Director de Serviços do IRS
Proc.R-665/98
RECOMENDAÇÃO Nº 12/A/99
1999.02.19
Área:A2
Sequência: Parcialmente Acatada
Na sequência de exposição dirigida à Provedoria de Justiça pelo contribuinte supra identificado, apreciou este órgão do Estado, recentemente, o caso que agora trago junto de V. Exª, a quem solicito a melhor colaboração no sentido de concretizar aquela que me parece ser a solução mais justa.
Trata-se da situação de um contribuinte que, na sequência de acordo de regulação do poder paternal, homologado por sentença transitada em julgado em 7 de Dezembro de 1994, ficou obrigado ao pagamento de pensão de alimentos aos filhos menores do casal.
Segundo afirma o interessado, a sua convicção foi sempre de que ficara obrigado ao pagamento de uma pensão no valor de 100.000$00 mensais, com actualizações periódicas anuais, valor que sempre terá pago por transferência bancária, cujos comprovativos informou ter junto às declarações periódicas anuais de IRS, a fim de justificar o abatimento daquele valor nos termos previstos no artigo 55º, nº 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redacção então em vigor.
Na sequência de fiscalização que lhe foi efectuada durante o ano de 1997, foi o Reclamante convidado a apresentar a certidão da sentença homologatória de divórcio, de onde constasse o montante da pensão de alimentos devida.
Obtida a referida certidão, constatou o interessado que da mesma resultava ser a pensão de alimentos no valor de 66.000$00 mensais e não, como sempre julgara, de 100.000$00/mês.
Perante tal documento, considerou a DGCI estar perante uma situação de inexactidão no preenchimento da declaração de IRS do ano de 1996 (era este o ano objecto de fiscalização), pelo que o contribuinte foi convidado a apresentar declaração de substituição da qual constasse o valor de 992.753$00 (66.000$00 x 14 + inflação de 95 e 96), sob pena de ser levantado o respectivo auto de notícia para aplicação de coima – v. doc. nº 1, anexo.
A fim de clarificar a situação, solicitou o interessado novos esclarecimentos ao Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, junto do qual obteve cópia do acordo de regulação do poder paternal e da sentença.
Constatou então, segundo alega, que o texto dactilografado do acordo de regulação do poder paternal continha inscrito o valor de 100.000$00, valor que fora rasurado e substituído por anotação manuscrita que alterou aquele montante para o valor de 66.000$00 que viria a ser considerado, pela DGCI, como o valor real da pensão de alimentos. Para melhor elucidação de V. Exª, junto cópia do documento em causa (doc. nº 2).
Procurando clarificar a questão, solicitou também a Provedoria de Justiça esclarecimentos, quer ao Reclamante, quer ao Tribunal por onde correu o processo.
Não foi possível, porém, obter consenso quanto ao que realmente aconteceu: o Reclamante continua afirmando a sua convicção de que se encontrava obrigado ao pagamento de 100.000$00, alegando em defesa da sua tese o facto de efectivamente ter pago este valor e não o valor mais baixo que agora a DGCI lhe considera para efeitos de abatimento ao rendimento liquido total (66.000$00).
Por outro lado, o Mmº Juiz de Direito que decretou o divórcio esclareceu junto deste órgão do Estado que as rasuras e alterações manuscritas haviam sido efectuadas por si próprio, por ocasião da segunda conferência ocorrida em 24 de Novembro de 1994, data em que teria sido acordado pelas partes que a pensão de alimentos seria antes de 66.000$00.
É neste contexto que me dirijo a V. Exª, não porque a actuação da DGCI tenha sido ilegal ou incorrecta face aos factos então conhecidos, mas porque me parece ser este um caso que justifica uma aplicação algo mais ponderada e flexível do texto legal.
Independentemente do que venha a ser apurado quanto aos exactos termos em que o acordo de regulação do poder paternal foi celebrado, creio que, não havendo dúvidas quanto ao valor efectivamente pago pelo Reclamante, deverá ser este o valor a abater ao seu rendimento.
Não desconheço que, nos termos do disposto no artigo 55º, nº 1, alínea g), do CIRS, na redacção então em vigor, só o valor que o contribuinte está efectivamente obrigado a pagar por força de sentença ou acordo judicialmente homologado, é susceptível de abatimento ao seu rendimento líquido total.
Ainda que tal disposição legal possa gerar injustiças graves (tratando diferentemente aqueles que pagam pensões, consoante o façam de forma voluntária ou porque a isso estão obrigados, com benefício para os segundos e prejuízo manifesto para os primeiros), certo é que, no caso vertente, não é a bondade da disposição legal citada que está em causa mas sim a sua aplicação a um caso em que o interessado afirma ter agido na convicção de estar a dar cumprimento ao normativo legal vigente.
Isto é, não se trata de solicitar à DGCI que considere que o montante de uma pensão paga voluntariamente tenha o mesmo enquadramento que é dispensado às pensões pagas na sequência de sentença ou acordo judicialmente homologado. Por muito justa que esta solução se apresente encontrar-se-ia em manifesta oposição ao regime legal vigente.
O que se pretende no presente caso é, antes, que a DGCI considere como susceptível de abatimento um valor que o interessado pagou convicto de que era esse o valor a cujo pagamento se encontrava obrigado por força de acordo judicialmente homologado.
Saber se esta sua convicção seria razoável e se um eventual erro do interessado, a este respeito, seria desculpável, foi questão que apreciei com particular cuidado, até porque aqui reside, a meu ver, o cerne da questão: entendo que se a convicção de obrigatoriedade de pagamento de um valor e não de outro fosse absolutamente errónea e injustificável, a situação do Reclamante não seria merecedora de tratamento excepcional.
Creio, porém, que existem motivos razoáveis para tal tratamento no presente caso: a existência das rasuras que o Juiz do processo confirmou prova, pelo menos, que a fixação do valor da pensão não foi pacífica e que a discussão do assunto se manteve até à fase final do divórcio.
Tomando por base o pior cenário para o Reclamante, isto é, a versão dos factos narrada pelo Mmº Juiz de Direito que decretou o divórcio, não pode deixar de observar-se que, apesar da clareza e razoabilidade desta versão, é perfeitamente compreensível que os termos do acordo não tenham resultado claros para o Reclamante.
Note-se que, apesar do carácter informal e célere dos processos de divórcio por mútuo consentimento, como foi o caso, situações de algum nervosismo e, consequentemente, de alguma falta de concentração das partes não são raras. Não é por isso, de todo, improvável que o Reclamante se não tenha apercebido dos exactos termos finais do acordo.
Acresce que, tendo o pagamento do valor de 100.000$00/mês sido considerado para efeitos de tributação do agregado familiar que recebe a pensão de alimentos, considerar esse valor como susceptível de abatimento pelo Reclamante permitirá alcançar uma solução mais lógica, coerente e consentânea com a real situação de todos os intervenientes no processo.
Pelo exposto, e sem prejuízo de a DGCI se certificar, em sede de fiscalização, do total efectivamente pago a título de pensão de alimentos nos anos em que esta situação se verificou (a queixa refere-se ao ano de 1996 mas o Reclamante veio recentemente informar que o seu reembolso de IRS de 1997 também se encontra suspenso),
RECOMENDO
1. Que o valor de 100.000$00/mês (x 14 e com actualização de acordo com o índice de inflação) seja considerado susceptível de abatimento ao rendimento líquido global do Reclamante, em sede de IRS, nos anos em que se tenha verificado o seu efectivo pagamento nas condições descritas na presente Recomendação;
2. Que o Reclamante não seja sujeito a qualquer penalização, nomeadamente ao pagamento de coima por preenchimento incorrecto das declarações de IRS dos anos supra mencionados, pelo facto de ter declarado o valor que, segundo afirma, julgava ser o valor da pensão de alimentos a cujo pagamento estava obrigado.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Menéres Pimentel