tornavam a presença do arguido prejudicial ao decoro do serviço e ao normal desenrolar das
averiguações, assim se preenchendo integralmente os pressupostos legais da transferência preventiva (cfr. artºs 107º, alínea a) , 108º, nº 1 e 109º, todos do Regulamento e Disciplina Militar aprovado pelo Decreto-Lei 142/77, de 9 de Abril).
7. Porém, considero a transferência do reclamante para o Posto de Castro Marim, decidida por Despacho do Senhor Comandante do Batalhão de 10 de Abril de 1992, como ferida de ilegalidade.
8. Como decorre do conteúdo do Despacho sancionatório (Ponto 2. alínea c)) a decisão de transferência constitui uma pena acessória aplicada ao militar em causa.
9. A verdade, porém, é que a sanção disciplinar de transferência não existe no RDM, quer como pena principal, quer como pena acessória quando imposto, a cabos (cfr. artº 35º e 52º nº 2 do Regulamento de Disciplina Militar).
10. Por outro lado, do teor do Despacho de 10 de Abril de 1992 que ordenou a transferência do reclamante para Castro Marim não constam quaisquer fundamentos de facto ou de direito, o que se traduz no vício de violação da lei (vício de forma) por ofender o disposto no artigo 1º, nº 1, alínea a) do Dec-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho.
11. A solicitação deste órgão de Estado veio esse Comando Geral indicar que a transferência se havia feito com base numa NEP que, nessa parte tinha antecipado o que mais tarde viria a constituir direito positivo no Dec-Lei nº 265/93, de 31 de Julho.
12. Convenhamos que tal argumentação não é procedente, já que os procedimentos da Administração Pública sã podem louvar-se em fontes de direito actuais, de acordo com o princípio de legalidade.
13. Acresce que as normas de execução permanente têm obviamente uma função regulamentar de fontes de direito superiores.
14. Ora, não existindo fonte de direito que legitimasse a transferência como medida acessória da sanção disciplinar, é evidente que não poderia essa norma regulamentar inovar nessa matéria, criando a figura de transferência como complemento da sanção disciplinar.
15. Foi, assim, manifestamente ilegal a transferência do reclamante para Castro Marim por falta da norma legal que a tanto autorizasse.
16. E mesmo que estivesse em vigor o artº 534, alínea a) do Estatuto dos Militares da G.N.R., aprovado pelo Dec-Lei nº 265/93, de 31 de Julho, é duvidoso que a transferência do reclamante na sequência do processo disciplinar pudesse ter lugar, uma vez que a vontade determinante da Administração Pública no caso foi a de sancionar acessoriamente o militar, e não propriamente a de
utilizar o fim da lei para satisfazer as necessidades e interesses do serviço.
17. Sempre, pois, tal actuação poderia estar ferida de desvio de poder.
18. Em todo o caso, compreendo perfeitamente as razões que levaram à transferência do Cabo … , designadamente o propósito de o subtrair ao meio local onde a sua actuação comprometeu a imagem da Guarda e o bom nome do próprio.
19. Todavia, a Administração Pública deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da legalidade, sendo certo que para a situação concreta faltava norma legitimadora.
20. Sendo, como é, o Despacho de 10/4/1992 do Senhor Comandante de Batalhão ilegal na parte que respeita à transferência, importa revogã-lo, pondo-lhe termo.
21. O reclamante está já há cerca de dois anos afastado do seu agregado familiar.
22. Face ao exposto, tenho por bem RECOMENDAR a V. Exa. se digne diligenciar pela colocação do Cabo … em Posto, Secção ou Serviço da G.N.R. o mais próximo possível do local onde reside o seu agregado familiar, dando por finda a colocação no Posto de Castro Marim.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL