Primeiro Ministro

Processo: 545/97
Data: 23.04.1999
Área: A3
Sequência: Não acatada

ASSUNTO: FORÇAS ARMADAS E FORÇAS DE SEGURANÇA – SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO – CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO – DESCONTOS PARA A SEGURANÇA SOCIAL

Excelência,

No ano em que se comemora o 25.º Aniversário da Revolução de 25 de Abril e quando no âmbito da actividade política se tem discutido ultimamente a adopção de determinadas medidas legislativas com intuito de assinalar a efeméride – refiro-me, nomeadamente, ao tão falado “perdão de penas” ou à recente proposta de “amnistia das contra-ordenações”, medidas essas cuja bondade e mérito me abstenho aqui de comentar-, permito-me suscitar a Vossa Excelência a melhor atenção e compreensão para uma questão de justiça social a que as comemorações do aniversário da Revolução não poderão, no meu entender, passar indiferentes.

Reporto-me à situação dos cidadãos que cumpriram o serviço militar obrigatório prestado em condições especiais de dificuldade ou perigo (guerra colonial) e a quem foi reconhecida bonificação de tempo por tal facto. Para efeitos de segurança social, o actual quadro legal reconhece a contagem desse tempo de serviço e das respectivas bonificações para efeitos das pensões de reforma ou de aposentação nas seguintes condições:

1. Para os funcionários e agentes do Estado abrangidos pela Caixa Geral de Aposentações o reconhecimento e contagem desse tempo e das bonificações carece do pagamento de quotas,calculadas de acordo com a remuneração auferida pelo interessado à data do requerimento e com a incidência da taxa em vigor na mesma data (1). Faço notar, porém, que a contagem das bonificações sempre relevaram neste sistema de segurança social, pelo que os beneficiários deste regime sempre tiveram ao seu alcance a possibilidade de requererem tal contagem.

2. Para os trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social (ou pelos regimes contributivos especiais), a relevância dos períodos de serviço militar obrigatório tem sido assegurada desde 1935, de duas formas distintas, consoante se trate de beneficiários que se encontravam abrangidos pela segurança social à data da incorporação para cumprimento do serviço militar obrigatório ou de beneficiários que só posteriormente a essa incorporação foram abrangidos pelos regimes de segurança social: no primeiro caso, os períodos em causa dão lugar ao registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições e, no segundo, tais períodos relevam unicamente para a fixação da taxa global de formação das pensões (2).

De qualquer modo, e ao contrário do que se verificava no âmbito da Caixa Geral de Aposentações, aqueles períodos de serviço militar obrigatório, quando prestados em condições de especial perigosidade, não davam lugar a qualquer bonificação para efeito do cálculo das pensões. Com a publicação do D.L. n.º 311/97, de 13/11, tal situação foi alterada, no sentido de passar a permitir a contagem dessas bonificações mediante requerimento dos beneficiários no activo ou dos pensionistas.

Contudo, não deixou de se exigir, para o efeito, o pagamento das respectivas contribuições, calculadas estas mediante a “…aplicação da taxa de 18% ao valor médio dos últimos 12 meses com registo de remunerações que precedem o da apresentação do requerimento, devidamente actualizadas” (art. 9º).
Faço notar que a taxa estabelecida para o efeito (18%) é manifestamente superior à que é exigida aos beneficiários da CGA (10%) e mesmo injustificadamente superior à dos trabalhadores por conta de outrem (11%). A dívida de contribuições assim calculada poderá atingir valores incomportáveis e, sobretudo se se atender ao débil nível económico da generalidade dos pensionistas e de alguns beneficiários no activo potencialmente interessados na bonificação, concluir-se-á que muitos ficarão irremediavelmente impossibilitados de requerer tal benefício, pois não dispõem de rendimentos suficientes que permitam satisfazer a dívida de contribuições daí resultante.

Acresce que nem sequer se veio permitir a estes pensionistas que acedessem ao benefício imediato da pensão recalculada com a bonificação ao mesmo tempo que procediam ao pagamento fraccionado das contribuições devidas para o efeito, contrariamente ao que sempre se admitiu para os subscritores da Caixa Geral de Aposentações em que se permite, em simultâneo, o desconto de quotas e o benefício da pensão recalculada.

São, assim, duas as desigualdades com que se confrontam os beneficiários dos dois regimes de segurança social:

– a primeira assenta no facto de ser exigido aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que descontem quotas pelo tempo de serviço militar obrigatório (acresce que a taxa de desconto incide sobre o vencimento que o interessado estiver a auferir à data do requerimento e de acordo com a taxa vigente nessa mesma data), o que não se verifica no caso dos beneficiários do regime geral de segurança social, a quem é permitida a contagem desse tempo sem encargos (estes beneficiam, para o efeito, do regime de equivalência à entrada de contribuições) (3);

– a segunda prende-se com o facto de, apesar de ter sido reconhecido recentemente, aos pensionistas e aos beneficiários dos regimes contributivos da segurança social, o direito à contagem das bonificações para efeitos de reforma, o certo é que não se lhes reconheceu a possibilidade de beneficiarem da pensão devidamente recalculada em simultâneo com o desconto das respectivas contribuições, nem se lhes assegurou uma taxa de desconto equivalente à que se verifica na Caixa Geral de Aposentações, nem tão-pouco equivalente à parcela contributiva exigida actualmente aos trabalhadores por conta de outrem.

Excelência,

Mais do que discutir o mérito e a bondade das regra dos dois regimes que, como vimos, tratam diferentemente cidadãos que desempenharam o mesmo tipo de serviço ao Estado, arriscando a vida e comprometendo a saúde, importa apreciar o problema à luz dos princípios da solidariedade e da justiça social que enformam o Estado de Direito democrático e que a Constituição da República consagrou, visando a realização de uma democracia social (arts. 1º e 2º).

Permito-me fazer notar que o serviço militar obrigatório decorre de um imperativo de ordem constitucional e legal. Sempre foi um serviço público encarado como um dever exigível ao cidadão, não lhe sendo reconhecido, por isso, o direito de opção: o cidadão está incontornavelmente vinculado à prestação daquele serviço. Entende-se que assim seja, mesmo numa sociedade democrática.

Contudo, já não parece razoável e justo que, para além da exiguidade do vencimento atribuído durante o período em causa e da perturbação no seu percurso profissional, o cidadão se veja obrigado a pagar qualquer tipo de contribuições ou quotas para a Segurança Social ou para a CGA. O mesmo se diga, por maioria de razão, quanto às bonificações de tempo atribuídas no âmbito da prestação do serviço militar obrigatório (4). O mínimo que a sociedade civil deve a estes cidadãos é o reconhecimento do seu esforço para a causa pública. O mínimo que o Estado deve a estes cidadãos é o de não os prejudicar nos seus direitos e de não os onerar injustificadamente (art. 276º, n.º 7 da CRP) (5).

O actual quadro legal, convenhamos, cria um tratamento socialmente injusto que urge por uma oportuna correcção histórica, de reconhecimento e de gratidão.

Excelência,

Neste ano em que a sociedade portuguesa se orgulha de comemorar o 25.º aniversário da Revolução de Abril e,consequentemente,da restauração da democracia, parece justificar-se uma especial atenção do Governo para todos os cidadãos anónimos que foram e são chamados a prestar o serviço militar obrigatório e, sobretudo, para todos aqueles que, com risco para a própria vida e saúde, o exerceram em zonas de especial perigosidade (caso dos cidadãos chamados a prestar o serviço militar obrigatório na guerra colonial).

Julgo que uma das formas possíveis de recompensar efectivamente o esforço desses cidadãos anónimos será a da adopção de uma medida legislativa que os isente do pagamento de qualquer quota ou contribuição para a Caixa Geral de Aposentações ou para a Segurança Social, quer no que diz respeito ao tempo de serviço militar obrigatório, quer no que concerne às bonificações de tempo, reconhecendo-se-lhes o direito à contagem integral do tempo efectivo e do bonificado para efeitos de aposentação ou reforma.

Em síntese, defendo a adopção de uma medida legislativa que se traduza no reconhecimento geral da contagem desse tempo e das bonificações sem que isso comporte qualquer tipo de encargo (quota ou contribuição) para:

a) os subscritores da CGA que ainda não requereram a contagem do tempo de serviço militar obrigatório e/ou das bonificações, ou que já o tendo requerido, os respectivos processos de liquidação de quotas ainda não estejam concluídos;

b) os beneficiários e pensionistas da Segurança Social que ainda não requereram a contagem das bonificações decorrentes do tempo de serviço militar obrigatório, ou que já o tendo requerido, os respectivos processos de liquidação de contribuições ainda não estejam concluídos.

Faço notar que a sugestão que faço não visa alterar as situações já consolidadas (ou seja,não abrange aqueles que já tenham procedido ao pagamento de quotas ou de contribuições para o efeito), mas aplicar-se-á apenas aos cidadãos que ainda não exerceram o direito à contagem daquele tempo de serviço e/ou das bonificações. Os reflexos em termos financeiros, orçamentais e em termos de procedimentos administrativos, são,por conseguinte,diminutos,sobretudo se tivermos em conta o bem social em causa e as suas repercussões na sociedade civil.

Por fim, permita-se-me realçar-lhe, por um lado, o alcance social que a adopção de uma medida deste tipo teria e, por outro lado, que as comemorações do 25.º Aniversário da Revolução parecem constituir, pelo espírito de solidariedade e de justiça social que também nortearam o eclodir da própria Revolução, o cenário histórico ideal para concretizar tal medida.

Tendo sido recebida resposta desfavorável, insistiu-se através do seguinte ofício.

A
Sua Excelência
o Senhor Primeiro Ministro

R.-545/97
1999.07.28

Assunto: Contagem do tempo de serviço militar obrigatório e das bonificações de tempo por serviço militar prestado em condições especiais de dificuldade ou perigo; adopção de uma medida legislativa que, no âmbito das comemorações do 25.º Aniversário da Revolução do 25 de Abril, assegure a isenção de descontos daquele tipo de contagem de tempo para todos os regimes de segurança social.

Excelência,

Tendo presente o assunto e ofícios supra referenciados, permito-me chamar a especial atenção de Vossa Excelência para o facto de não ter sido dada resposta cabal à exposição-recomendação que tive oportunidade de lhe remeter no âmbito das comemorações do 25.º Aniversário da Revolução do 25 de Abril.

Efectivamente, salvo o devido respeito, o Despacho n.º 373-96-XIII do Senhor Ministro das Finanças, que alegadamente sustenta ainda hoje (volvidos que são três anos) “a posição do Governo sobre a matéria”, não responde cabalmente à questão em apreço.

Não me permito questionar a eventual indisponibilidade do Governo para acolher a proposta formulada na minha referida exposição e que, no digno quadro das comemorações do 25.º Aniversário da Revolução, permitiria ao Governo, com alguma elegância, repor alguma justiça nesta matéria das contribuições para a segurança social relativa ao período do serviço militar obrigatório e das eventuais bonificações dele resultantes.

Permito-me sim questionar a ausência de fundamentos actuais que justifiquem essa mesma indisponibilidade do Governo para resolver esta questão de reconhecida injustiça social. Tanto mais que o problema suscitado na minha exposição apresenta contornos manifestamente diferentes do que aqueles colocados há três anos atrás e que vão para além da própria posição que viesse a ser tomada por Sua Excelência o Ministro das Finanças. Efectivamente, a minha exposição reporta também à situação dos beneficiários do regime geral de Segurança Social, cuja tutela cabe a Sua Excelência o Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

No seu Despacho n.º 373/96-XIII, de 4.09.96, Sua Excelência o Ministro das Finanças reconhecia que o sistema de segurança social assegurado pela Caixa Geral de Aposentações era, então, um “… sistema já hoje fortemente injusto…”. Volvidos três anos seria relevante saber que medidas foram entretanto tomadas para repor alguma justiça no sistema em causa. Do referido Despacho igualmente se colhe: “Como quase sempre sucede no campo das finanças públicas, aqui não existe um ente abstracto ‘Estado’; existem, sim, financiadores e beneficiários, e a avaliação da justiça passa pela avaliação dos respectivos encargos e benefícios”.

Salvo o devido respeito, que é muito, reduzir a justiça a uma lógica estritamente economicista do “deve-haver”, parece-me redutora da função social que, no caso concreto da Caixa Geral de Aposentações, cabe ao Estado assegurar, uma vez que este desde sempre chamou a si a responsabilidade pela existência de um regime próprio e público de segurança social para os seus funcionários e agentes.

Acresce que o Estado, como entidade patronal que é, está, por isso, sujeito a ter que contribuir para o sistema de segurança social. Uma entidade patronal privada contribui para o regime geral de Segurança Social com o equivalente a 23,75% do total das remunerações pagas aos seus trabalhadores e estes, por seu lado, contribuem com 11% da sua remuneração, o que representa um total de 34,75% das remunerações pagas.

Como se sabe, este regime de Segurança Social é público e é administrado sem qualquer intervenção das entidades financiadoras (entidades patronais e trabalhadores), sendo relevante notar que este sistema tem sido confrontado com a imposição de atribuição de prestações de natureza não contributiva (p.e., pensão social), sem as correspondentes transferências do Orçamento de Estado para o orçamento da Segurança Social.

Ora, no caso da função pública, o Estado assume uma quádrupla vertente de intervenção, ou seja, a de entidade patronal (através dos diferentes serviços ou órgãos da Administração Pública), a de entidade financiadora do sistema através de verbas saídas do Orçamento de Estado (sendo que o funcionário é, também, chamado a contribuir), a de entidade gestora, processadora e pagadora das prestações sociais (Caixa Geral de Aposentações) e a de responsável pela política social do país (Governo).

Ora, se o Estado encarna esta quádrupla responsabilidade, não é legítimo que se refugie, sem mais, no beco imutável de um assumido “sistema fortemente injusto” (sem que proceda à sua reforma com a urgência que essa mesma situação de forte injustiça impõe). Nem igualmente se afigura legítimo que se invoque uma lógica economicista das finanças públicas, opondo financiadores a beneficiários e encargos a benefícios, para obstar a qualquer reforma que reponha alguma justiça no sistema. Se o sistema é injusto, ao Estado se deve (por acção ou por omissão), uma vez que é responsável pela política social e orçamental.

É certo que um sistema de segurança social, qualquer que ele seja, tem forçosamente que ter uma lógica de gestão que permita a sua sustentabilidade futura. Contudo, essa lógica de gestão, não pode, nem deve, como Vossa Excelência compreenderá, assentar alicerces sobre a sustentabilidade de um sistema reconhecidamente injusto, fundamentando e comprometendo, sabe-se lá até quando, uma reforma justa do sistema. Há que encontrar soluções que dêem corpo às reformas necessárias. Há que proceder a reformas e, consequentemente, importa tomar decisões que coloquem o regime de segurança social voltado para o cidadão-financiador-beneficiário e não voltado para si próprio.

Acontece que o problema concreto das contribuições relativas ao serviço militar obrigatório e às eventuais bonificações inerentes, constitui um caso gritante de injustiça social, quer na óptica dos financiadores, quer na óptica dos beneficiários do regime. O Estado, que goza da presunção de pessoa de bem, recruta para seu serviço nas Forças Armadas indivíduos para o cumprimento do serviço militar obrigatório. Retira-os muitas vezes do mercado de trabalho, onde auferem pelo menos o salário mínimo nacional, e obriga-os à prestação de serviço militar, atribuindo-lhes uma prestação pecuniária simbólica que não pode ser entendida, sequer, como remuneração.

Não ponho em causa o dever imposto ao cidadão de cumprir este tipo de serviço militar, uma vez que a própria Constituição da República o prevê (cfr. art. 276º). Já se afigura discutível o critério da “remuneração” efectivamente paga e, sobretudo, o problema do enquadramento dos benefícios sociais dos cidadãos relativos a esse período – cfr. art. 276º n.º 7 e art. 59º da CRP e arts. 23º n.º 3 e art. 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos quais resulta que ninguém pode ser prejudicado, maxime, pelo cumprimento do serviço militar obrigatório.

O certo é que aos cidadãos anónimos que cumpriram ou venham a cumprir o serviço militar obrigatório prestaram ou prestarão um serviço meritório à sociedade em prol da sua defesa.

Esta, a sociedade civil, deve-lhes, por isso, reconhecimento e respeito.

O Estado, atentas as suas responsabilidades, deve assumir-se, perante eles, como uma pessoa de bem.

Não parece aceitável que se exija qualquer tipo de esforço contributivo para a segurança social relativo a um período de serviço público obrigatório prestado à comunidade, quando, ainda por cima, o mesmo apenas é simbolicamente remunerado.

Onde está a justiça neste sistema de financiamento do regime? O cidadão anónimo paga com trabalho o serviço obrigatório à comunidade e como contrapartida ainda tem que pagar contribuições para a segurança social sobre valores de remunerações que jamais recebeu.

Sem pretender reiterar os fundamentos que nortearam a minha anterior exposição,permito-me solicitar a Vossa Excelência que,em conformidade com os princípios da justiça e da solidariedade, repondere a decisão tomada sobre o assunto, tendo como especial e incontornável referência o quadro das comemorações do 25º Aniversário da Revolução.

Excelência, considerando que a matéria em causa assume, em meu entender, especial relevância, não deixarei de levar os resultados que vierem a ser alcançados ao conhecimento de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República e de cada um dos Presidentes dos Grupos Parlamentares.

Não tendo sido possível obter uma resposta positiva, foi este assunto exposto à Assembleia da República em 1999.11.09.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) Vd. art. 13º, n.º 3, do D.L. n.º 498/72, de 9/12, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30-C/92, de 28/12.

(2) Vd. art. 24º do D.L. n.º 45266, de 29.09.63, Dec. Reg. n.º 17/81, de 28/4 e, actualmente, art. 36º do D.L. n.º 329/93, de 25/9.

(3) Aliás, sempre defendi que esta situação de incompreensível e injusta diferenciação de tratamento deveria ser alterada, no sentido mais favorável aos interessados, ou seja, de acabar com os encargos relativos a esse tipo de quotas.

(4) Faz-se notar que a bonificação em que se traduz o acréscimo de tempo de serviço militar para efeitos do cálculo da reforma ou da aposentação resulta de um benefício que o Estado, na altura da guerra colonial, entendeu por bem conceder a quem exerceu tal actividade em zonas de especial perigosidade. Tratou-se, afinal, de uma compensação pelo risco e desgaste da guerra concedido ao cidadão chamado a prestar o serviço militar obrigatório nessas condições de reconhecidas dificuldades.

(5) Não posso deixar de evidenciar o facto de a relação jurídica contributiva que existe neste tipo de situação de “serviço militar obrigatório” ser manifestamente anómala. Na realidade, o tempo de serviço militar não reveste qualquer autonomia para, por si só, conferir direito a inscrição na CGA ou na Segurança Social, nem, consequentemente, abre direito a pensão. Por isso, nunca foi permitido que tais cidadãos, enquanto no activo militar, pudessem requerer a contagem desse tempo e o pagamento das inerentes quotas ou contribuições (de acordo com os vencimentos efectivamente auferidos e correspondentes às funções efectivamente desempenhadas).

Contudo, em termos contributivos esse mesmo tempo de serviço já é considerado como tempo “normal” (aliás, com incidência de quotas ou de contribuições manifestamente mais onerosas para os interessados). Nesta relação de serviço público choca a desproporção existente entre cidadão-contribuinte (serviço obrigatório sem qualquer opção, vencimento simbólico, encargos acrescidos com segurança social) e cidadão-beneficiário (reconhecimento do tempo de serviço sob condição de pagamento de quotas ou contribuições agravadas).

Face ao exposto, não chocaria que este tipo de tempo de serviço e de eventuais bonificações fosse totalmente isento de encargos para efeitos de segurança social (aposentação ou reforma). Aliás, uma das características da relação jurídica contributiva é precisamente a da sua “não essencialidade”, pois como refere ILÍDIO DAS NEVES (in “Direito da Segurança Social-Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva”, p. 329), tal significa que “a relação jurídica contributiva não é estritamente necessária para o exercício do direito à segurança social”. Ora, atenta a natureza do serviço público em causa (serviço militar obrigatório e bonificações de tempo pela exercício dessas funções em zonas de risco) e o reconhecimento que se demonstra devido – pela sociedade, em geral, e pelo Estado, em particular – aos cidadãos que a ele foram sujeitos, não chocaria que os encargos decorrentes da contagem desse tempo efectivo e bonificado recaíssem sobre o orçamento do Estado (que desse modo, e a título justificadamente excepcional, financiaria nessa exacta medida ambos os regimes de segurança social mediante transferências para o efeito).