Secretário de Estado da Agricultura
Rec. nº 109A/94
Proc.:R-1190/87
Data:1994-06-24
Área: A 5
ASSUNTO:FUNÇÃO PÚBLICA – LICENÇA ILIMITADA – COLOCAÇÃO DE FUNCIONÁRIO – VIOLAÇÃO DA LEI – DANO – INDEMNIZAÇÃO.
Sequência: Acatada
1. o Senhor …, agente técnico agrícola de lª classe, em queixa que me dirigiu, alegou, essencialmente, que no regresso da situação de licença ilimitada foi colocado por despacho do então Senhor Secretário de Estado da Produção Agrícola de 18.08.85 (publicado no D.R. II Série nº 145, de 27.06.1986), tal como requereu e lhe foi deferido, no concelho e Zona Agrária de Portalegre.
2. No entanto, posteriormente, veio a ser destacado por determinação do Senhor Director Regional de Agricultura do Alentejo para a então Brigada Concelhia de Agricultura de Arronches, onde se tem mantido, contra sua vontade, desde 1 de Julho de 1986, pelo que reclamou também da Administração o pagamento das ajudas de custo a que se julga com direito, por estar a exercer funções fora da área da sua residência, que é em Portalegre (vid. cópia da queixa, e requerimento conexo, em anexo ao presente ofício, no processo da presente recomendação).
3. Instruído o processo, com audição das entidades visadas do Ministério da Agricultura, apurou-se o seguinte:
3.1. Em 2 de Agosto de 1985, o reclamante requereu ao Senhor Ministro da Agricultura a cessação da situação de licença ilimitada em que se encontrava, e o seu regresso ao activo, a fim de “poder exercer funções na Sub-Região Agrária e concelho de Portalegre, onde reside” (vid. cópia anexa ao processo da presente recomendação).
3.2. Nas informações internas, emitidas a propósito do mencionado requerimento, expressou-se o entendimento de que o mesmo devia ser deferido, sendo a pretensão da colocação em Portalegre “viável”, podendo o interessado, inclusivamente, “ocupar a sua própria vaga a”(vid. cópia anexa ao processo da presente recomendação).
3.3.. E o Senhor Secretário de Estado da Produção Agrícola, por despacho de 18.09.85, emitido por delegação do Senhor Ministro da Agricultura, determinada no Despacho nº 107/84 de 18.10.1984 (D.R, II Série, nº 263, de 13.11.1984) deferiu, no seu todo, o aludido requerimento do queixoso, ou seja, não só quanto à cessação da situação de licença ilimitada, como também no que dizia respeito ao pedido de colocação em Portalegre, entendimento que foi perfilhado, de resto, pelos próprios Serviços Centrais do Ministério da Agricultura, em ofício dirigido ao Senhor Director Regional da Agricultura do Alentejo, no qual se deu conta que o interessado “irá ocupar a sua própria vaga” em conformidade com a informação nº 637/53/DS.AP/01.85 (vid. cópia anexa ao processo da presente recomendação).
3.4. Todavia, veio o reclamante a ser posteriormente colocado, por invocadas razões de conveniência dos serviços, na então Brigada Concelhia de Agricultura de Arronches, por determinação verbal do Senhor Director Regional de Agricultura do Alentejo,, mais tarde vertida na “Ordem de Serviço” nº 4/88 de 04.03.1988, que lhe indeferiu o pedido de apresentação na Zona Agrária do concelho de Portalegre.
3.5. Desta colocação recorreu hierarquicamente o queixoso para o então Senhor Secretário de Estado da Agricultura, recurso que não foi, porém, decidido, por
invocadas razões de inoportunidade, dado já haver sido interposto recurso contencioso cuja decisão jurisdicional importaria primeiro conhecer (vid. despacho S.E.A. de 29.11.88, copiado em anexo ao processo da presente recomendação).
3.6. E interposto que foi recurso contencioso de anulação do mesmo despacho, posto em causa, do Senhor Director Regional de Agricultura do Alentejo, para o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, veio o mesmo recurso a ser rejeitado, dada a ilegalidade na sua interposição, apoiada no entendimento de que “o acto recorrido fora praticado sem delegação de competência para regular a matéria em causa, respeitante a “formas de mobilidade de pessoal”, previstas no Decreto-Lei nº 41/84 de 3 de Fevereiro, e como tal, não era verticalmente definitivo, para efeitos de recurso”(vid. cópia Ac. T.A.C. de 07.03.90 em anexo ao processo da presente recomendação).
3.7. O reclamante continua a exercer funções em Arronches, no agora denominado Núcleo Concelhio de Agricultura, desde 1 de Julho de 1986, tendo diariamente de
percorrer cerca de 50 Kms, na sua viatura própria, desde a sua residência em Portalegre até Arronches, em percursos diários de ida e volta, sem que lhe tivesse sido concedido pela Administração abono de ajudas de custo que requereu, nem qualquer outra compensação por aquelas despesas.
4. Do precedente registo factual e circunstancial, deve reconhecer-se, desde logo, que muito embora os funcionários regressados da situação de licença ilimitada apenas tenham direito “a ocupar lugar da mesma categoria na primeira vaga que ocorra” (vid. art.º 14º do Decreto 19478, de 18 de Março de 1931, e artigo 25º, SS 3º e 4º da Lei de 10 de Junho de 1913, então aplicáveis), o certo é que o queixoso requereu em 2 de Agosto de 1985 a sua colocação no concelho e Zona Agrária de Portalegre, a qual lhe foi deferida pelo despacho de 18.09.85 do Senhor Secretário de Estado da Produção Agrícola, já que o deferimento do requerimento sem qualquer restrição o cobriu na sua globalidade – cessação da situação de licença ilimitada, e pedido de colocação -, como de resto foi entendido, inequivocamente, pelos Serviços Centrais do Ministério da Agricultura (vid. supra, ponto 3.3).
5.E se é assim, o procedimento administrativo ulterior – colocação na Brigada Concelhia de Arronches, através de acto administrativo, cujo autor (Director Regional de Agricultura) não detinha a necessária competência sub- delegada em matéria de mobilidade de pessoal (Decreto-Lei nº 41/84 de 3 de Fevereiro) – traduziu-se num procedimento ilegal, do qual resultou a “anulabilidade” do acto que o determinou, por enfermar de vício de incompetência.
6. E se o acto recorrido posto em causa não foi pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, foi tão somente por falta de um pressuposto relativo ao seu objecto, ou seja, a definitividade e executoriedade, e em resultado de o recurso hierárquico interposto também pelo queixoso condicionando a interposição do recurso contencioso, não ter sido decidido, como cumpria que o tivesse sido, para justamente abrir a via contenciosa (cfr., Prof. Freitas do Amaral, “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico”, vol. I, págs. 186 e 187).
7. Daqui decorre, lógica e juridicamente, que muito embora o despacho do Senhor Director Regional de Agricultura do Alentejo posto em causa, porque não impugnado contenciosamente, tenha perdurado no tempo e produzido efeitos jurídicos, ao abrigo do princípio da estabilidade dos actos administrativos, como entende a jurisprudência corrente dos Tribunais Administrativos, o certo é que o mesmo, para além da sua “ilegalidade intrínseca e originária”, violou direitos e interesses legalmente protegidos do funcionário em causa (direito a ser colocado em Portalegre), vulnerando, por essa via, o artigo 266º da Constituição.
8. E nesta conformidade, se o mencionado procedimento administrativo violou, por acção, direitos e interesses legalmente protegidos do funcionário, violação da qual emergiram danos materiais e morais, é gerador também de “responsabilidade extra-contratual do Estado” por acto de gestão pública, existindo nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito descrito e o resultado danoso produzido (vid. artigo 22º da Constituição, e artigos lº e 9º do Decreto-Lei nº 48051,de 21.11.1967; cfr. entre abundante jurisprudência do S.T.A., na matéria, o recente Acórdão de 26.09.1991, in “Acórdãos Doutrinais do S.T.A.”, nº 337, Maio 1993, págs. 489 e ss.).
9. E conquanto não seja líquido, dada a perdurabilidade do exercício de funções pelo queixoso em Arronches, centro da sua actividade funcional com carácter de permanência, o reconhecimento do direito ao abono de ajudas de custo, considerando o disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 519-M/79, de 28 de Dezembro, interpretado pelo Despacho Conjunto de 26 de Janeiro de 1983 (publicado no Diário da República, II Série nº 27 de 02.02.1983), é nosso inequívoco entendimento que a Administração tem o dever de indemnizar o funcionário lesado, compensando-o, por forma adequada e equitativa, dos prejuízos que lhe causou.
10. Enfim, devo sublinhar, noutra perspectiva, que o acto administrativo determinativo da colocação do reclamante na Brigada de Agricultura de Arronches é susceptível de revogação pela entidade que detém a competência administrativa na matéria (Secretário de Estado da Agricultura), com fundamento na sua inconveniência, e ainda, porque sendo embora “acto constitutivo de direitos”, foi desfavorável aos interesses do seu destinatário (vid. art.º 140º do Código de Procedimento Administrativo, que reflecte o entendimento da doutrina e da jurisprudência anteriores à sua publicação).
11. Em face do precedentemente exposto, tenho por bem RECOMENDAR a Vossa Excelência, nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 20º, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, o seguinte:
a) Que seja revogado o acto administrativo do Senhor Director Regional de Agricultura do Alentejo, vertido na Ordem de Serviço nº 4/88, que indeferiu o pedido de apresentação do reclamante na Zona Agrária e concelho de Portalegre, colocando-o na então Brigada Concelhia de Agricultura de Arronches, com produção de efeitos a partir de 1 de Julho de 1986, e seja, em consequência, o mesmo funcionário colocado em lugar compatível com a sua categoria funcional na Zona Agrária do concelho de Portalegre, de harmonia com o despacho de 18.09.1985 do então Secretário de Estado da Produção Agrícola, cujo cumprimento não chegou a ser efectivado.
b) Que seja atribuída ao funcionário queixoso, por forma equitativa e adequada às circunstâncias especiais que rodearam a situação em causa, uma indemnização compensatória pelos prejuízos materiais emergentes da sua colocação em Arronches, com violação da lei, designadamente no que diz respeito às despesas com as deslocações diárias de Portalegre para Arronches, cujo montante deverá ser acordado consensualmente com o queixoso, independentemente do eventual recurso aos meios jurisdicionais adequados.
12. Solicito a Vossa Excelência que me seja dado conhecimento oportuno do andamento que vier a ser dado a este assunto.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL