Governador do Banco de Portugal
Rec. n.º 1/A/00
Proc.: 149/98
Data: 06-01-2000
Área: A 2
Assunto: ASSUNTOS FINANCEIROS.BANCA.CONTA BANCÁRIA.DESPESAS DE MANUTENÇÃO.
Sequência: Acatada
Fundamento: Na sequência de queixa apresentada no Banco de Portugal contra a cobrança, pelo BCP, de despesas de manutenção, alegadamente não aceites previamente pelo cliente, e tão pouco publicitadas ou expostas nas respectivas agências, decidiu o Banco de Portugal inexistir qualquer ilícito, determinado o arquivamento do processo. A fundamentação da actuação daquela instituição baseou-se nos esclarecimentos fornecidos pelo próprio BCP, através de carta em que afirmava existir acordo prévio do cliente à cobrança de tais comissões, através de contrato anteriormente assinado; que o Preçário se encontrava exposto na sucursal onde o mesmo cliente tinha conta; que existira a prévia publicitação e aceitação do referido Preçário, nos termos exigidos pela lei. Atenta a falta de diligências instrutórias que permitissem ao Banco de Portugal concluir por uma das versões em antagonismo, foi Recomendada a realização das diligências probatórias necessárias a aferir, fundamentadamente, do cumprimento do normativo legal.
Legislação aplicada: Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 238/91, de 31 de Dezembro; Aviso n.º 1/95, de 17 de Fevereiro; Circular do Banco de Portugal n.º 1/E – DSB de 05/01/96; Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro, na redacção da Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro; regime geral do ilícito de mera ordenação social, contido no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro; Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro; Lei n.º 9/91, de 9 de Abril.
I.
1.Foi apresentada queixa neste órgão do Estado pelo Senhor…, relativa à eventual violação por uma instituição de crédito, o Banco Comercial Português, SA (BCP), das disposições contidas nos art.ºs 75.º e 89.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante designado por Regime Geral), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 238/91, de 31 de Dezembro, bem como do Aviso n.º 1/95, de 17 de Fevereiro, do Banco de Portugal (no entendimento da Circular do Banco de Portugal n.º 1/E – DSB, de 5 de Janeiro de 1986).
2.Os factos reportam-se a Dezembro de 1996 e Julho de 1997, datas em que o queixoso afirma ter tido conhecimento de que o BCP, agência de Torres Vedras, lhe debitou a quantia de Esc: 7.500$ a título de despesas de manutenção, encargo que não merecera o seu acordo prévio, ou sequer conhecimento.
3.Inconformado, o ora queixoso, expôs tais factos ao Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal, que entendeu que, “no caso em apreço e perante os esclarecimentos que, sobre o assunto, nos foram prestados pelo Banco Comercial Português, através da carta de que juntamos fotocópia, não se vê que esta instituição de crédito seja, à luz do referido Aviso (1/95, de 17 de Fevereiro), merecedora de qualquer censura.”
4.Segundo os referidos esclarecimentos da instituição de crédito:
a)as condições de que o cliente se queixava tinham sido por ele subscritas em 11 de Outubro de 1994, obrigando-se o mesmo a respeitar determinados “saldos médios de manutenção em vigor em cada momento que se encontram afixados nas Sucursais do Banco”;
b) nas mesmas condições estabelece-se que o não cumprimento de tal cláusula pode implicar encerramento de conta, não pagamento de juros, cobrança de despesas de manutenção, “bem como a cobrança de uma comissão fixa ou variável sobre cada transacção”;
c)os débitos efectuados ao cliente em Dezembro de 1996 e Junho de 1997 correspondem ao definido no “Preçário de Operações Correntes exposto nas Sucursais nos termos do Aviso” supra referido.
5.Face à evidente contradição entre o alegado queixoso e pelo BCP, solicitei ao Departamento de Supervisão Bancária os elementos carreados para o procedimento aberto com a queixa, nomeadamente cópia das condições gerais de depósito subscritas pelo ora queixoso, informação sobre o Preçário de Operações Correntes que o BCP alegara expor nas suas sucursais e sobre se a instituição cumpria a obrigação de informação segundo o entendimento difundido pelo próprio Banco de Portugal.
6.Segundo o respondido pelo mesmo Departamento, o Banco de Portugal não dispunha de nenhum dos “elementos de informação solicitados”.
II. O DIREITO
7.O Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art.º 1 da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro, na redacção da Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro), adiante designada abreviadamente por LOBP.
7.1No âmbito das suas atribuições de orientação e fiscalização dos mercados monetário, financeiro e cambial, compete-lhe exercer a supervisão das instituições de crédito, nomeadamente em termos de regras de conduta, informação e publicidade, estabelecendo directivas para a sua actuação, fiscalizando o seu cumprimento e instaurando os processos adequados à verificação das infracções cometidas (arts. 22 a 24 da LOBP, e art.ºs 74.º, 75.º, 89.º, 210.º e 213.º e segs. do Regime Geral).
7.2.Perante a denúncia de eventuais infracções susceptíveis de consubstanciarem ilícitos de mera ordenação social, detém o Banco de Portugal poderes funcionais de instrução e investigação dos factos alegados, podendo solicitar informações, documentos, perícias, bem como realizar inspecções, que permitam fundamentar uma decisão de arquivamento ou acusação (art.ºs 213.º e segs. do Regime Geral, e art.ºs 54.º e 41.º e segs. do regime geral do ilícito de mera ordenação social, contido no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, aplicável “ex vi” art.º 232.º do citado Regime Geral).
8.Perante os factos alegados pelos interessados, e atenta a clara contradição entre os mesmos, para além de princípios da legalidade e do inquisitório art.ºs 41.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 433/82), princípios de imparcialidade e de justiça administrativa postulariam diligências instrutórias mínimas, fundamentadoras da decisão final (por exemplo, a obtenção e verificação das condições alegadamente aceites pelo queixoso; a verificação da conformidade dos montantes debitados em 1996 e 1997 com o Preçário alegadamente publicitado; e mesmo a verificação; e mesmo a verificação na sucursal da afixação exigida).
9.Aliás, atenta a actual natureza do Banco de Portugal (art.º 2 da LOBP, na redacção da Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro), encontra-se o mesmo sujeito a normas procedimentais similares contidas no Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (adiante designado por CPA) – vd art.º 2.º, n.º 2, al. b).
9.1 Os mesmos princípios de justiça, igualdade e imparcialidade enformam o normativo que rege a actividade procedimental do Banco de Portugal (art.ºs 3.º a 7.º CPA), nomeadamente quanto aos procedimentos iniciados através de queixas ou denúncias dos particulares, devendo ser averiguados todos os factos pertinentes, recorrendo aos meios de prova admitidos em direito, susceptíveis de fundamentar a sua decisão (art.ºs 86.º e sgs. do CPA).
III. CONCLUSÃO
Pelo exposto, e atendendo a que, de acordo com as informações e elementos prestados pelo Banco de Portugal inexistem elementos probatórios que fundem as alegações apresentadas pela instituição de crédito reclamada, que tais alegações são claramente contraditórias com o teor das queixas apresentadas pelo Senhor… que é possível a realização de posteriores diligências instrutórias susceptíveis de averiguar a existência ou inexistência dos ilícitos denunciados é meu dever RECOMENDAR
a Vossa Excelência, nos termos e pelos fundamentos expostos, que sejam realizadas as medidas instrutórias e de fiscalização necessárias à aferição da justeza da queixa apresentada perante Vossa Excelência, atinente ao cumprimento das normas legais supra citadas.
Nos termos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá Vossa Excelência comunicar-me o acatamento da presente Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL