Exmo. Senhor
Presidente do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado
Rec. n.º 211A/93
Proc.: R-2305/90
Data: 1993-12-16
Área: A 2
ASSUNTO: HABITAÇÃO – CASA DE FUNÇÃO – CONTRATO DE ARRENDAMENTO – DIREITO À COMPRA.
Sequência: Acatada
1. Em queixa que me foi dirigida, a reclamante informa que é arrendatária de uma casa, sita em Mira-Sintra (Cacém), propriedade que foi do Fundo de Fomento de Habitação (FFH), entretanto extinto (30-Junho-88), e agora é do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), que sucedeu àquele.
A relação contratual de arrendamento teve início em 1-Setembro-77, mas o respectivo título (escrito) só veio a ser elaborado e assinado em 4 de Janeiro de 1985.
2. A arrendatária manifestou desde cedo o seu interesse em adquirir, por compra, a casa em questão o que, aliás, motivou uma resposta do ex-FFH (ofício de 5-Março-79) segundo a qual a satisfação de tal pretensão ficava só a aguardar a promulgação de diploma adequado.
Assim é que, mais tarde, e já no domínio do Decreto-Lei 141/85, de 22 de Abril, (sucessor de outros diplomas versando a mesma matéria) a interessada requereu a aquisição da sua casa, o que foi indeferido pelo agora IGAPHE com fundamento em que:
– a casa em questão é “casa de função” (art.º 9, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei 797/76, de 6 de Novembro);
– a sua alienação a particular é proibida por lei (art.º 3 do Decreto-Lei 141/85, já referido).
3. Ora é precisamente aqui que reside o ponto essencial e único de toda esta questão, ou seja: a casa arrendada à reclamante é ou não “casa de função”?
Desde já se diga que, nos termos da primeira disposição legal citada, “casa de função” é aquela que se destina a “…proporcionar habitação a pessoa cuja fixação na região seja indispensável ao interesse público”.
4. Na prática, o disposto no citado art.º 9, n.º 1 , al. c), do Dec-Lei 797/76, só veio a adquirir estatuto próprio com a publicação do Despacho Normativo n.º 138/78, de 20 de ,Junho, o qual, precisamente em execução daquela disposição legal, definia formas de intervenção do ex-FFH (e outras entidades) na criação de “casas de função”.
No ano seguinte e na sequência deste despacho normativo, veio a ser promulgado o Decreto Regulamentar n.º 56/79, de 22 de Setembro, que trata mais detalhadamente do regime jurídico das “casas de função”. Posteriormente e em execução do disposto no art.° 8 deste Decreto Regulamentar, foi publicado o Despacho Ministerial n.º 80/SEHU/82, de 16 de Dezembro, que aprovou e determinou a minuta de contrato a usar no arrendamento das “casas de função”.
5. Em face e por força dos textos legais acima enunciados, para que haja “casa de função” é necessário:
– acto administrativo, por parte da entidade proprietária, devidamente fundamentado, a atribuir o regime especial de “casa de função”.
– despacho ministerial, a aprovar aquele acto administrativo.
– elaboração de título contratual de arrendamento em conformidade com o texto formulário legal.
6. Ora, no presente caso, verifica-se que nenhuma destas condições ou requisitos foram respeitados e cumpridos, isto é:
– não houve acto administrativo a atribuir a classificação de “casa de função”.
– muito menos houve, lógica e necessariamente, despacho ministerial de aprovação.
– nem tão pouco o título contratual (escrito) de arrendamento, ou qualquer outro documento, respeita a fórmula (minuta) legalmente prescrita (muito pelo contrário).
Não há, pois, no caso em apreço, “casa de função”.
7. Paralelamente, tendo presente os antecedentes “de facto” referentes a este caso, pode também verificar-se que, afinal, nunca o ex-FFH pensou, sequer, em atribuir à interessada uma “casa de função”. Na verdade limitou-se a atribuir-
-lhe uma residência na localidade onde a mesma exercia a sua profissão, coisa que, sendo perfeitamente lógica, nem sequer precisa de ser justificada.
8. De facto:
– a relação contratual de arrendamento, constituída em 1 de Setembro de 1977 é anterior à promulgação dos diplomas que vieram definir o regime jurídico das “casa de função”.
– quando foi elaborado e assinado o título contratual (escrito) de arrendamento, em 4-Janeiro-85, o mesmo não contém a mínima referência, não só de forma mas por qualquer expressão, à minuta aprovada e em vigor por força do citado despacho ministerial n.º 80/SEHU/82.
– o título contratual usado é o de um contrato normal e em que até se faz referência expressa (Cls. IX) ao Decreto-Lei 49033 e Decreto Regulamentar 49034, ambos do ano de 1969 e dos quais nasceu o ex-FFH, e que nada tem que ver com “casa de função”.
Assim, mais uma vez se diga, não há aqui nenhuma possibilidade de classificar a casa em que habita a reclamante como “casa de função”; logo, não é possível aplicar-lhe as restrições que oneram e impedem a venda de tal tipo de casa a particulares.
9. Contra a argumentação e conclusão acima exposta, o IGAPHE deduziu três ordens de argumentos que se pretendem justos e levam a conclusão contrária. Todavia, em boa verdade e salvo sempre o devido respeito, eles não resistem a um exame crítico.
10. Em primeiro lugar invoca-se um documento que contém uma declaração de compromisso, assinado pela interessada e no qual se diz que esta deixará a casa que lhe foi dada de arrendamento quando deixar de exercer a sua profissão na respectiva localidade.
Todavia repare-se:
– trata-se de um documento inidentificado, nomeadamente sem qualquer timbre ou indicação de origem, embora no seu texto haja uma referência a “comunidade local” e “comissão de moradores”.
– é uma simples declaração unilateral que não foi elaborada, nem apresentada, nem exigida nem sequer dirigida ao então FFH.
– quando do primeiro pedido da interessada dirigido ao ex-FFH para adquirir, por compra, a casa em questão, foi a própria “comissão de moradores” que, não fazendo nenhuma oposição a tal pedido, veiculou e apresentou este junto do ex-FFH, que também se não opôs, o que é tanto mais de salientar quanto é certo que, na data daquele oficio (5-Março-79), já estava em vigor o Despacho Normativo n.º 138/78, acima referido.
– por último, e seja qual for o significado que se queira dar a tal documento, a verdade é que ele não contém nem pode conter em si, virtualidade jurídica para se substituir às prescrições legais cujo exacto cumprimento é a forma única, legalmente aceite, para classificar uma casa como “casa de função”.
11. Em segundo lugar, argumentou-se que a atribuição da casa à interessada – a aceitar-se que não se trata de uma “casa de função” – deveria então ter seguido as regras do Decreto Regulamentar n.º 50/77, de 11 de Agosto, o que, no presente caso, não ocorreu.
Este argumento não colhe:
– se, na forma de atribuição da casa, houve “irregularidade”, ela é do ex-FFH, que deve, então, sofrer as respectivas consequências (e não tirar os proveitos que pretende…), e não da interessada e arrendatária que, por isto, não pode ser penalizada.
– contudo o tempo entretanto decorrido, desde 1 de Setembro de 1977, sanou qualquer irregularidade que nem sequer pode ser agora invocada.
– o Decreto Regulamentar n.º 50/77, acima referido, é de 11 de Agosto, pelo que entrou em vigor poucos dias antes do início da relação contratual de arrendamento entre a interessada e o ex-FFH (1 de Setembro de 1977) e na sequência de negociações que são anteriores à entrada em vigor daquele diploma, pelo que não admira que o mesmo não tenha sido aplicado neste caso (o que, aliás, aconteceu com muitos outros casos – mas nem por isso consideradas “casas de função”).
12. Finalmente argumentou-se ainda com um outro caso, alegadamente idêntico ao que aqui nos ocupa, e que foi objecto de acção judicial cuja sentença final deu razão à posição que interessa ao IGAPHE.
Mas a verdade é que não existe identidade entre os dois casos – o judicial e o nosso – uma vez feita a sua análise:
– no caso judicial foi a própria interessada e autora na acção que reconheceu, perante o Tribunal, que a casa questionada era “casa de função”, pelo que nem sequer chega a haver controvérsia sobre este ponto essencial.
– aliás a referida casa foi objecto de um acto administrativo por parte da Câmara Municipal local, que a classificou como “casa de função”, e isto antes de a mesma ter sido dada de arrendamento.
– por último o que motivou, afinal, a decisão útil da sentença em apreço em consequência do que foi negado à autora o direito à aquisição da casa questionada, foi o facto de a mesma já não residir na referida casa.
Ora e ao contrário de tudo o que se acaba de enunciar, no nosso caso, a interessada nunca deixou de residir na casa que lhe foi arrendada; pôs sempre em causa a sua classificação como “casa de função” e nunca a mesma foi objecto, ao menos, de um simples acto administrativo por parte do ex-FFH que a classificasse como tal.
13. Em face do exposto, tenho por bem RECOMENDAR a V.Exa, nos termos do art.º 20.°, n.º 1, al. a) da Lei 9/91 de 9 de Abril, o seguinte:
Que seja reconhecido à interessada a possibilidade de adquirir, por compra, a casa em que tem vindo a residir, como arrendatária, desde 1 de Setembro de 1977, ao abrigo das disposições do Decreto-Lei 141/85, de 22 de Abril, que facultam tal aquisição, nos mesmos termos em que, aliás muito justamente, se tem feito em todos os outros casos semelhantes, sendo certo que a referida casa, nunca tendo sido classificada nem arrendada como “casa de função”, não está sujeita nem pode sofrer as restrições legais que oneram este tipo de casa.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL