Director-Geral das Contribuições e Impostos
Rec. n.º 260A/93
Proc.: R-3321/92;R-424/93;R-509/93;R714/93;R-1020/93
Data: 1994-01-18
Área: A 4
Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – ORDEM DE SERVIÇOS – REGRAS PARA CONCESSÃO DE ABONO DE VENCIMENTO DE EXERCÍCIO PERDIDO.
Sequência: Acatada
1.Diversos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos dirigiram-me exposições em que contestam a legalidade da Ordem de Serviço n.º 24/92 do Director-Geral das Contribuições e Impostos, relativa à definição de regras para a concessão do abono de vencimento de exercício perdido nos termos dos n.º 2 e n.º 4 do artigo 27.° do Decreto-Lei. N.º 497/88, de 30 de Dezembro.
Segundo esta Ordem de Serviço, a concessão do abono do vencimento do exercício perdido por funcionários dessa Direcção-Geral apenas seria autorizada aos funcionários cuja última classificação de serviço fosse de Muito Bom e, cumulativamente, não tivessem dado, no decurso dos três anos anteriores ao do evento, qualquer falta injustificada ou mais de seis faltas que implicassem a perda de vencimento ou de vencimento de exercício.
2. Analisada a situação, concluí o seguinte:
2.1. 0 art.º 27.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro (diploma publicado no uso da autorização legislativa conferida pelo art.º 16.º b) da Lei 2/88, de 26 de Janeiro) determina que “o dirigente máximo do serviço pode, a requerimento do interessado e considerada a sua última classificação de serviço, autorizar, no todo ou em parte, o abono de vencimento de exercício perdido nos termos do n.º 2 do mesmo artigo”, ou seja, o vencimento de exercício perdido nos primeiros 30 dias de faltas por doença.
2.2. Este artigo confere um poder discricionário ao dirigente máximo do serviço, aferido pela utilização da expressão facultativa “pode”, exercício do mesmo depende do critério de utilização do respectivo titular, que lhe dá a opção por várias soluções, todas legais. Essa liberdade acção exprime-se pela liberdade de autorizar; de, autorizando, considerar a classificação de serviço em termos restritivos ou ampliativos e de autorizar parcial ou totalmente o abono requerido.
2.3. Mas, para ser legal, o exercício do poder discricionário deve respeitar as vinculações ou pressupostos legais e não desviar-se do fim que a lei teve em vista para o seu exercício.
2.4. Ora o art.º 27 n.º 4 prevê determinadas vinculações legais ou pressupostos: em matéria de competência (dirigente máximo do serviço); em matéria de fim (benefício a conceder a funcionários com boas ou muito boas classificações de serviço); em matéria de formalidades (mediante requerimento do interessado).
2.5. Na Ordem de Serviço 24/92 dessa Direcção-Geral acrescenta-se à motivação do acto, que decorre da Lei (a classificação de serviço), elementos respeitantes à assiduidade do funcionário, factor que não integra nem directa nem indirectamente os que devem ser valorados nos termos do art.º 6.º do DR 44-B/83 e Portaria 642-A/83, ambos de 1 de Junho. Desse acrescentamento decorre que se coloca em paridade com o motivo previsto na lei outro motivo que a lei não contempla e que pode determinar o sentido positivo ou negativo da autorização.
2.6. É certo que, nos termos do art.º 19.º, §único do LOSTA, a Administração, no exercício do poder discricionário, não está impedida de prosseguir outros fins acessórios, para além dos fins previstos na lei, desde que, coexistindo vários fins, o fim principal ou legalmente prescrito seja o determinante do acto. É a teoria da irrelevância do motivo superabundante, que encontra expressão em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. entre outros, ACs do STA de 20/10/87 – AD 324/1484; de 24/3/61 – AD 178/1283; de 20/7/62 – AD 13/13; do TP de 22/6/83 – AD 264/1511; de 23/2/63 – AD 5/617; de 7/3/74 – AD 152/1032 ; de 11/5/62 – AD 10/1 223; de 18/5/62 – AD 10/1234.)
2.7. 0 que a Administração não pode é alterar o fim prescrito na lei (o fim é sempre um elemento vinculado em todos os actos discricionários, bem como a competência), ou acrescentar outro fim, que desvie a prática do acto do fim determinante previsto na lei, ou basear-se em motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei.
2.8. A ordem de serviço 24/92 consubstancia uma autovinculação do poder discricionário, ou seja, um conjunto de normas genéricas em que a Administração anuncia os critérios a que obedecerá na apreciação de determinado número de casos. Esta autovinculação está sujeita a limites idênticos aos que ocorreriam no exercício casuístico do poder discricionário, pois o despacho de autovinculação tem de respeitar os pressupostos legais ou elementos vinculados do acto, não podendo acrescentar motivos que não poderia ter em conta para 🙂 exercício daquele poder (cfr. entre outros, AC do STA de 13/1/87 – BMJ 363 – 1987 – pp. 303 e 304).
2.9. A ordem de serviço 24/92 viola o disposto no art.º 27.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro – violação da lei na modalidade de erro de direito sobre os pressupostos.
3. Em face do exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, formulo a V.Exª a seguinte RECOMENDAÇÃO:
Que revogue a Ordem de Serviço n.º 4/92, dado a mesma violar o pressuposto legal respeitante ao fim constante do art.º 27.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL