Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações

Rec. n.º 40/A/00
Proc.:R-2409/98
Data:2000-05-22
Área: A 3

ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE APOSENTAÇÃO – CÂMARA MUNICIPAL – PESSOAL DE GABINETE.

Sequência: Não Acatada

I. Dirijo-me a V. Exa. a respeito da situação de desigualdade que se gerou a propósito do tratamento diferenciado de que foram alvo os membros dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes das câmaras, que se aposentaram antes de 1 de Dezembro de 1996, relativamente aos que se aposentaram depois dessa data.
Na verdade, antes de 1 de Dezembro de 1997, entendia essa Caixa que o pessoal em causa não tinha direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, por considerar que a situação se encontrava abrangida pelo art.º 51.º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, nos termos da qual “a remuneração relevante para o cálculo da pensão do pessoal dos gabinetes dos órgãos de soberania, livremente nomeados e exonerados pelos respectivos titulares, é a que corresponde ao seu lugar de origem”.
O Supremo Tribunal Administrativo vinha, contudo, entendendo que o aludido preceito legal não se aplicava ao pessoal dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes da câmara, crendo, assim, que ao exercício destes cargos correspondia direito a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, sendo, nessa medida, relevante para efeitos de aposentação.
Em face da aludida divergência entenderam esses serviços propor à então Secretária de Estado do Orçamento a adopção da posição do Supremo Tribunal Administrativo, proposta esta que veio a merecer despacho concordante, datado de 13 de Novembro de 1997.

Assim, veio a Caixa proceder à alteração das pensões fixadas até 1 de Dezembro de 1997, tendo procedido à regularização das quotas em dívida relativamente ao tempo de serviço prestado nos gabinetes, desde que o acto que as fixou não tivesse ocorrido há mais de um ano.

II. Ora, como é do conhecimento de V. Exa., foram-me presentes algumas reclamações de ex-membros de gabinetes de apoio pessoal de presidentes de câmara, que se aposentaram antes de 1 de Dezembro de 1996, cujas pensões foram calculadas com base na remuneração correspondente aos cargos de origem na função pública.

Aliás, sobre uma destas situações concretas, a Provedoria de Justiça remeteu a esses Serviços o ofício de 13 de Julho de 1998, o qual, partindo do fundamento que presidiu ao indeferimento da pretensão da reclamante por parte desses Serviços – a impossibilidade de revogar o acto de fixação da pensão da interessada com fundamento em invalidade, em virtude do prazo de recurso contencioso de anulação estar já ultrapassado – se defendeu que este acto, enquanto válido, poderia ser revogado nos termos do art.º 140.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.

Com efeito, nos termos do aludido preceito legal, são revogáveis os actos administrativos válidos, constitutivos de direitos, na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários. É, assim, possível, com base no mérito, revogar o acto que fixou a pensão de aposentação à interessada. Mais se invocou que inexistem razões de mérito que o desaconselhem, pois, na verdade, o interesse público não se opõe, necessariamente ao interesse particular.
Em resposta, veio essa Caixa defender que “a melhor doutrina tem entendido que quando certo acto originariamente revogável passa, por força de uma alteração fáctica ou jurídica, a corresponder a uma exigência legal, não é de admitir a sua revogabilidade. A revogação equivaleria à violação de uma obrigação legal e nessa medida não deve ser permitida.

A validade do acto revogatório deve ser apreciada em face das circunstâncias (fácticas e legais) vigentes no momento da sua emanação. Se, nesse momento, a administração se achar adstrita a obrigação legal de sentido contrário ao da revogação, esta será ilegal. Não padecendo o acto revogado de qualquer ilegalidade, não se vê como possa o autor do acto revogá-lo.
Por um lado, a Caixa não dispõe de poder discricionário, não podendo, por isso, revogar por inconveniência; por outro, estando qualquer ilegalidade de que o acto padecesse, definitiva e irremediavelmente sanada, não pode revogar por ilegalidade”.

Não parece, porém, colher a argumentação apresentada, na medida em que o acto praticado pela Caixa não resultou de imposição legal. Resultou, antes, de uma interpretação desconforme com o fim visado pela norma interpretada.
Aliás, é forçoso que se considere que a interpretação actual da Caixa – no que toca à aposentação do pessoal em causa – é aquela que, unicamente, serve o fim visado pela norma. Com efeito, o sentido a obter da interpretação da lei é um sentido único e, uma vez conhecido, o órgão da administração fica vinculado pelo mesmo.

Assim, em conformidade com a actual interpretação perfilhada pela Caixa, o acto anterior enfermava de ilegalidade e, por essa razão, a Caixa alterou a orientação que vinha seguindo.
Nesta medida, não tem aqui aplicação o disposto no art.º 140.º, n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.
Não se compreende, desta forma, por que razão se afirma que, no momento da emanação do acto revogatório, a Caixa Geral de Aposentações se encontre adstrita à obrigação legal de sentido contrário à da revogação, considerando que as circunstâncias fácticas e jurídicas vigentes no momento do acto de aposentação se mantêm inalteradas até hoje.
Trata-se, antes, de um acto revogável nos termos do n.º 2, alínea a) do preceito referido.

Por outro lado, não colhe, também o fundamento invocado de que a Caixa não dispõe de poder discricionário.
Como refere FREITAS DO AMARAL(1), “hoje, o poder discricionário não é um poder inato, é um poder derivado da lei: só existe quando a lei o confere e na medida que a lei o confere.”
Assim, encontrando-se a almejada revogação permitida pelo art.º 140.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, não se alcança porque não tem a Caixa poder para a realizar. Aliás, sendo essa interpretação a que melhor se coaduna com o interesse público, a Caixa não só tem o poder como o dever de praticar os actos necessários à sua prossecução.
Por essa razão, não se vê motivo que obste a que a doutrina do despacho da Secretária de Estado do Orçamento citado não se estenda às pensões calculadas antes de 1 de Dezembro de 1996.

III. Para além do exposto, a referida revogação justifica-se por a situação actual suscitar sérias dúvidas no que toca ao respeito do princípio da igualdade.
Na verdade, estão aqui em questão as implicações decorrentes do princípio da igualdade no plano da autovinculação da Administração a decisões anteriores, já que o quadro normativo se mantém inalterado após 1996. Será oportuno, neste ponto, atender às considerações de ESTEVES DE OLIVEIRA, COSTA GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM(2) sobre a matéria:
“Para que possa falar-se em regra do precedente, no seio da actividade administrativa, são necessários, na verdade, requisitos positivos e negativos.
Os primeiros consistem na identidade subjectiva – as actuações (precedente e actual) têm que provir do mesmo órgão ou dos seus sucessores legais nessa competência, – na identidade objectiva – os elementos objectivos das duas situações (pressupostos, procedimento e forma) têm que ser similares – e na identidade normativa das situações em apreço, ou seja, na identidade da respectiva disciplina jurídica.
Ao invés, são seus requisitos negativos, o facto de a decisão precedente não ser contrária à densidade actual do respectivo interesse público e de não ser ilegal”.

Ora, na presente situação, sucede que essa Caixa adoptou o entendimento que vinha sendo seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo e às consequências legais dele decorrentes veio conferir efeitos retroactivos.
Na verdade, as pensões de aposentação atribuídas depois de 1 de Dezembro de 1996 foram alteradas.
Atenta a posição adoptada e, em especial, considerando os efeitos retroactivos que lhe foram atribuídos, é imperioso que se estendam esses mesmos efeitos às restantes pensões.

Em face do exposto, RECOMENDO:

a V. Exa. a alteração de todas as pensões de aposentação atribuídas antes de 1 de Janeiro de 1996, do pessoal de apoio aos gabinetes das câmaras municipais, de acordo com a posição acolhida pela Secretária de Estado do Orçamento, em 13 de Novembro de 1997.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
___________________________

(1) In “Direito Administrativo”, vol. II, edição policopiada da Faculdade de Direito de Lisboa, págs. 269 e 270
(2) in “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª Edição, pág.101