Conselho de Administração da “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”
Rec. nº 138/A/94
Proc.: R-341/94
Data: 1994-09-07
Área: A3
ASSUNTO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EPAL (EMPRESA PORTUGUESA DAS ÁGUAS LIVRES, EP) – RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO – CONDUÇÃO DE ÁGUAS – DEVER DE VIGILÂNCIA – ROTURA DE UMA CONDUTA – ACTIVIDADE PERIGOSA – PRESUNÇÃO DE CULPA PELA PRODUÇÃO DE DANOS DECORRENTES DE ROTURA – INDEMNIZAÇÃO
Sequência: Não Acatada
1. Está pendente na Provedoria de Justiça um processo aberto com base em queixa apresentada pela Reclamante, Sra. Dª. …, em virtude de no dia 7 de Dezembro de 1993, por volta das 13 horas, a sua habitação – cave nº …, na R. … em Lisboa – ter sido inundada por água proveniente de uma conduta quebrada.
2. A “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, alertada pela Reclamante, enviou para o local um piquete que procedeu à interrupção do abastecimento às 13h30m e à reparação da conduta.
3. Essa água, de facto, proveio de uma rotura verificada numa conduta da responsabilidade da “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”.
4. Para minorar os efeitos da rotura, a Reclamante, com o auxilio de familiares e vizinhos, retirou aos baldes a água que havia inundado a sua habitação.
5. Os danos patrimoniais causados na habitação da Reclamante estão avaliados em esc.: 778.244$00 (Setecentos e setenta e oito mil, duzentos e quarenta e quatro escudos).
6. Presentemente, as condições de higiene e conforto da habitação não preservam a intimidade pessoal e privacidade familiar da Reclamante.
7. A Reclamante solicitou à “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.” uma indemnização pelos danos sofridos, que ainda lhe não foi atribuída.
8. A “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, argumenta que o efeito danoso se verificou porque as infiltrações se produziram através das fundações do prédio por não se acharem em conformidade com o disposto nos arts. 29º. e 19º. do R.G.E.U..
9. O prédio onde habita a Reclamante foi construído muito antes de 1930, presumindo-se obviamente que a construção do prédio à data teria sido executada de acordo com os projectos de arquitectura, regras de arte e natural impermeabilização que se impunham legalmente.
10. É pois incorrecto afirmar que as infiltrações se produziram através das fundações do prédio por não se acharem em conformidade com o disposto nos arts. 19º. e 29º. do R.G.E.U. (D.L. nº. 38 382, de 7 de Agosto de 1951), legislação esta inaplicável ao caso. O Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto de 14 de Fevereiro de 1903, esse sim, seria o diploma aplicável.
11. A “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.” é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que tem por objecto a captação, tratamento, adução e distribuição de água para consumo humano e, bem assim, quaisquer outras actividades industriais, comerciais, de investigação ou de prestação de serviços, designadamente respeitantes ao ciclo da água, que sejam complementares daquelas ou com elas relacionadas (Vide o D.L. nº. 230/91 de 21 de Junho).
12. A “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, rege-se pelo D.L. nº. 230/91 de 21 de Junho, pelos seus estatutos, pelas normas de direito privado aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas especiais, cuja aplicação decorra do objecto da sociedade.
13. A situação versada no presente processo é qualificável como acto de gestão privada, pelo que se lhe deve aplicar o regime do Código Civil, sendo o foro competente o dos Tribunais Comuns. É este, aliás, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, como decorre dos Acórdãos de 7 de Maio de 1987 (in C.J., 1987, III Vol. – pág. 80), e também, de 6 de Abril de 1989 (in C.J., 1989, II Vol. – pág. 119).
14. Ora, decorre da legislação especial aplicável, que a “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, deverá vigiar e conservar permanentemente a rede geral de canalizações de distribuição de água nas necessárias condições para assegurar a regularidade, continuidade e eficiência do serviço que presta (cfr. a Portaria nº. 10367, de 14-4-1943, VIII; a Portaria nº. 10716, de 24-7-1944, art. 23º., etc.).
15. A “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, é actualmente a empresa que, no Concelho de Lisboa, tem por objecto a captação, tratamento e distribuição de água para consumo (cfr. D.L. nº. 553-A/74, de 30-10, arts. 1º. e 2º.; D.L. nº. 190/81, de 4-7, art. 8º., nº.3; D.L. nº. 230/91, de 21-6, arts. 1º., 8º., nº.2 e 3º. dos Estatutos aprovados por este decreto-lei).
16. O art. 493º., nº. 1 do C. Civil, contém uma presunção de culpa em relação à responsabilidade de quem detenha coisa móvel ou imóvel, com dever de a vigiar.
17. O art. 493, nº. 2 alarga esta estatuição aos danos derivados de uma actividade perigosa “por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados”, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir (operando uma inversão do ónus da prova – cfr. art. 344, nº. 1 do C. Civil).
18. É pacífico que a “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, exerce uma actividade perigosa e, se tiver causado danos a outrem no exercício dessa actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigada a reparar esses danos.
19. No essencial, esta forma de responsabilidade corresponde ao princípio geral vertido no nº. 1 do art. 483º. do Código Civil.
20. A posição da jurisprudência, cujos Acordãos são referidos no ponto 13., é no sentido de a captação, condução e transporte de água potável ser uma actividade perigosa, ou seja, coisa apta por si mesma a provocar danos a outrem.
21. Essa é também a posição da doutrina citada nos mesmos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente o Prof Vaz Serra (Ac. de 7/5/87) e o Prof. Antunes Varela (Ac. de 6/4/89).
22. A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo. Não subsistem dúvidas de que foi a rotura da conduta que originou a inundação; por sua vez causa dos danos verificados – entre outros, o chão, que apodreceu.
23. Nestes termos e ao abrigo do art. 20º. da Lei nº. 9/91, de 9 de Abril, formulo ao Excelentíssimo Conselho de Administração da “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, a seguinte
RECOMENDAÇÃO:
Seja ponderada a hipótese de a “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, assumir voluntariamente o pagamento dos prejuízos causados na habitação da Reclamante, Sra. Dª. M. …, sita na R. … , em Lisboa.
23. Mais solicito ao Excelentíssimo Conselho de Administração da “EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.”, se digne transmitir-me o seguimento que a presente recomendação vier a merecer.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel
Anexo (no processo da presente recomendação): Orçamento que a Reclamante juntou ao processo comprovativo dos prejuízos causados.