Ministro da Saúde
Rec. nº 125/A/94
Proc.:R-763/94
Data:1994-01-25
Área: A 4
ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – CARREIRA MÉDICA DE CLÍNICA GERAL – CONCURSO DE HABILITAÇÃO AO GRAU DE CONSULTOR – ANULAÇÃO DO CONCURSO – DESPACHO ILEGAL – PROGRESSÃO AUTOMÁTICA E CORRESPONDENTE MELHORIA DAS SITUAÇÃO REMUNERATÓRIA.
– OS FACTOS –
1. Por aviso publicado na 2ª Série do Diário da República (D.R.) de 20.01.93, foi aberto o primeiro concurso de habilitação ao grau de consultor da carreira médica de clínica geral, nos termos do Regulamento aprovado pela Portaria nº 881/90, de 27 de Agosto.
2. As listas de candidatos admitidos e excluídos, de acordo com o nº 2 do art.º 18º do Regulamento, foram publicadas na 2ª Série dos D.R. de 15.03.94 (as referentes a 13 júris), de 12.04.94 (a referente ao júri nº 5) e de 18.04.94 ( a referente ao júri nº 3).
3. Por aviso publicado na 2ª Série do D.R. de 10.05.94 foi divulgado o despacho do Ministro da Saúde que, em 12.04.94, anulou o concurso de habilitação aqui referido.
– O DIREITO –
4. A Carreira Médica de Clinica Geral
4.1 – O Dec-Lei nº 519-N1/79, de 29 de Dezembro criou o ramo de clínica geral na carreira médica, mas foi revogado pelo Dec-Lei nº 81/80, de 19 de Abril.
4.2 – A Portaria nº 444-A/80, de 28 de Julho, institucionalizou as funções de médico de clínica geral criando a carreira de generalista (art.º 1º) constituída por 3 categorias (art.º 8º) e definindo as prioridades do provimento dos lugares (art.º 14º).
4.3 – O Dec-Regulamentar nº 16/82, de 26 de Março, determinou que a carreira de clínica geral passasse a reger-se pelas suas disposições (art.º 1º), identificou 4 categorias que, genericamente, qualificou de graus (art.º 2º) e estabeleceu os requisitos de provimento de cada uma delas através de concursos de provimento (artºs 6º, 13º, 16º e 22º).
Quanto à categoria de consultor incluiu entre os requisitos de admissão a concurso de provimento a titularidade prévia de uma qualificação que deveria vir a ser regulamentada em portaria.
4.4 – A Portaria nº 409/82, de 23 de Abril, estabeleceu as regras de transição para as categorias de clínico geral, generalista e consultor, dos médicos que à data exerciam funções nos Serviços Médico-Sociais.
Este normativo foi complementado pela Portaria nº 159/82, de 28 de Julho.
Foi o factor “tempo de serviço” que permitiu determinar a categoria atribuída: para os lugares de consultor transitaram os médicos com mais de 20 anos de exercício de funções (art.º 1º c)).
4.5 – O Dec-Lei nº 310/82, de 3 Agosto, veio regular as carreiras médicas.
0 art.º 14º, nº 1; afirma que “as carreiras estruturam-se em graus ordenados em paralelo com a formação”.
“0 grau é o título que hierarquiza na carreira, legitima o exercício profissional e confere a expectativa de ocupação de lugares e cargos dos estabelecimentos e serviços de saúde, não constituindo, por si só, vinculação à função pública” (nº 2 do mesmo artigo).
0 art.º 21º definiu os graus da carreira médica de clínica geral (clínico geral, assistente e consultor) e estabeleceu as formas de os adquirir (cfr. art.º 12º, nº 2.
0 art.º 28º, nº 2, reconheceu os “cargos” (entenda-se categorias) da carreira médica de clínica geral (com as mesmas designações dos graus que pressupõem).
0 art.º 40º, nº 8, estabelece as regras de transição para as categorias da carreira médica de clínica geral, incluindo a de consultor, regras só aplicáveis na condição de os interessados o requererem.
Também aqui foi o número de anos de exercício de funções (mais de 20) que viabilizou a titularidade de lugares de consultor (alínea c)).
4.6 – 0 Dec-Lei nº 73/90, de 6 de Março, sem revogar a totalidade do Dec-Lei nº 310/82, introduziu-lhe significativas alterações contribuindo para clarificar também alguns dos seus normativos e soluções.
0 art.º 4º, nº 1 afirma que as carreiras médicas se estruturam e desenvolvem por categorias hierarquizadas que pressupõem graus como títulos de habilitação profissional, e o nº 2 define categoria como a posição que o médico ocupa no âmbito da carreira.
Esta disposição articula-se perfeitamente com o disposto no art.º 6º do mesmo diploma subordinado à epígrafe “os graus como habilitação profissional”, que são dois (art.º 22º).
0 art.º 17º refere a existência de 4 categorias na carreira de clínica geral, uma das quais(clínica geral) a extinguir.
0 art.º 22º, nº 7 determina que os concursos de habilitação sejam anuais e de âmbito nacional e realizados por meio de provas.
4.7 – 0 Dec-Lei nº 128/92, de 4 de Julho, que define o regime jurídico dos internatos médicos, alterou a designação de um dos graus (art.º 21º, nº 2).
Assim, actualmente, os graus da carreira médica de clínica geral são dois (assistente e consultor) e as categorias são quatro (clínico geral, assistente, assistente graduado e chefe de serviços).
4.8 – Na redacção que foi introduzida pelo Dec-Lei nº 114/92, de 4 de Junho, no art.º 22º, nºs 5 e 6, o grau de consultor é atribuído mediante concurso de habilitação ao qual podem candidatar-se:
a) os assistentes providos com pelo menos cinco anos ininterruptos de exercício de funções após a obtenção do grau de assistente;
b) indivíduos sem vínculo aos serviços onde se aplicam as carreiras médicas (Ex.: Ministérios da Defesa, Educação, Justiça, Segurança Social e Saúde) habilitados com o grau de assistente ou a quem tenha sido reconhecida a equivalência de formação nos termos do nº 3 do art.º 22º e:
– cujo currículo profissional mereça parecer prévio favorável a emitir por uma comissão técnica designada para o efeito e considerado suficiente por despacho ministerial.
E ainda, nos termos da redacção actual do art.º 47º, nº 3 (cfr. Dec-Lei n.º 29/91, de 11 de Janeiro):
c) os providos (com ou sem o correspondente grau) na categoria de assistente e com oito anos de antiguidade na carreira.
4.9 – 0 provimento na categoria de assistente (art.º 23º, nº 1 b) e nº 4 do Dec-Lei nº 73/90 com a redacção dada pelo Dec-Lei nº 210/91, de 12 de Junho)faz-se por progressão:
a) de assistentes habilitados com o grau de consultor, na data em que o obtém;
b) de assistentes com oito anos na categoria e informação favorável emitida por uma comissão de avaliação curricular, homologada pelo dirigente máximo do serviço.
4.10 – 0 provimento na categoria de chefe de serviços (art.º 23º, nº 1 c)) faz-
-se entre assistentes graduados e habilitados com o grau de consultor e com 3 anos de antiguidade na categoria.
4.11 – Nas regras de transição do art.º 46º do Dec-Lei 73/90, prevê-se a transição para a categoria de chefe de serviço dos consultores de clínica geral (v. nº 1 d)), consultores estes que, por nunca terem sido titulados com o grau correspondente, tinham e têm apenas a titularidade de uma categoria (cfr. nºs 4.4 e 4.5 supra).
5. Os concursos de pessoal
5.1 – O regime geral do recrutamento e selecção de pessoal para os quadros de Administração Pública está consagrado no Dec-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro (art.º 1º), afirmando o nº 2 do art.º 5º que “o concurso é o processo de recrutamento e selecção normal e obrigatório para o pessoal abrangido pela aplicação deste diploma” (art.º 5º, nº 2).
5.2 – O art.º 6º, nº 2 c) considera haver lugar a concurso externo “quando no respeito pela legislação vigente sobre restrições à admissão de pessoal na Administração Pública, seja aberto a todos os indivíduos, estejam ou não vinculados aos serviços e organismos (…)” e, nestes casos, é obrigatória a existência de despacho de descongelamento das categorias a prover e a consulta prévia ao Quadro de Efectivos Interdepartamentais que funciona na Direcção-Geral
de Administração Pública (art.º 13º b)).
A publicitação dos concursos externos é obrigatoriamente feita tanto na 2ª Série do D.R. como em órgãos de comunicação social de expansão nacional (art.º 15º, nº 2).
5.3 – Mas o regime de recrutamento e selecção constante do Dec-Lei nº 498/88, não se aplica às carreiras médicas as quais obedecem a processo de concurso próprio (art.º 3º, nº 2).
6. Os concursos médicos
6.1 – Já o Dec-Regulamentar nº 16/82 previra a aprovação de uma portaria que regulamentasse o concurso curricular através do qual seria adquirido o título que constituía requisito de admissão a concurso de provimento (art.º 22º).
A portaria anunciada parece não ter sido aprovada.
6.2 – O Dec-Lei 310/82 anunciou os regulamentos dos concursos a aprovar por portaria do Ministro dos Assuntos Sociais (art.º 12º, nº 7).
Efectivamente a Portaria nº 170/83, de 28 de Fevereiro, aprovou o Regulamento dos Concursos de habilitação ao grau de assistente e de provimento da categoria correspondente da carreira de clínica geral.
E a Portaria nº 611/86, de 20 de Outubro, aprovou o Regulamento dos concursos de provimento das três categorias da carreira de clínica geral, exigindo a prévia obtenção do grau de consultor para o provimento na categoria correspondente (art.º 35º a 38º).
6.3 – Mas só já na vigência do Dec-Lei 73/90 e seu art.º 22º, nº 2, e com a publicação da Portaria nº 117/91, de 11 de Fevereiro, revogada e substituída pela Portaria 881/91, de 27 de Agosto, ambas do Ministro da Saúde, foi aprovada a disciplina dos concursos de habilitação ao grau de consultor da carreira médica de clínica geral.
7. O Regulamento aprovado pela Portaria nº 881/91,de 27 de Agosto
7.1 – Inserido no Capítulo I (Dos concursos em geral), refere o art.º 2º, nº 1, que os concursos de provimento podem ser internos ou externos.
E o art.º 12º, nº 2, no mesmo capítulo, afirma que é obrigatória a publicação (através de, pelo menos, um órgão de comunicação social de expansão nacional) dos avisos de abertura dos concursos de que possa resultar a admissão de candidatos não vinculados à função pública.
7.2 – No capítulo II (Dos concursos em especial), e a propósito do concurso de habilitação ao grau de consultor de clínica geral, o art.º 28º enumera os requisitos específicos exigidos para admissão de candidaturas, disposição que tem de ser articulada com as inovações introduzidas pelo Dec-Lei 114/92, de 4 de Junho, nesta matéria (cfr. nº 4.8 supra).
7.3 – 0 art.º 30º determina que a selecção dos candidatos é feita por prestação de provas públicas que constam sucessivamente de discussão dos currícula profissionais e apresentação e discussão de um trabalho elaborado pelo candidato.
A discussão dos currícula está regulada no art.º 32º, mas foi excluída da ponderação da fórmula de apuramento da classificação final aprovada pelo art.º 38º.
A apreciação e discussão do trabalho estão regulados no art.º 36º e beneficiam de uma ponderação de 20 (em 100) na fórmula da classificação final do art.º 38.º.
Mas o art.º 33º, em flagrante contradição com o corpo do art.º 30º, acrescenta
um outro método de selecção (que é de natureza documental e não reveste a forma de prova pública – avaliação curricular) o qual merece, não obstante, uma ponderação de 80 (em 100) na fórmula já referida do art.º 38º…
Ou seja: o método básico de selecção (v. art.º 30º) não contribui para o apuramento da classificação final da candidatura…
7.4 – De acordo com o arte 44º, nº 1 podem ser admitidos a concurso de provimento na categoria de chefe de serviços (que constitui o topo da carreira) os assistentes graduados e habilitados com o grau de consultor que contem pelo menos, três anos de antiguidade na categoria (v. nº 4.10, supra).
7.5 – 0 art.º 51º, nº 1 regula a composição da comissão técnica prevista nos nºs 3 e 6 do art.º 22º do Dec-Lei nº 73/90 para reconhecer a equivalência da formação ou qualificação profissional ao grau de assistente (v. nº 4.8. b) supra).
Esta comissão, constituída por cinco médicos da carreira de clínica geral, “funciona no âmbito e com o apoio da Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários” (nº 3) e foi aprovada pelo despacho divulgado no D.R., 2ª Série, de 27.09.91 (Pag. 9582).
7.6 – 0 art.º 54º, norma transitória do Regulamento, foi divulgado em 31.08.91 (Declaração de rectificação nº 197/91, no D. R. 1ª Série b) com a epígrafe de “Júri dos concursos de habilitação ao grau de consultor clínica geral”.
Esta disposição é exclusivamente aplicável ao primeiro concurso de habilitação ao grau de consultor: aos membros do júri não é exigível a titularidade do grau obtido mediante concurso de habilitação.
8. Departamentos Centrais do Ministério da Saúde
8.1 – A Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, criada pelo Dec-Lei nº 74-C/84, de 2 de Março, foi extinta pelo Dec-Lei nº 10/93, de 15 de Janeiro, e substituída pela Direcção-Geral da Saúde, por força do Dec-Lei n.º 345/93, de 1 de outubro (art.º 31º).
Tinha uma Divisão de Pessoal à qual cabia a gestão do pessoal incluído em carreiras de âmbito nacional (art.º 12º, nº 2) e a colaboração na manutenção do registo central de pessoal, “na parte que lhe diga respeito” (id., alínea c).
Hoje na Direcção-Geral de Saúde existe um Gabinete Jurídico ao qual compete acompanhar os processos de concurso das carreiras médicas (art.º 27º d)).
8.2 – O Departamento de Recursos Humanos da Saúde (DRHS) foi criado pelo Dec-Lei 513-V/79, de 27 de Dezembro.
Resulta da conjugação do disposto nos artºs 3º nº 31, 9º nº 1 c) e art.º 11º nºs 3 a) e b) que era da competência da Repartição do Registo Central de Pessoal “criar e manter permanentemente actualizado um registo central do pessoal dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde” (S.N.S.).
Quanto ao modo e regularidade de exercício da medicina, ainda que a título exclusivamente privado, também ao mesmo Departamento foram conferidas competências (cfr. art.º 3º, nºs 26 a 30, art.º 9º nº 1 b) e art.º 11º nº 2).
Hoje regido pelo Dec-Lei 296/93, de 25 de Agosto, o DRHS tem competência para “organizar e manter actualizada a base de dados dos recursos humanos da saúde” (art.º 4º, nº 3 a)) e para “organizar o registo dos profissionais de saúde quando este não seja da competência de outras entidades” (art.º 5º , n.º 4º e)).
Esta actual aparente duplicação de registos pode explicar-se, em parte, pelo poder de tutela do Ministério da Saúde, relativamente às condições de exercício de actividade privada por profissionais de saúde (sem vínculo à Administração Pública, por exemplo).
-ANÁLISE CRÍTICA-
9. O concurso a que a presente Recomendação se refere foi aberto ao abrigo do Regulamento aprovado pela Portaria nº 881/91, de 27 de Agosto. Não obstante aquele Regulamento já ter sido substituído, é no quadro da sua disciplina e da restante legislação então em vigor que se procede à análise que segue.
10. Os fundamentos do despacho anulatório
10.1 – O despacho ministerial de 12.04.94 tem como fundamentos de facto “as dificuldades já sentidas e previstas no processamento deste concurso, motivadas,
nomeadamente”:
– pelo elevado número de candidatos
– pelo reduzido número de júris
– pela complexa aplicação dos métodos de selecção
10.2 – O elevado número de candidatos era previsível, se não mesmo, determinável.
Desde 1982 foi engrossando o volume de potenciais candidatos ao primeiro concurso de habilitação ao grau de consultor da carreira médica de clínica geral.
Ano após ano, a aprovação do indispensável regulamento e a subsequente abertura do concurso foi aguardada com crescente expectativa.
Os candidatos prováveis ao primeiro concurso constavam dos registos que, por lei, os departamentos centrais desse Ministério, foram incumbidos de criar e manter actualizados.
Devem ali constar os que tem vínculo ao S.N.S..
Devem ali constar os que exercem medicina no sector privado, convencionados ou não.
Admite-se que possam não constar os que exercem funções noutros Ministérios, mas a sua inventariação ou estimativa era possível antes da abertura do concurso.
Assim, não colhe este primeiro fundamento de facto do despacho anulatório.
10.3 – O reduzido número de júris (que começou por ser de 9 e passou a 15) a cada um dos quais corresponderam cerca de 200 processos de candidatura é, sem tirar, nem pôr, aquele que a Administração, sem constrangimentos ou vinculações legais ou regulamentares, escolheu.
Em comparação com as listas de candidatos noutros concursos do mesmo e de outros ministérios que vão sendo publicadas na 2ª Série do Diário da República não é fácil precisar o significado do conceito indeterminado de “reduzido”. De resto, o despacho também não explica por que considera reduzido o número de 15 júris.
Por outro lado, este fundamento é incongruente com a realidade de facto e de direito.
Ou seja, o número de médicos em condições de concorrer vem aumentando e será maior no novo concurso; ao contrário, o número de médicos em condições de constituírem os júris e de neles participarem efectivamente tem tendência a ir diminuindo…
É outro fundamento que não colhe.
10.4 – A complexidade da aplicação dos métodos de selecção é conhecida desde 27.08.91, data da publicação da Portaria que os aprovou, e o concurso sã foi aberto em 20.01.93.
É, por conseguinte, o terceiro fundamento de facto que não colhe.
10.5 – Quanto à não publicitação num órgão de comunicação social de expansão nacional, começo por referir que ela é da inteira responsabilidade da entidade que propôs a abertura do concurso, obteve o despacho ministerial de autorização e promoveu a sua divulgação.
Na medida em que o não prosseguimento do concurso gera prejuízos de diversa ordem aos concorrentes, não pode a Administração responsável pela irregularidade invocá-la como único fundamento de direito para sustentar a anulação do concurso.
É o princípio da boa fé da Administração que sai malferido; é o princípio da confiança que a Administração deve criar nos cidadãos que fica afectado.
10.6 – E é discutível que a interpretação (da redacção ambígua do nº 2 do art.º 12º do Regulamento) patente no despacho anulatório seja correcta.
Esta disposição é comum aos concursos de habilitação e de provimento, e “admissão” pode entender-se quer em relação ao concurso, quer em relação aos lugares vagos nos serviços.
De facto, de um concurso de habilitação só resulta a aquisição de um título, não um vínculo à Administração, ao passo que de um concurso (externo) de provimento pode “resultar a admissão de candidatos não vinculados”.
10.7 – Concedendo que a expressão “admissão” se refere à lista de candidatos do concurso, há que concluir que tal entendimento traduz uma particular preocupação do legislador em reforçar a possibilidade de os médicos sem vínculo e em condições de concorrer tomarem conhecimento da abertura do concurso.
Como já atrás se refere (cfr. nº 4.8-b) supra) estes são os que obtiveram um despacho ministerial de reconhecimento como suficiente do seu currículo profissional.
10.8 – Esse despacho foi necessariamente posterior à data de divulgação da composição da comissão técnica (27.09.91) e só seria eficaz no presente concurso até à data da sua abertura (20.01.93). A comissão técnica dispõe, presumo, dos dados necessários à sua identificação.
A Administração supriria a irregularidade pela qual é responsável, notificando -logo que se apercebesse da omissão – cada um dos médicos nestas condições e concedendo-lhe um novo prazo para apresentação da sua candidatura.
Ou procedendo à publicação de novo aviso, no sentido de, no mesmo concurso, poderem ser admitidas candidaturas de médicos não vinculados que à data da abertura reunissem condições para concorrer.
Não seria a primeira vez que uma medida desta natureza contribuiria para suprir o incumprimento pela Administração de uma formalidade essencial e há jurisprudência que aponta no sentido do aproveitamento da parte útil e correcta da actividade já realizada.
Refira-se que, quanto às formalidades relativamente essenciais, a sua omissão só determina invalidade do acto se o interesse ou efeito que a lei lhe queria conferir não for alcançado por outra via.
Com as devidas adaptações, veja-se o Acórdão do STA proferido em 16.04.91 no recurso nº 27786.
10.9 – De um tal procedimento transpareceria a vontade do Ministro da Saúde de concluir o concurso em questão.
Mas foi justamente isso que se quis evitar.
Não, provavelmente, pelas razões de facto já analisadas; não, seguramente, por se reconhecer um vício de forma cuja existência é discutível e que, a existir, seria suprível.
Mas porque a gestão de um concurso com quinze júris e as contradições do Regulamento quanto ao número, tipo e impacto dos métodos de selecção, logo que se entrasse na fase de classificação das candidaturas, por uma razão, ou por outra, abririam a via do recurso hierárquico fundamentado e atendível e conduziria a sucessivas anulações e repetições das listas classificativas. Até à exaustão…
11. A invalidade do despacho anulatório
11.1 – É respeitável a vontade da Administração de não eternizar a tramitação de um concurso do qual decorrerá a aquisição de direitos para os médicos aprovados.
Não basta porém que essa vontade exista e esteja implícita num despacho anulatório.
Num Estado de Direito, a vontade da Administração há-de manifestar-se no respeito pelo princípio da legalidade, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos (Código do Procedimento Administrativo, – C.P.A. – art.º 3º nº 1).
E há-de respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (id., art.º 4º).
11.2 – Dos normativos já citados decorre a regra da anualidade da abertura dos concursos de habilitação. A Administração está vinculada a proceder à sua abertura anual desde a entrada em vigor do Dec-Lei 310/82.
Trata-se de uma competência ou poder vinculado de agir, que para ser respeitado, impõe a prévia aprovação dos indispensáveis regulamentos.
O Ministro da Saúde omitiu o exercício do seu poder vinculado de aprovar o regulamento do concurso de habilitação ao grau de consultor na carreira médica de clínica geral até 1991.
E omitiu, em simultâneo e em consequência, o exercício do seu poder vinculado de abrir anualmente um concurso de habilitação ao grau de consultor até 1993.
Mas, ao abrir o primeiro concurso de habilitação, a Administração deu cumprimento ao seu poder-dever de agir e não deve já retroceder sob pena de regressar à situação de incumprimento em que se encontrava anteriormente e de com isso lesar interesses legalmente protegidos.
Sobre esta questão deve seguir-se com as necessárias adaptações o Acórdão nº 39/84 do Tribunal Constitucional (D. R., I Série, de 5.05.84), particularmente o seu ponto 2.3.3..
Enquanto ali se trata de uma inconstitucionalidade por acção (revogação da Lei que criara o Serviço Nacional de Saúde), aqui trata-se de uma ilegalidade por acção (anulação do concurso de habilitação).
E é igualmente recomendável a consulta ao Acórdão de 12.06.86 (Rec. nº 20905) do Supremo Tribunal Administrativo (Apêndice à 3ª Série do D.R., pág. 2503) que conclui pela ilegalidade de um despacho ministerial de anulação do concurso de habilitação ao grau (equivalente ao hoje designado) de consultor.
Acresce que, ainda que se pudesse discutir a aplicabilidade da teoria do não retrocesso ao dever de agir do legislador no que respeita ao direito à carreira e à remuneração, ficaria sempre a Administração em situação de incumprimento ao anular o primeiro concurso anual sem possibilidade de o repetir no mesmo ano civil, por estar a violar o princípio constitucional da protecção da confiança apanágio do Estado de Direito e ínsito no art.º 2º da Lei Fundamental.
11.3 – O concurso aberto em 1993 foi o primeiro instrumento criado pela Administração para viabilizar a aquisição do grau de consultor da carreira médica de clínica geral e a progressão automática à categoria de assistente graduado com o correspondente aumento da remuneração de um número significativo de concorrentes.
Ou seja o concurso em questão gera condições para a aquisição de direitos relativos à carreira e à remuneração por parte dos concorrentes aprovados.
Também aqui é aconselhável a leitura e adaptação do citado Acórdão nº 39/84, na medida em que estão em causa aqueles dois direitos.
Veja-se também o disposto no art.º 140º nº 1 c) do C.P.A..
11.4 – A perturbação introduzida pelo despacho anulatório veio afectar expectativas dos concorrentes já admitidos nas três listas publicadas, ou que, nelas figurando como excluídos, impugnaram a sua exclusão e obtiveram ou vierem a obter provimento do recurso (saliento o interesse legalmente protegido de ser classificado).
Assim, para além de dever ser fundamentado, o acto anulatório que constitui a decisão final naquele procedimento e pressupõe a conclusão de uma instrução, deveria ter sido precedido da audiência dos interessados, nos termos dos artºs 100º a 103º do C.P.A. conjugados com o art.º 53º do mesmo Código.
O princípio geral de direito que é o princípio do contraditório não pode ser afastado por ser um princípio de ética jurídica e uma norma de direito natural administrativo que respeita a todos os concorrentes cujas candidaturas tinham sido admitidas.
12. Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado
12.1 – A tardia aprovação do regulamento do concurso de habilitação ao grau de consultor da carreira médica de clínica geral; a tardia abertura do primeiro concurso de habilitação; a anulação administrativa do primeiro concurso com fundamento na preterição de uma formalidade essencial, sendo tal preterição da responsabilidade da própria Administração – põem em causa a sua boa-fé, propiciam ao Estado um enriquecimento sem causa e são fonte de prejuízos evidentes e quantificáveis para os concorrentes admitidos ou em condições de o serem;
12.2 – A intenção anunciada e concretizada pelos organismos representativos dos concorrentes de interpor recursos contenciosos de anulação do despacho ministerial anulatório do concurso faz prever que, obtendo os recursos provimento, se instale a generalizada confusão na gestão da carreira médica de clínica geral;
Nos termos do art.º 22º da Constituição da República “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares, dos seus órgãos (…) por actos ou omissões (…) de que resulte violação dos direitos, liberdade e garantias ou prejuízo para outrém”.
O Dec-Lei nº 73/90, de 6 de Março, no art.º 22.º nº 7 torna os concorrentes admitidos no concurso anulado titulares de interesses legalmente protegidos.
Estão assim reunidas as condições para que a uma anulação contenciosa que considero provável, se sigam, não só a difícil execução da sentença com a “reconstituição da situação actual hipotética” de cada concorrente, mas também a apresentação de numerosos pedidos de indemnização (conforme Dec-Lei nº 48.051, de 21.11.67) tanto mais avultados quanto maior tiver sido o lapso de tempo decorrido desde a aprovação do princípio da anualidade dos concursos ou das datas da publicação das três listas de candidatos admitidos até à decisão dos pedidos.
12.4 – Ora a Administração deve proteger os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões (C.P.A., artºs 4º e 10º), encontrando as soluções adequadas para atingir tais desideratos.
13. A revogação do despacho anulatório
13.1 – Os actos inválidos, anuláveis, são revogáveis nos termos dos art.º 141º e seguintes do C.P.A..
13.2 – Todavia a revogação do despacho anulatório em questão e a repristinação do concurso anulado viriam agora desencadear outras perturbações dada a publicação de novo aviso de abertura de concurso, em 2.07.94, ao qual irão concorrer também os candidatos do primeiro concurso.
14. Conclusões
14.1 – A invocação, como fundamentos de um acto administrativo, de razões de facto não só previsíveis como inafastáveis, e também decorrentes de incumprimentos da responsabilidade da própria Administração traduz falta de fundamentação e constitui vicio de forma e vicio de violação da lei;
14.2 – 0 desrespeito pela Administração do principio da anualidade de abertura dos concursos de habilitação constitui vicio de violação da lei;
14.3 – A invocação de desrespeito de uma formalidade relativamente essencial da responsabilidade da Administração para, dele beneficiando, fundamentar a anulação de um concurso por ela aberto viola os princípios da boa fé e da confiança e inquina o acto de vício de violação da lei;
14.4 – Os vícios de forma e de violação da lei geram a anulabilidade do acto administrativo;
14.5 – A anulação de um concurso que a Administração tinha desde 1982 o dever de abrir anualmente, sem possibilidade de o retomar ou repetir no mesmo ano civil (1993), gera prejuízos na esfera jurídica dos concorrentes, afectando tanto os seus direitos à carreira como à remuneração;
14.6 – A repristinação do concurso ora anulado criaria situações perturbadoras na tramitação do concurso já aberto após a aprovação do Regulamento aprovado pela Portaria nº 377/94, de 14 de Junho.
14.7 – Não existe para o problema criado com o despacho anulatório solução que assente em normas ou decisões da competência do ministro da Saúde.
15. TERMOS EM QUE RECOMENDO a aprovação urgente de uma medida legislativa sobre esta matéria. A medida deverá propiciar que:
15.1 – Sejam considerados admitidos no concurso de habilitação ao grau de consultor da carreira médica da clínica geral aberto em 02/07/94 os médicos constantes das listas de candidatos publicadas na 2ª Série do D.R. em 15.03.94, 12.04.94 e 18.04.94, e que nelas figuram como admitidos;
15.2 – Seja aplicado o mesmo entendimento àqueles que, ali constando como excluídos, impugnaram a exclusão e obtiveram provimento do pedido;
15.3 – Seja fixada para os médicos nas condições dos números anteriores, que obtenham classificação final de APTO no novo concurso de habilitação, a data de 15.03.94 (publicação da primeira lista de candidatos de um mesmo concurso de que foram publicadas mais duas) para efeitos de aquisição do grau e de progressão à categoria de assistente graduado, se for o caso.
16. Aproveito para lembrar a V.Exa. que, nos termos do art.º 38º nº 2 da Lei 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça) os destinatários das recomendações devem pronunciar-se sobre elas nos 60 dias seguintes.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL