Presidente do Conselho de Administração da TAP – Air Portugal, SA
Número: 3/A/98
Processo: 787/94
Data: 28.01.1998
Área: A2
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – TAP – PRÉ-REFORMA – ACTUALIZAÇÃO DE PENSÕES – INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS DE PRÉ-REFORMA
Sequência: Não Acatada
1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça uma queixa colectiva assinada por um conjunto de antigos trabalhadores da Empresa que passaram à situação de pré-reforma durante o ano de 1992, e relativa ao montante de actualização das prestações de pré-reforma processado no ano de 1993, com reflexos, naturalmente, nas prestações pagas desde então e até à presente data.
2. Os acordos de pré-reforma assinados entre a TAP, SA e estes trabalhadores referem, na cláusula 3ª, que “Os valores ilíquidos mensais da prestação da pré-reforma, referidos na cláusula anterior são o correspondente ao valor da retribuição líquida que o 2º outorgante receberia se estivesse no activo, acrescidos dos valores de IRS e TSU aplicáveis nos termos legais”.
3. Por sua vez, a cláusula seguinte dispõe que:
“A prestação de pré-reforma será actualizada anualmente de acordo com os critérios da lei, em termos de continuar a ser garantido ao segundo outorgante um valor líquido apurado nos termos da cláusula 3ª”.
4. A norma que regula esta matéria, o n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, estatui que:
“salvo estipulação em contrário, constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de que o trabalhador beneficiaria se estivesse ao serviço ou, caso não exista, à taxa de inflação”.
5. Os trabalhadores da TAP, SA que durante o ano de 1992 passaram à situação de pré-reforma aguardaram, durante o ano de 1993, a conclusão das negociações entre os Sindicatos e a Administração da Empresa no sentido de ser apurado, nos termos das disposições acima referidas, o valor do aumento das prestações de pré-reforma.
6. Contudo, durante o ano de 1993 o valor das remunerações dos trabalhadores da Empresa no activo manteve-se inalterável, ou seja, não foi objecto de qualquer aumento.
7. Nestes termos, e por aplicação do n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, mediante remissão da cláusula 4ª do acordo de pré-reforma, as prestações de pré-reforma deviam ser actualizas no ano de 1993 com referência à taxa de inflação. Até aqui, quer a Administração da TAP, SA, quer os reclamantes que se dirigiram ao Provedor de Justiça, estão de acordo.
8. A divergência surge relativamente ao valor da taxa de inflação que deve ser tida em conta no cálculo do montante da actualização da pensão de pré-reforma: a taxa de inflação verificada no ano anterior, no caso, 8,9 % em 1992, conforme defendem os reclamantes, ou antes, e como pretende a Administração da Empresa, a taxa de inflação verificada nos meses do ano anterior desde a data em que foi assinado o acordo de pré-reforma (por exemplo, 0,4 % se foi assinado em Dezembro de 1992).
9. Sobre este assunto a Administração da TAP, SA já teve oportunidade de se pronunciar, argumentando, no que ao caso interessa (cfr. ofício n.º …, de …94, da Direcção-Geral de Pessoal), que
“1. Estabelece o n.º 2 do art. 6º do Dec.Lei n.º 261/91 que, “salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma”,:
a) as prestações de pré-reforma inicialmente fixadas devem ser actualizadas anualmente, isto é, logo que decorrido um ano sobre a data do início da situação de pré-reforma (1ª actualização) ou sobre a data da actualização (2ª actualização e seguintes);
b) (….)
2. A aplicação literal e rigorosa destas regras conduziria a que a data de actualização e a respectiva percentagem fossem específicas de cada situação, podendo ocorrer que, com a proliferação de situações (diferentes), se viesse verificar todos os meses a necessidade de actualização de algumas prestações de pré-reforma.
3. Uma tal prática tinha manifestos inconvenientes, já porque implicava uma enorme carga administrativa, já porque potenciava falhas da mesma natureza.
4. Por isso, e apenas por isso, foi decidido referenciar as actualizações a uma data única para todos o conjunto de situações – o dia 1 de Janeiro de cada ano -, mas sempre com salvaguarda dos direitos legalmente conferidos aos pré-reformados, ou seja, a de nunca verem decorrido mais de um ano, sem que as suas prestações de pré-reforma sejam actualizadas de acordo com o critério legal.
5. O procedimento que se entendeu dever ser adoptado foi o seguinte:
a) quanto à primeira actualização fazê-la sempre com produção de efeitos ao dia 1 de Janeiro do ano imediatamente seguinte ao da passagem à situação de pré-reforma – mesmo que até àquela data (1 de Janeiro) ainda não tenha decorrido um ano (12 meses) sobre o início da situação de pré-reforma – e tomar em consideração todos os meses interdecorrentes, aplicando a percentagem de aumento dos salários do pessoal ao activo ou, caso este se não verifique, a taxa de inflação registada.
b) quanto à 2ª actualização e actualizações subsequentes, fazê-las sempre com produção de efeitos ao dia 1 de janeiro dos anos seguintes, tomando em consideração, para efeitos de determinação da percentagem a aplicar à última prestação de pré-reforma que vinha sendo paga, a existência ou não de aumento dos salários para o pessoal ao activo, nos precisos termos legalmente estabelecidos.
6. Dentro deste quadro é que, e reportando-nos aos trabalhadores da TAP passados à pré-reforma ao longo dos últimos dois anos (em número de 121) a Empresa actuou da seguinte forma:
– relativamente a uma situação de pré-reforma ocorrida em Agosto de 1992, a TAP procedeu à 1ª actualização da prestação inicial, com efeitos a um de Janeiro de 1993, aplicando a percentagem de 1,7 % (inflação acumulada de Agosto a Dezembro de 1992);
– relativamente a 120 situações de pré-reforma ocorridas no mês de Dezembro de 1992, a TAP procedeu à 1ªactualização da prestação inicial, com efeitos também a 1 de Janeiro de 1993, aplicando ao percentagem de 0,4 % (inflação registada em Dezembro de 1992).
– relativamente a todo este conjunto de 121 trabalhadores pré-reformados ao longo do ano de 1992, a TAP procedeu já à 2ª actualização, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1994, tomando em consideração a taxa de inflação de 6,5 % verificada no ano de 1993″.
10. A interpretação feita pela Empresa do disposto no n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, é melhor clarificada no ofício n.º …, de … 94, dirigido à Provedoria de Justiça:
“2.2. Como do n.º 2 do art. 6 resulta, a entidade devedora da prestação pré-reforma, tem que, para efeitos de actualização desta – salva sempre disposição convencional em contrário – operar com dois factores: o factor da periodicidade e o factor da medida ou grau.
2.3. Quanto a este último factor (medida ou grau), a lei determina o seguinte: havendo aumento das remunerações do pessoal no activo, a prestação de pré-reforma deve ser actualizada em percentagem igual à desse aumento; não havendo aumento das remunerações do pessoal no activo, a prestação de pré-reforma deve ser actualizada mediante a aplicação de uma taxa igual à taxa de inflação.
2.4. Quanto ao primeiro factor (periodicidade da actualização) (…) entendeu, porém o legislador que o critério da actualização anual era o mais justo, e por isso o consagrou. Em seu juízo, o pré-reformado não deve estar mais de um ano sem ver a prestação de pré-reforma actualizada.
2.5. É assim também nosso entendimento que, fixada inicialmente por acordo, uma prestação de pré-reforma, ela deve ser revista decorrido um ano e, sucessivamente, em cada um dos anos seguintes. A percentagem desta actualização é igual à do aumento que o trabalhador beneficiaria se estivesse no activo, ou à taxa da inflação, caso não lhe corresponda qualquer aumento. Por lei, o que é igual é a percentagem a aplicar na actualização da prestação de pré-reforma; nada na lei aponta para que o aumento do pessoal no activo e a referida actualização da prestação de pré-reforma devam ter lugar na mesma data.
Por consequência, independentemente da altura em que o trabalhador teria sido aumentado se estivesse no activo, o valor da sua pré-reforma, salvo estipulação em contrário constante do respectivo acordo, só tem que ser actualizado em percentagem igual à daquele aumento, decorrido um ano sobre a data em que foi fixado. A lei não estabelece um paralelo necessário entre o estatuto remuneratório do pré-reformado e o que o mesmo teria no activo, no sentido de uma coincidência temporal das respectivas evoluções.
2.6. Concluindo e em resumo: na falta de estipulação escrita em contrário, constante do acordo a que se refere o art. 4º do Dec. Lei n.º 261/91, a actualização da prestação de pré-reforma terá que ser feita logo que decorrido um ano (não antes) sobre a data de início a prestação inicial da pré-reforma (primeira actualização) ou sobre a data da actualização anterior (segunda actualização e seguintes). Antes de decorrido o período de um ano, nos termos acabados de explicitar, o trabalhador não está titulado no direito de exigir a actualização da prestação de pré-reforma”.
11. A norma constante do n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, é, como resulta claramente do seu texto, uma norma supletiva: só é aplicável na ausência de estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma. Importa, pois, antes do mais, interpretar os acordos celebrados entre a TAP e os seus trabalhadores, designadamente as suas cláusulas 3ª e 4ª.
12. Como já referi,existe consenso entre a Administração da TAP e os trabalhadores pré-reformados quanto a fazer dessas cláusulas, conjugadas com o n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, para o qual remete a primeira parte da cláusula 4ª, a interpretação de que a actualização das prestações dos pré-reformados deve ser igual à dos trabalhadores no activo ou, não havendo esta, à taxa de inflação.
13. Só não existe acordo quanto ao momento a partir do qual é devida essa actualização: enquanto que para a Administração ela só é devida um ano após a celebração do acordo de pré-reforma – sendo o seu pagamento a partir de 1 de Janeiro de cada ano devido exclusivamente a razões de índole prática, logística, com a consequência de nesse momento a Empresa ainda não estar obrigada à actualização total, mas apenas a uma actualização parcelar -, para os trabalhadores pré-reformados ela é devida a partir do momento a que se reporta ou reportaria a actualização dos trabalhadores do activo – pelo que a partir desse momento será devida a actualização total e não uma actualização meramente parcial.
14. Antes de mais, convirá salientar que, a ser correcta a interpretação da Administração, a prática seguida pela Empresa, ao antecipar as actualizações para 1 de Janeiro mas fazendo-as parcialmente, seria violadora dos acordos celebrados: dependendo das variações da taxa de inflação, os trabalhadores podem ser prejudicados por uma actualização, antecipada é certo, mas com valores mais baixos, e que se manterá em vigor durante um ano (não se procedendo a uma actualização total em cada aniversário do acordo).
15. Mas não parece que a interpretação da Empresa seja a correcta. Na verdade, a parte final da cláusula 4ª dispõe que a actualização deve ser feita “em termos de continuar a ser garantido ao segundo outorgante um valor líquido apurado nos termos da cláusula 3ª”. E esse valor líquido é o “que o 2º outorgante receberia se estivesse no activo” (cláusula 3ª).
16. Ora, a única maneira de garantir que o trabalhador pré-reformado aufira sempre, no mínimo, o mesmo que o trabalhador no activo é actualizar as respectivas prestações na mesma percentagem e na mesma altura – a não ser assim, é impossível garantir que, qualquer que seja o mês ou o período anual em concreto que se tome como referência, existirá essa coincidência.
17. Portanto, quer as actualizações sejam feitas na mesma altura mas por percentagens diferentes – que é a prática da TAP -, quer sejam feitas pela mesma percentagem mas em alturas diferentes – como seria coerente face à interpretação perfilhada pela Administração -, sempre será violada a parte final da cláusula 4ª dos acordos de pré-reforma.
18. A expressão “anualmente” utilizada na cláusula 4ª deve, pois, ser entendida, numa interpretação sistemática, no sentido de impor a actualização todos os anos e não no sentido de só permitir a actualização ao fim de um ano – o que, de qualquer maneira, repete-se, a Empresa também não faz.
19. Do exposto decorre que a única interpretação das cláusulas em questão que me parece aceitável é a de que os trabalhadores pré-reformados devem ver as suas prestações actualizadas na mesma percentagem e na mesma altura que os trabalhadores no activo. O que, na medida em que o “ano salarial” da TAP corresponde ao ano civil, quer dizer no dia 1 de Janeiro de cada ano.
20. A actualização das prestações de pré-reforma a que a TAP procede em cada dia 1 de Janeiro não pode, assim, ser vista como uma simples questão de facilidade burocrática, mas antes como uma verdadeira obrigação que lhe é imposta pelos acordos de pré-reforma.
21. Como decorre claramente do n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, a actualização pelo valor da inflação assume uma natureza de substituição em relação à actualização que normalmente decorrerá da actualização dos trabalhadores no activo.
Vale isto por dizer que, chegado o momento de actualizar as prestações de pré-reforma – na TAP, 1 de Janeiro de cada ano, como se viu -, ou há actualização dos trabalhadores no activo, e a actualização dos pré-reformados será igual, ou não há, e nesse caso a actualização destes será a da taxa de inflação.
22. Saber qual a taxa de inflação que se deve considerar para o efeito é, manifestamente, uma questão de interpretação – designadamente teleológica – do n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, para o qual remete a cláusula 4ª dos acordos de pré-reforma celebrados pela TAP.
23. Ora, colocada nestes termos, parece-me que a única resposta possível a essa questão é a de que a taxa de inflação a considerar é a do ano anterior.
24. Com efeito, parece ser pacífica a ideia de que o escopo prosseguido pela disposição legal em causa é o de, como incentivo à pré-aposentação, garantir que os pré-aposentados não verão diminuído o seu poder de compra, ainda que tal venha a acontecer aos trabalhadores no activo. Como instrumento normal para assegurar esse desiderato – e eventualmente permitir melhorias -, a lei confia em primeira linha na negociação colectiva. Mas, no caso de esta falhar, recorre ao critério da taxa de inflação.
25. E, a ser assim, como me parece, a única taxa de inflação que pode ser considerada é a taxa de inflação do ano anterior. Ser a prestação actualizada em 1 de Janeiro com base em parte da taxa de inflação do ano anterior não permite, como é claro, manter no novo ano o poder de compra do ano anterior.
26. Nesta perspectiva, a parte final da cláusula 4ª dos acordos de pré-reforma celebrados por essa Empresa deve, tendo em conta a primeira parte da mesma, ser interpretada como garantindo um mínimo, e não como impondo um máximo – aliás, quanto a este aspecto específico haverá consenso entre a Empresa e os trabalhadores pré-aposentados.
27. É minha opinião que o n.º 2 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, deve ser interpretado no mesmo sentido que atribuí às cláusulas 3ª e 4ª dos acordos de pré-reforma celebrados pela TAP: em matéria de actualização de prestações de pré-reforma deve vigorar um princípio de paridade com os trabalhadores do activo, quer quanto à percentagem quer quanto ao momento da actualização, substituindo-se a taxa de actualização dos trabalhadores no activo pela taxa de inflação do ano anterior no caso de não haver actualização para estes.
28. No entanto, mesmo que assim se não entenda, sendo essa disposição supletiva, como já tive ocasião de referir, sempre os acordos de pré-reforma celebrados pela TAP sobre ela prevalecerão.
29. Face a todo o exposto,
RECOMENDO
a V. Exa., ao abrigo do disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril), que a TAP, SA dê integral cumprimento às cláusulas dos acordos de pré-reforma celebrados com os seus trabalhadores, procedendo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1993, a um aumento das prestações de pré-reforma de todos os trabalhadores que celebraram acordos durante o ano de 1992 na percentagem de 8,9 % – valor da taxa de inflação registada naquele ano -, bem como a todas as correcções posteriores que este aumento implica.
30. Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 38º da Lei n.º 9/91, solicito a V. Exa. que me comunique a posição do Conselho de Administração da TAP, SA relativamente a esta Recomendação.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL