Ministro Adjunto do Primeiro Ministro
Rec. nº 106A/94
Proc.: I.P.-32/90
Data:1994-06-15
Área: A 1
Assunto: TRABALHO – EMPRESA PÚBLICA – RTP – NATUREZA JURÍDICA DE TRABALHO AUTÓNOMO – RECOMENDAÇÃO LEGISLATIVA PARA ALTERAR O DECRETO 47991, DE 11.10 .
Sequência:Não acatada
1. Corre seus termos nesta Provedoria de Justiça um processo originado em reclamação apresentada pelo Sindicato dos Jornalistas, onde é posta em causa a situação decorrente da prestação de serviço à RTP de vários jornalistas contratados como “Tarefeiros” mediante a celebração de contratos de prestação de serviço.
2. Analisada a reclamação entendi formular Recomendação à RTP o que fiz através do oficio de 24-9-93, cuja fotocópia anexo. (Anexo 1 ao processo da presente recomendação).
3. A essa Recomendação a RTP respondeu nos termos do oficio de 28-10-93, cuja fotocópia igualmente anexo. (Anexo 2 ao processo da presente recomendação).
4. Como decorre da posição da RTP, aquela empresa, sem discutir a questão substantiva ou material, apoia-se no disposto no artº 2º do Decreto 47991, de 11 de Outubro de 1967, sustentando que o trabalho de artistas, comentadores e quaisquer colaboradores externos eventuais é sempre considerado autónomo.
5. Acontece que o citado Decreto 47991, sendo anterior ao Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, foi indubitavelmente por este derrogado, em muitas disposições (as que remetiam para o Decreto 47032), sendo outras meramente programáticas.
Contudo, o regime do contrato a termo prevaleceu, conforme resulta claramente do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro que no seu artº 1º admite a prevalência de regimes especiais como o dos concessionários (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/82 in BMJ 3/9 p. 205 e Abílio Neto, in Contrato de Trabalho – Notas Práticas, p. 521, edição 1992), gerando-se dúvida interpretativa quanto ao citado artº 2º do Decreto 47991 estar ou não em vigor.
6. A disposição em causa constitui uma forte ficção legal da natureza autónoma do trabalho em causa, quando, em boa verdade, algumas vezes o serviço prestado assume a natureza de verdadeiro trabalho subordinado.
A verdade é que a redacção do citado preceito estabelece uma presunção legal que pode ser manifestamente prejudicial aos colaboradores contratados e que pode não corresponder minimamente à realidade existente.
7. Segundo a melhor doutrina, a qualificação de trabalho como prestação de serviços ou contratados tem de se aferir não isoladamente mas na base de um conjunto de índices, como a propriedade dos instrumentos de trabalho, a incidência do risco de trabalho e a inexistência de outras entidades semelhantes ou mesmo dependentes (neste sentido Jean Rivero e Jean Savatier, Droit du travail p. 267), o que tal disposição inviabiliza.
8. Acresce que a manutenção de tal norma, talvez justificável em tempos pretéritos, não possui qualquer razão na situação actual, onde a RTP concorre com dois operadores privados.
Pode mesmo levantar-se a questão de licitude constitucional de tal desigualdade normativa do estatuto dos cidadãos que prestam o seu serviço nessas empresas.
9. Assim,para evitar dificuldades de interpretação e, sobretudo, para afastar o “nomen juris” contratual e atender à essência das relações jurídicas, tenho por bem, RECOMENDAR a V. Exa. que se digne:
a) Providenciar por forma a que o artº 2º do Decreto 47991, de 11 de Outubro, seja alterado passando a redacção actual a ser antecedida da expressão “Salvo prova em contrário …” ;
b) Ou, em alternativa, tome a iniciativa de revogar claramente a citada norma, o que faria subsumir a situação ao disposto na lei geral.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel