Presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico
Rec. nº 150/A/94
Proc.:R-1713/94
Data:1994-10-04
Área: A 1
ASSUNTO: URBANISMO E OBRAS – IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO – MUSEU – PARECER IPPAR.
Sequência: Parcialmente acatada
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. 0 edifício e o jardim do antigo Paço Episcopal de Bragança, onde se encontra instalado o Museu do Abade de Baçal, constituem património cultural, tendo sido classificados como imóveis de interesse público pelo Decreto do Governo nº 1/86, de 3 de Janeiro (artigo 2º).
O Museu do Abade de Baçal constitui um museu arqueológico e etnográfico regional, apresentando a traça de um solar do século XVIII. As colecções que patenteia pertencem ao domínio da arqueologia, da numismática, da epigrafia, das artes plásticas e da etnografia.
0 edifício que alberga o museu foi construido no ano de 1737, constituindo o museu, cuja inauguração data de 1897, testemunho vivo da história local e regional.
As pegas que integram o seu acervo, de reconhecido valor arqueológico e etnológico, e o estilo arquitectónico que as instalações e elementos decorativos do museu exibem, evocam os costumes e a história dos bragançanos.
Compreende-se, pois, que em parecer sobre as obras do Museu, o Prof. Pedro Dias, ilustre Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, sustente que ” o Museu do Abade de Bagal era o fiel retrato das terras e das gentes bragançanas”.
2. No dia 31 de Dezembro de 1992, o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico adjudicou a empreitada nº 3/IPPAR-P/92, relativa a obras de recuperação e remodelação do edifício do Museu do Abade de Bagal, tendo sido fixado um prazo de execução de 360 dias.
3. Tal projecto não foi, salvo no que concerne às obras da Capela e da Sacristia, apreciado pelo Conselho Consultivo do IPPAR.
0 projecto de arquitectura referente às obras a efectuar na área da Capela e da Sacristia do antigo Paço Episcopal motivou a emissão de parecer do Conselho Consultivo do IPPAR, no sentido da não aprovação do projecto de alteração da Capela e da reposição, na originalidade, do traçado da Capela e da Sacristia.
0 projecto previa a eliminação da Sacristia, a supressão da parede que suporta o altar e o tecto, a deslocação do altar para a parede do fundo da Sacristia e a construção de uma faixa de tecto em abóbada de gesso branco.
Entendeu o Conselho Consultivo do IPPAR que as alterações propugnadas não respeitavam o carácter arquitectónico e histórico do património sobre que incidiam, violando as disposições constantes dos artigos 11º e 12º da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 5/91, de 23 de Janeiro.
4. Da mesma forma, o parecer do Prof. Pedro Dias já anteriormente referido, proferido a pedido da associação cívica denominada “Forum Nordeste”, conclui que as obras de restauro em curso no Museu se efectuam no desrespeito pela identidade cultural do edifício e da comunidade local, atenta a parcial destruição e a descaracterização irremediável de imóvel classificado.
0 ilustre autor do citado parecer aduz o seguinte:
” No interior, é reprovável a total destruição do edifício. Foi arrancado o magnífico chão em granito, e apeados os tectos de castanho local cuidadosamente desenhados e excelentemente executados. As portas de cunho local foram também destruídas gratuitamente. A entrada foi empobrecida, arrasando-se os arcos de cantaria, não colhendo, em nossa opinião, o argumento de que eram um revivalismo do tempo do Estado Novo. A
bela escadaria, posto que conservada, perdeu o sentido e ficou sem o seu enquadramento.
As estantes da Biblioteca tinham inegável nível e estavam completamente integradas no ambiente. Apesar de terem apenas algumas dezenas de anos, não se justificava a sua substituição e, menos ainda, a sua destruição pura e simples.
O corte do acesso ao jardim e a situação idêntica na varanda superior, impedindo a sua aproximação dos vãos, destruiu a lógica dessa ala, organizada primitivamente em função desse mesmo jardim, o que denota que este é um caso claro de incapacidade de leitura do edifício.
(….)
Em resumo, direi que estamos perante uma intervenção lesiva do património cultural, feita sem respeito por um edifício antigo de grande nível plástico e emblemático de uma cidade e de uma região. Por outro lado, assiste-se à transformação de um museu regional muito característico e cheio de carisma num museu banal.”
5. As obras projectadas e executadas excederam largamente as necessidades de ampliação e de consolidação da estrutura do edifício, que motivaram o pedido dirigido ao Instituto Português de Museus, no ano de 1989, pela Directora do Museu.
Efectivamente, e de acordo com declarações prestadas pela Exmª Directora a este Órgão do Estado, foi requerido ao IPM a execução de trabalhos inerentes à reparação total da cobertura do edifício, à consolidação dos pavimentos, à criação de estruturas de acolhimento e de um sistema de climatização.
As necessidades de ampliação do edifício determinaram a aquisição de prédio contíguo, que se efectuou em Março de 1989.
Em lugar do requerido, o IPPAR procedeu à destruição parcial do edifício e a modificações irreversíveis na estrutura do mesmo, adulterando o seu estilo arquitectónico.
Referência específica merece ainda a redução da área de utilização museológica, em bem classificado como “imóvel de interesse público”.
A redução de cerca de 200 m2, consequência das alterações já efectuadas, não se compagina com a obrigação que adstringe o Estado de assegurar as condições de fruição do património cultural.
6. Não obstante o alcance das obras ditas de remodelação e recuperação, o projecto que lhes subjaz não foi objecto de apresentação e discussão pública. Os bragançanos não foram informados do objectivo das obras, dos critérios que as norteiam ou de eventuais projectos alternativos.
As legítimas interrogações formuladas pela comunidade bragançana, após o início dos trabalhos, não mereceram resposta.
O silêncio das entidades responsáveis pela execução das obras obsta à participação das populações na dignificação, defesa e fruição do património cultural em causa e atenta contra o disposto no artigo 3º, nº 4, da Lei nº 13/85, de 6 de Julho.
Não tardou pois que, como de V. Exa. é sobejamente conhecido, diversas entidades, designadamente locais, tomassem posição sobre as obras em execução e a inexistência de informação e debate público.
7. Perante a amplitude dos protestos suscitados sobre a natureza das obras, deverão as modificações projectadas, executadas ou a executar, ser devidamente ponderadas.
Assim o postula a promoção da salvaguarda e da valorização do património cultural arquitectónico que, nos termos da lei, constitui obrigação do Estado e das demais entidades públicas e integra as atribuições próprias do IPPAR.
8. De acordo com o nº 1 do artigo 14º da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, os imóveis classificados não poderão ser demolidos, no todo ou em parte, nem ser objecto de restauro, sem prévio parecer do Instituto Português do Património Cultural.
É certo que os imóveis em causa não foram classificados por decreto do Ministro da Cultura, como o prevêem as disposições constantes dos artigos 12º e 14º, nº 1, da Lei nº 13/85. No entanto, a obrigatoriedade de audição prévia, a que alude o nº 1 do artigo 14º, não se cinge aos imóveis classificados ou em vias de classificação pelo Ministério da Cultura (ou pela Secretaria de Estado da Cultura), antes abarca, para além daqueles bens, os imóveis
classificados ao abrigo da legislação anterior à vigência da Lei nº 13/85.
Entendimento diverso e literal do preceito fere a teleologia que inspirou o diploma legislativo em que aquele se contém e que ditou a consagração do dever de audição prévia.
Por outro lado, a menção feita ao IPPC no nº1 do artigo 14º da Lei nº 13/85 deve entender-se como reportada ao IPPAR, por força do disposto no nº 3, do artigo 26º, do Decreto-Lei nº 106-F/92, de 1 de Junho.
CONCLUSÕES
Em face do exposto, permito-me fazer uso dos poderes que me são conferidos pelo artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR a V. Exa. que :
se digne exercer a competência prevista no nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 106-F/92, de 1 de Junho, solicitando ao Conselho Consultivo do IPPAR, com a brevidade que as circunstãncias impõem, que emita parecer sobre as obras em curso no Museu do Abade de Bagal, e que se digne comunicar-me o teor do parecer emitido.
Solicito a V. Exa. que, nos termos do artigo 38º, nºs 2 e 3, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, me seja dado conhecimento do seguimento que vier a ter a presente Recomendação, sem prejuízo da informação sobre todas as medidas tomadas quanto a esta matéria, que solicito nos termos do artigo 29º, nº 4 da referida Lei.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel