A Sua Excelência

o Primeiro Ministro

Rec. n.º 199A/93
Proc.: R-624/90
Data: 1993-12-06
Área: A 4

ASSUNTO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – ACTO ADMINISTRATIVO – NULIDADE – ACTO CONSEQUENTE.

Sequência: Acatada

Na sequência de uma reclamação apresentada nesta Provedoria de Justiça contra a Administração Pública, em que se suscitava a questão de saber se um acto consequente de um acto administrativo nulo é igualmente nulo, ou antes anulável, tive oportunidade de dirigir à Administração Pública uma Recomendação no sentido de o caso concreto ser revisto com base na argumentação então expendida, em que concluía pela anulabilidade de tais actos sempre que existam contra-interessados com interesse legítimo na sua manutenção.

Nessa argumentação, foi tido em conta o acórdão de 23.07.85, do STA, publicado em Acórdãos Doutrinais, n.º 296-297, pág. 1051, que anulou um acto consequente de um acto inexistente por o mesmo estar viciado de ilegalidade por erro nos pressupostos.

Partindo-se de tal entendimento, e recorrendo a uma interpretação por “maioria de razão”, formulou-se então o seguinte raciocínio:

Se um acto consequente de um acto administrativo inexistente é anulável com base em ilegalidade quando haja interessados na sua manutenção, por maioria de razão o poderá ser um acto nulo.

Também por interpretação do n.º 2, al. i), do art.º 133.º do C.P.A., se chega à mesma conclusão.

Prescreve-se nesse preceito que são nulos:

“Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”.

Logo, apreende-se desta disposição que os actos consequentes de actos administrativos anulados ou revogados podem não ser eliminados desde que haja quem tenha interesse legítimo na sua manutenção.

Trata-se, assim, de admitir, em homenagem a um princípio de justiça, que um acto administrativo erradicado da ordem jurídica nela conserve alguns vestígios.

Face a este regime, entendo que o princípio que o informa legitima que nele se reconheça a seguinte norma implícita:

“Os actos consequentes de actos administrativos nulos são nulos desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na sua manutenção”.

E não se diga, como o fez a Administração, que a conclusão atrás apontada contraria o art.º 134.º, n.º 1, do C.P.A., segundo o qual

“O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”.

Esta posição assenta num erro, qual seja o de conceber um acto consequente de um acto administrativo como efeito desse acto.

O acto consequente, embora pressuponha um acto administrativo anterior, é também ele um acto, ou seja, uma composição de interesses, produto de uma vontade, que não decorre automaticamente daquele acto.

O efeito jurídico de um acto, pelo contrário, traduz-se sempre na criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica, que deriva automaticamente desse acto.

Face ao exposto, impõe-se-me que formule a seguinte RECOMENDAÇÃO:

Que se promova a interpretação autêntica do art.º 133.º, n.º 2, al. i) do C.P.A., de forma a dele se extrair a aplicação do regime que no mesmo se contém aos actos nulos, ou a sua alteração legislativa, sem efeitos retroactivos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL