Ministra da Educação

Rec. nº 176/94
Processo: R-2580/94, R-2581/94
Data: 1994-12-08

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA

Sequência: Não acatada

I
ANTECEDENTES

1. Em 19.9.94, pelo ofício nº. …, expus a Vossa Excelência a grave situação de milhares de trabalhadores não docentes de estabelecimentos de ensino não superior ex-contratados a prazo pelo Ministério da Educação, em que procedi a uma breve análise do condicionalismo factual e legal destas admissões, tendo proposto uma medida excepcional para a sua regularização.

2. Através da leitura da resposta que Vossa Excelência me dirigiu (ofício nº …, de 19.10.94) verifico que não foi rebatida a argumentação legal utilizada para a exigência da permanência destes trabalhadores no exercício de funções, como também foram invocados argumentos rebatendo afirmações que não fiz.

3. Vossa Excelência contesta o número de trabalhadores indicados na epígrafe da recomendação, invocando “que o próprio título da pré-recomendação deturpa a dimensão do problema uma vez que o número indicado não tem qualquer fundamento”. Esse número foi-me referido pela reclamante do processo. E Vossa Excelência não rectificou tal número, comunicando-me o número exacto de pessoas que cessaram funções e não foram colocadas no concurso.

4. Por outro lado, se reanalisar o conteúdo da minha pré-recomendação, verificará que a mesma está dividida em duas partes: na primeira faz-se um enquadramento da matéria em termos legais e factuais e expõe-se a posição da Federação de Sindicatos. Só a partir da parte II, pontos 5 a 9 consta a posição tomada pelo Provedor de Justiça.

5. Ora, em parte alguma da parte II da pré-recomendação é proposta a “anulação do concurso”, “a invocação de prioridades na ocupação de vagas por aqueles que não obtiveram classificação no concurso” ou se sugere “que se atribuam vagas a quem já exercia funções independentemente da graduação dos opositores”. É que o Provedor de Justiça não desconhece os direitos que assistem aos concursados de serem providos nos lugares vagos segundo a ordenação das respectivas listas de classificação final (art.º 35.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro) e a obrigatoriedade da nomeação dos candidatos aprovados em concurso para os quais existam vagas que tenham sido postas a concurso (art.º 4.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).

6. Questão diferente desta consistirá em saber se o Ministério da Educação tratou toda esta questão da forma mais adequada e justa, tendo em atenção o condicionalismo em que ocorreram tais admissões e os preceitos legais às mesmas aplicáveis.

Mas isto já é matéria das partes seguintes desta recomendação, em que procurarei explicitar melhor e reiterar os fundamentos da posição então tomada.

II
OS FACTOS

7. Os trabalhadores visados nesta recomendação foram admitidos no regime do contrato a termo certo nos termos do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e arts. 18.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.

8. Na pendência destes contratos foi assinado, em 25.1.93, um protocolo entre o Governo, representado por S. Exas. os Secretários de Estado dos Recursos Educativos e Adjunta e do Orçamento e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, em cujos considerando se reconhece que:

” a renovação e ampliação do parque escolar implicou nos últimos anos a entrada em funcionamento de grande número de escolas dos ensinos básico e secundário”.

“para assegurar o funcionamento das referidas escolas o Ministério da Educação procedeu à contratação de pessoal não docente a termo certo e em regime de contrato administrativo de provimento”

“em grande número de casos aqueles contratos vêm satisfazendo necessidades efectivas e permanentes dos estabelecimentos de ensino onde prestam funções” (sublinhado meu [no texto original da presente recomendação])

“a cessação de um grande número de contratos a termo criará graves problemas ao funcionamento de um número considerável de estabelecimentos de ensino”

“existe vantagem em ter no sistema educativo pessoal com vínculo estável que possa assumir-se como parte integrante das escolas e envolvido no seu projecto educativo”.

9. Com base em tais pressupostos, acordaram o Governo e a Federação de Sindicatos da Função Pública que:

a) Os quadros distritais de pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino não superior seriam alargados tendo em atenção as suas necessidades funcionais, duradouras e efectivas;

b) Que no prazo máximo de 90 dias seriam abertos concursos de recrutamento para o preenchimento das vagas devendo ser tida em conta, como factor de preferência, a “experiência profissional adquirida no sistema educativo”;

c) Que o Governo adoptaria as medidas necessárias à prorrogação até ao fim do ano lectivo dos contratos a termo certo celebrados com o pessoal em causa;

d) Que seria estudada, no âmbito do reordenamento da rede escolar, a problemática dos quadros do pessoal não docente.

10. Em execução do protocolo, o Governo tomou as seguintes medidas:

a) No Decreto-Lei de execução do orçamento do OE para 1993 (dec.-Lei n.º 83/93, de 18 de Março, art.º 23.º, n.º 7) previu-se a possibilidade de renovação dos contratos a termo certo do pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino não superior, em exercício de funções em 1/1/93, até 31/8/93;

b) A Portaria nº. 518-A/93, de 13 de Maio, aumentou os quadros distritais de vinculação do pessoal não docente das escolas de ensino não superior em 6.442 vagas;

c) O Despacho Normativo nº. 77-A/93, de 19 de Maio descongelou 3.300 dessas vagas (2.500 de auxiliar de acção educativa, 500 de guarda nocturno e 300 de ajudantes de cozinha);

d) As vagas descongeladas foram postas a concurso (com excepção de 5 vagas de guarda nocturno) por aviso publicado no D.R. II Série de 18.6.93;

e) O Decreto-Lei nº. 187/94, de 5 de Julho, veio permitir o preenchimento, em determinadas condições, de lugares vagos em número superior aos inicialmente postos a concursos;

f) O Despacho Normativo nº 465-A/94, de 1 de Julho, descongelou mais 2.000 vagas de auxiliares de acção educativa e 798 de guardas nocturno, as quais poderiam ser preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso indicado em d), por aplicação do Decreto-Lei n.º 187/94;

g) A Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro (art.º 2.º n.º 1 – orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993) prorrogou os contratos a prazo do pessoal não docente até 31.8.94 ou até à conclusão dos concursos indicados em d), na hipótese de os provimentos se verificarem em data anterior a 31.8.94.

11. O número de vagas criadas e descongeladas (6.093) não foi em número correspondente ao número de pessoas, cujos contratos foram renovados; aos concursos externos para o provimento daquelas vagas candidataram-se cerca de 42.000 pessoas, foram aprovados 27.167 e excluídos 11.815.

É previsível a existência de um número substancial de trabalhadores anteriormente contratados, que não foram colocados nas vagas postas a concurso, tendo os seus contratos sido rescindidos a partir de 21.8.94.

III
O DIREITO APLICÁVEL

12. Os contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública obedecem “ao disposto na Lei geral de trabalho sobre contratos a termo, salvo no que respeita à renovação, a qual deve ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo” – artº 9°, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.

A Lei geral de trabalho aplicável, ex-vi do Decreto-Lei nº 184/89, é o Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

Por outro lado, nos artºs. 18º a 21º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro estabelecem-se regras específicas para os contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública quanto à admissibilidade, selecção dos candidatos, estipulação do prazo e renovação do contrato e limites à sua celebração.

a) A questão dos pressupostos do contrato a termo certo

13. Nos termos da legislação da função pública o contrato de trabalho a termo certo é reservado para pessoal que satisfaça necessidades transitórias de serviço (artºs 7º e 9º do Decreto-Lei nº 184/89 e artº 18º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro).

14. Na lei geral de trabalho, a tipificação das situações de admissibilidade de celebração de contrato a termo constam do artº. 41º, nº 1, do Decreto-Lei nº 64-A/89, situações que no regime geral da função pública constam do artº 18º do Decreto-Lei nº 427/89.

Para além desta tipificação, o nº 2 do mesmo artigo 41º comina com a sanção da nulidade da estipulação do termo a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos na lei.

15. Temos, assim, uma especialidade dos contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública que é uma tipificação das situações da sua admissibilidade no artº 18º do Decreto-Lei nº 427/89, diferente da constante do artº 41º, nº 1, do Decreto-Lei nº 64-A/89, aplicável exclusivamente a contratos celebrados pelo sector privado.

E temos também um regime comum aplicável indiferentemente à Administração Pública e ao sector privado – o regime da nulidade constante do artº. 41º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 64-A/89, que não foi afastado por qualquer norma específica do regime da função pública e, ao invés, foi recebido pelo artº. 9º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 184/89. Em jeito de conclusão poderá dizer-se que na Administração Pública a tipificação dos pressupostos ou requisitos de admissibilidade do contrato a termo constam do artº. 18º do Decreto-Lei nº 427/89; o regime de nulidades aplicável é o do artº 41º nº 2 do Decreto-Lei nº 64-A/89.

16. Não obstante as exigências feitas no artº 18º nº 1 do Decreto-Lei nº 427/89 de tais contratos a termo certo “se destinarem à “satisfação de necessidades transitórias dos serviços”, no protocolo assinado em 21.1.93 pelo Governo e pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública reconhece-se de forma expressa que “em grande número de casos aqueles contratos vêm satisfazendo necessidades efectivas e permanentes dos estabelecimentos de ensino onde prestam funções” e que “a cessação de um grande número de contratos a termo criará graves problemas de funcionamento de um número considerável de estabelecimentos de ensino”.

17. Este reconhecimento expresso indicia no sentido de terem sido violados os pressupostos legais previstos no artº. 18º. do Decreto-Lei nº. 427/89 para a celebração do contrato a termo: foi utilizado o regime de contrato a termo certo para a satisfação de necessidades permanentes dos serviços.

18. Verificada a ofensa da lei, a situação passa a ser sancionada pelo disposto no artº. 41º. nº. 2 do Decreto-Lei nº. 64-A/89, ou seja, a nulidade de estipulação do termo. E nulidade de estipulação do termo significa que o regime legal aplicável a tais contratos é o regime do contrato sem termo da lei laboral geral.

b) A questão da duração do contrato

19. O prazo máximo de duração dos contratos a termo é idêntico, tanto na Administração Pública (artº. 9º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 184/89), como no sector privado (artº. 44º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 64-A/89, de 27 de Fevereiro): três anos.

20. O Decreto-Lei nº. 427/89, publicado para desenvolver o regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei nº 184/89, veio restringir o período de duração dos contratos a termo certo na Administração Pública, fixando a sua duração em um ano e determinando a impossibilidade de celebração de novo contrato com o mesmo trabalhador e a mesma natureza e objecto antes de decorrido o prazo de seis meses (artº 20º nºs. 1 e 5, do Decreto-Lei nº 427/89).

21. Na Administração Pública e no sector privado considera-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação (artº 20º, nº. 3, do Decreto-Lei nº. 427/89 e artº 44º, nº. 4, do Decreto-Lei nº. 64-A/89).

22. Duas providências legais sucessivas renovaram estes contratos: o artº. 23º, nº 7, do Decreto-Lei nº. 83/93, de 18 de Março até 31.8.93; e o artº 2º, nº. 1, da Lei nº. 71/93, até 31.8.94.

23. Realça-se que duas ilações com significação jurídica se podem extrair destas renovações:

23.1. em primeiro lugar, foram celebrados contratos a termo certo por período superior ao previsto na legislação geral da função pública;

23.2. em segundo lugar, nalguns casos, tais contratos excederam até o prazo máximo previsto, quer na legislação laboral geral, quer na da função pública (três anos), sendo certo também que deve ser considerado como único contrato aquele que seja objecto de renovação.

24. Quanto à primeira ilação, ela é importante porque o artº. 43º, nº. 1, do Decreto-Lei nº 427/89, proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no diploma.

Isto significa que, por via de legislação avulsa, a estes trabalhadores foi aplicado um regime contratual atípico, diferente do originariamente previsto no Decreto-Lei nº 427/89: o regime do contrato a termo por período superior a um ano.

Se à primeira vista nada obsta a esta “criação legal”, desde que operada por diplomas legais com força idêntica ou superior à do Decreto-Lei n.º 427/89 (como foi o caso do Decreto-Lei n.º 83/93 e da Lei 71/93), ela conhece pelo menos dois limites;

a) – o da boa-fé, pois o Estado, que é simultâneamente entidade patronal e órgão legislativo com competência para alterar as regras contratuais, não pode invocar o artº 43º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 para diminuir as garantias dos trabalhadores – tal significaria “venire contra factum proprium”;

b) – o segundo limite é o das garantias dos trabalhadores que pré-existiam antes da publicação do Decreto-Lei n.º 83/93 e da Lei 71/93 – entre essas garantias, por aplicação conjugada do art.º 9º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 184/89 e art.º 47.º do Decreto-Lei n.º 64-A/84, incluía-se a da conversão em sem prazo do contrato a termo por período superior a três anos.

25. Quanto à segunda ilação, acentua-se que os contratos a termo certo na Administração Pública estavam protegidos portrês válvulas de segurança: a proibição de tais contratos durarem por período superior a um ano (art.º 20º, nº. 1, do Decreto-Lei n.º 427/89,), a proibição do estabelecimento de relações de emprego diferentes das previstas no Decreto-Lei n.º 427/89 (artº. 43º, nº 1) e a fixação genérica de um limite máximo de duração destes contratos em três anos (artº 9º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 184/89). Válvulas de segurança que, como vimos, o Estado-legislador afastou nos contratos celebrados com o pessoal auxiliar do Ministério da Educação.

c) os direitos que assistem aos trabalhadores

26. Verificamos, assim, que em consequência da assinatura do protocolo e da publicação dos Decreto-Lei nº. 83/93 e Lei 71/93, estes trabalhadores passaram a ser regidos por um regime contratual atípico, face à definição dos vínculos prevista no Decreto-Lei nº. 427/89 e, nalguns casos, por contratos a termo por período superior a três anos, o que é proibido quer pela lei geral de trabalho, quer pela específica da Administração Pública.

27. Igualmente, pela aplicação das normas sancionatórias dirigidas à entidade patronal Estado, os contratos celebrados com violação dos pressupostos definidos no artº 18º, nº. 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 (para o exercício de actividades permanentes) converteram-se em contratos sem prazo; como se converteram também em sem prazo todos os contratos celebrados por período superior a três anos, estes por aplicação do artº. 9º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 184/89 e art.º 47.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89.

28. Ora as situações indicadas nos números anteriores devem ser qualificadas como excepcionais, sendo a excepcionalidade da segunda mais gravosa para os trabalhadores, pois o regime do contrato sem prazo previsto na lei laboral geral não é obviamente o tipo de vínculo previsto no regime geral da função pública para o exercício de funções a título permanente. Esse vínculo é a nomeação (art.º 3º, nº. 2, do Decreto-Lei n.º 248/85 e artº. 4.º do Decreto-Lei n.º 427/89).

29. A manutenção desta situação criaria uma grave desigualdade do regime estatutário destes trabalhadores no confronto com o conjunto dos trabalhadores da função pública no exercício de funções idênticas. Desigualdade, aliás, que tendo decorrido de uma sanção legal prevista para a entidade patronal Estado, ir-se-ia repercutir nos direitos dos trabalhadores.

30. Se é inquestionável que, por força dos preceitos legais aplicáveis, o Estado deve reconhecer a estes trabalhadores o direito de permanecerem no exercício de funções, a partir de 31.8.94, no regime do contrato individual sem prazo, certo é também que se impõe, de forma positiva, a regularização subsequente destas situações a fim de as reconduzir ao tipo de vínculo aplicável ao exercício de funções a título permanente na Administração Pública – a nomeação.

IV
PRINCÍPIOS INVOCÁVEIS PARA GARANTIA DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES

a) A “Constituição laboral” e a vinculação da Administração aos direitos dos trabalhadores

31. A Constituição tem um reflexo importante nos vários ramos jurídicos, sendo esse reflexo particularmente grave no direito laboral, mesmo o de natureza pública, podendo afirmar-se que o juslaboralismo ocupa um lugar de charneira dentro dos temas constitucionais.

32. Primeiro, existe uma especial vinculação das entidades públicas ao respeito pelos direitos fundamentais, resultante da aplicação conjugada dos arts. 17º e 18º, nº 1, da Constituição. Significa isto que a vinculação deve ser total, ou seja, as entidades públicas não só não deverão contrariar os preceitos constitucionais que garantem as liberdades fundamentais, como têm a obrigação de, através dos seus actos, promover e assegurar o respeito por esses preceitos.

33. Segundo, a “Constituição laboral” – conjunto descritivo das regras constitucionais com relevo directo para o Direito do Trabalho – integra princípios de nível preceptivo, dos quais importa destacar a “segurança no emprego” (art. 53º) que implica, nomeadamente, a proibição de despedimentos sem justa causa.

Ainda neste âmbito de aplicação da “Constituição laboral”, importa referir o nível de eficácia constitucional interpretativo-aplicativo. Neste nível, a Constituição tem influxos extensos em todo o processo de realização do Direito. Desde logo ocupa um papel essencial na formação do pré-entendimento do intérprete e do aplicador. Daqui se retira que se devem evitar as vias interpretativas que conduzam a resultados inconstitucionais, que os elementos constitucionais devem ser integrados nos modelos de decisão e, finalmente, que perante uma igualdade de circunstâncias, deve escolher-se, das vias interpretativas em presença, a que melhor se coadune com a mensagem constitucional.

34. Assim, salva-se exclusivamente no caso em apreço a interpretação da lei que obedeça, por um lado, ao princípio da “segurança no emprego”, e, por outro, à melhor solução face às directrizes laborais vertidas na Constituição.

b) O Princípio do “favor laboratoris”

35. O princípio do “favor laboratoris”, ou do “tratamento mais favorável do trabalhador”, desempenha um papel fulcral. E este papel consiste em munir o intérprete de uma presunção fundamental: a presunção de que a norma a interpretar admite especificação para mais, no sentido da maior vantagem para o trabalhador. Ou seja, a presunção de que as normas jurídico-laborais, comportam sempre um limite quanto à protecção mínima do trabalhador e uma possibilidade de especificação para mais. Ora, segundo este entendimento, mesmo aquela norma que se mostra expressamente limitativa – caso da norma contida no art. 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89 – comportará uma especificação para mais, sob pena de preterição do princípio do “favor laboratoris”, enformador de todo o direito laboral.

36. Este princípio desempenha pois uma função de um “prius” relativamente a todo o esforço interpretativo, no sentido de obrigar o intérprete-aplicador a reconduzir a solução do caso concreto à melhor solução para o trabalhador.

O “favor laboratoris” opera simultaneamente como um elemento interpretativo, e como o enquadramento da própria interpretação das normas laborais. Por isso, considerar uma qualquer solução que não seja aquela que proteja o trabalhador, na perspectiva da garantia da sua relação jurídico-laboral, corresponde a grave violação da lei.

A dignidade da pessoa humana, bem como a função económica e social do Direito do Trabalho não se compadecem com interpretações que não sejam aquelas que salvaguardam a posição do trabalhador – parte mais fraca da relação jurídica.

c) O Princípio da “boa-fé”

37. Também o princípio da “boa fé” se reveste de especial importância no âmbito laboral. Tal decorre directamente da própria natureza da relação jurídica em causa que confere maiores poderes ao empregador, em correspondência com maiores sujeições do trabalhador.

Na referida prevalência do empregador não pode incluir-se a criação de “falsas” expectativas jurídicas, nem, por maioria de razão, a criação de factos que venham depois a ser alegados em seu benefício. Tal consubstancia uma clara situação de “venire contra factum proprium”. Por exemplo, é abusiva a actuação do senhorio que, tendo estimulado a instalação de uma indústria doméstica, intenta, com fundamento na presença desta, o despejo (Ac. RL 17-Jul.-1970).

38. Transpondo para o caso “sub judice”, foi a Administração que gerou o facto em análise: a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, ou por via das sucessiva prorrogações, e/ou por via da celebração de contratos com termo fora das situações previstas na lei, por inexistência do preenchimento dos pressupostos materiais. Logo, não pode a Administração utilizar o disposto no já referido art. 43º do Decreto-Lei nº 427/89, para impedir uma consequência (que aliás funciona “ope legis”) de um facto por si criado.

d) O princípio da igualdade

39. O princípio da igualdade constante do art.º 13.º da Constituição postula o tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e um “fundamento material razoável” para a diferenciação dos regimes legais na sua aplicação concreta às várias situações. São directrizes dirigidas, quer ao órgão de aplicação da lei, quer ao legislador.

40. Ora o princípio da igualdade comporta várias aplicações na situação versada nesta recomendação, tanto na perspectiva da entidade patronal como na do trabalhador.

41. Na perspectiva da entidade patronal, não pode admitir-se que, no domínio da legislação semelhante, aplicável a situações semelhantes, o Estado entidade patronal se exima do cumprimento de deveres (nomeadamente a aplicação de normas sancionatórias), que, em situações equiparáveis, exige aos empresários privados.

42. Na perspectiva dos trabalhadores, é também contrário à ordem de valores constitucional que os trabalhadores admitidos pelo Estado no regime geral de trabalho beneficiem de menores garantias do que os trabalhadores em semelhante situação admitidos pelas empresas. Como também ofende o princípio da igualdade que os trabalhadores, a quem deve ser reconhecida a permanência no exercício de funções no regime do contrato individual sem prazo, se mantenham no exercício de funções permanentes com um vínculo diferente do aplicável aos restantes funcionários e agentes do Estado.

43. De tudo o anteriormente exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20º, nº 1, alíneas a) e b) da Lei nº. 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte

RECOMENDAÇÃO:

– Que reconheça aos trabalhadores visados o direito à permanência em funções, desde 31.8.94, no regime do contrato individual sem prazo;

– Que promova, dentro do espírito do sistema, um processo de regularização excepcional para a recondução destas situações ao regime geral da função pública.

44. Solicito a Vossa Excelência que me mantenha informado sobre a sequência dada a esta recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel