Ex..mo Senhor
Inspetor-Geral
da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica
Rua Conde de Valbom, n.º 98
1050-070 Lisboa
V.ª Ref.ª
Processo n.º7647/2010
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V.ª Comunicação
Of.1693/2012/CACMEP
30.08.2012
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Nossa Ref.ª
Proc. R-4091/10 (A1)
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Assunto:Campos de férias – fins religiosos
RECOMENDAÇÃO N.º 2/A/2013
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redacção da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
I
QUEIXA
1. Analisei uma queixa apresentada em 17.08.2010, no interesse da associação denominada …, contra a ordem de suspensão das atividades promovidas no denominado «Acampamento…», sito no lugar de …, em 30.07.2010, ao abrigo do disposto no artigo 24.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 163/2009, de 22 de julho) que aprovou o regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de promoção e organização de campos de férias. Já posteriormente, o citado regime jurídico conheceu nova alteração, por via do Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março.
2. A associação mostra-se inconformada com a aplicação às atividades que promove no denominado «Acampamento..»” do disposto no Decreto-Lei n.º 304/2003, por entender que a aplicação se circunscreve a iniciativas com um programa organizado de caráter educativo, cultural, desportivo ou meramente recreativo. Os fins religiosos da iniciativa deveriam, em seu entender, excluir a aplicação dos requisitos próprios da generalidade dos campos de férias.
3. Mais alega na queixa, sem que nada em contrário conste do auto lavrado pelo agente de fiscalização, que no acampamento em questão apenas se pratica a leitura de textos sagrados, a meditação individual ou coletiva, são celebrados serviços religiosos, assiste-se a palestras e a cursos de divulgação da doutrina da confissão evangélica. Por conseguinte, nada que leve a classificar a iniciativa como produto de consumo com cariz educativo, cultural, desportivo ou meramente recreativo – o que determinaria a subsunção ao conceito de campo de férias.
II
INSTRUÇÃO
4. Em cumprimento do disposto no artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, foi promovida a audição prévia da autoridade superiormente representada por V. Ex. ª., perguntando o seguinte:
i) Se pode presumir-se que as iniciativas promovidas por uma pessoa coletiva privada com fins religiosos, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 44.º e 63.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa) representem um produto de grande consumo motivado pelas dificuldades de acompanhamento dos jovens pelas famílias, particularmente durante os períodos das férias escolares?
ii) Uma vez que a realização de iniciativas análogas às que são próprias de campos de férias sem o pertinente licenciamento não foi rejeitada pelo legislador, que previu expressamente, no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 304/2003, exceções justificadas pela natureza da entidade organizadora e pela duração da iniciativa, o que significa não ter sido reconhecido valor imperativo absoluto ao citado regime jurídico, não se admitirão outras exceções, sem embargo das preocupações de segurança e de qualidade?
5. Em 11.02.2011, veio V. Ex. ª. transmitir-nos [1] o seguinte:
i) Confirma ter sido fiscalizado o cumprimento da legislação relativa à organização de campos de férias e instaurado um processo de natureza contraordenacional à Associação …, bem como com a adoção de uma medida de natureza cautelar de suspensão imediata de funcionamento por não ser detentora de licença adequada;
ii) A associação não se mostra excluída, à semelhança de outras entidades públicas e privadas, do cumprimento da lei;
iii) A Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho), ao permitir o exercício do culto e dos ritos, a assistência religiosa e a difusão da confissão professada e do ensino da religião não isenta os representantes de cada pessoa coletiva religiosa do cumprimento de normas específicas que se mostram aplicáveis a todos quanto exercem determinadas atividades, como é o caso da organização de campos de férias;
iv) Não obstante estes acampamentos permitirem o convívio e fomentarem o estudo e a reflexão dos ensinamentos religiosos, o legislador, ao condicionar os campos de férias teve a preocupação e o cuidado de definir as exceções à aplicação daquele regime (Decreto-‑Lei n.º 304/2003): não isentou as entidades que prossigam fins religiosos. E, uma vez que o legislador não as distinguiu de todas as restantes, públicas e privadas, que se mostram obrigadas ao licenciamento, não deverá ser a ASAE a fazer a distinção;
v) A nobreza das atividades desenvolvidas, encaradas sob a perspetiva da fé, não é, porém, suficiente para descaracterizar a necessidade do cumprimento de obrigações legalmente impostas a todos os que, não se encontrando excecionados da aplicação das regras consagradas no Decreto-Lei n.º 304/2003, tanto mais que a versão originária deste diploma sofreu alterações que vieram precisamente salientar, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 163/2009, de 22 de julho, que a
«função fiscalizadora constitui um fator fundamental para garantir a qualidade dos campos de férias, bem como o respeito pelas condições de higiene e salubridade, aspetos que assumem particular relevância ao considerar-se que a participação nos campos de férias envolve predominantemente um segmento de população mais vulnerável aos riscos que dali possam decorrer»;
vi) Não são razões de natureza puramente formal a motivar a atuação prosseguida pela ASAE na fiscalização deste tipo de atividades, nem este organismo deixa de estar sensível ao cumprimento da lei;
vii) O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 304/2003 não inclui as entidades que prosseguem fins religiosos no rol das que se mostram dispensadas do seu cumprimento, não existindo qualquer colisão com o seu direito à liberdade de exercício de culto, antes o complementa;
viii) As instalações e o local inspecionado, que originaram o processo contraordenacional e fundamentaram a adoção da medida cautelar, integram a noção de campo de férias constante da alínea a) do n.º1 do artigo 2.º do citado diploma (Decreto-Lei n.º 304/2003), tanto mais que possuíam, inclusivamente, um regulamento interno e um programa de atividades, em conformidade com o artigo 15.º;
ix) A atuação da ASAE deu origem ao processo NUICO003114/10.5.ECLSB, o qual foi remetido à extinta Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP) em 30.09.2010, a coberto do ofício com a referência S/13759/10/DRLVT, para apreciação e decisão.
6. Foram promovidas várias diligências informais junto da CACMEP a fim de obter informações sobre a apreciação do NUICO003114/10.5.ECLSB, todas infrutíferas.
7. Constatei, em 20.01.2012, não haver sido nomeado, à data, o instrutor do processo contraordenacional, não obstante se encontrar naquela entidade desde, pelo menos, outubro de 2010.
8. Ulteriormente, interpelámos a CACMEP para pronúncia (em 05.03.2012 e 22.05.2012).
9. Em 30.05.2012, a CACMEP deu-nos conta de já ter sido distribuída a preparação de projeto de decisão no Processo n.º 7647/2010, que seria proferido em 06.07.2012 e comunicado a este órgão do Estado, apenas em 31.08.2012[2].
10. Resulta da comunicação remetida pela CACMEP, que as associações de cariz religioso não estão excluídas do âmbito do Decreto-Lei n.º 304/2003.
11. Veio a queixosa a ser condenada, por se ter provado que promovia e realizava iniciativas destinadas exclusivamente a grupos de jovens e crianças, por períodos superiores a cinco dias, com um programa organizado de caráter educativo-religioso, desportivo e recreativo, sem que cumprisse todos os requisitos obrigatórios para o exercício deste tipo de iniciativas.
12. A condenação consistiu em coima no montante de € 1250,00, e no pagamento de €100,00 por custas do processo, por falta de livro de reclamações, facto punível nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-‑Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, constituindo ilícito de mera ordenação social, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, por remissão do artigo 19.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março.
13. Já no que respeitava à falta de licença, determinou a CACMEP o arquivamento dos autos. Com efeito, as alterações legislativas mostravam-se mais favoráveis à arguida, pois a licença dera lugar a uma simples comunicação prévia. A Comissão determinou que se averiguasse se a arguida no âmbito do novo diploma (Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março) já apresentara a necessária comunicação prévia ao Instituto Português da Juventude, I.P.
14. A fundamentação apresentada para tal decisão foi a de que esta seria a melhor forma de conseguir um tratamento unitário de ambas as situações, pelo que, nos processos instaurados à luz da legislação anteriormente em vigor, de acordo com o princípio do tratamento mais favorável para a arguida, com consagração no artigo 3.º, n.º 2, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e posteriores alterações) por entretanto haver sido publicado o Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março, que procedeu à revogação de vários diplomas, entre os quais o Decreto-Lei n.º 304/2003, bastando, agora, às entidades organizadoras uma mera comunicação prévia a efetuar junto do IPJ, I.P., deixando de ser tipificada como comportamento passível de censura, a falta de licenciamento.
15. Por último, quanto à medida cautelar de suspensão da atividade, uma vez determinado o arquivamento dos autos no que respeita à infração por ausência de licenciamento para o exercício da atividade de campo de férias, a mesma caducava, tendo sido proposta a sua revogação, sem prejuízo da necessidade de reavaliação da situação, por parte da autoridade administrativa competente.
16. Em 14.09.2012, veio o mandatário da queixosa informar-nos da intenção de impugnar judicialmente a decisão da CACMEP no âmbito do processo de contraordenação n.º 7647/2010 (que veio a ocorrer em 02.10.2012). Pede-se ao Tribunal que declare a inaplicabilidade do regime legal dos campos de férias à arguida e revogue a aplicação da coima e custas do processo na quantia total de € 1350.
17. Contudo, a minha intervenção não é condicionada pela impugnação judicial (artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril), parecendo-me que, no caso concreto, e a pensar em futuras situações análogas, ela conserva inteira utilidade.
III
DA EXTINÇÃO DA COMISSÃO DE APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA ECONÓMICA E DE PUBLICIDADE
18. Com o Decreto-Lei n.º 126-C/2011, de 29 de dezembro, deu-se a extinção da CACMEP, objeto de fusão, tendo algumas das suas competências transitado para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e outras, no domínio da publicidade, transitado para a Direção‑Geral do Consumidor, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 3, alínea g), do citado diploma legal.
19. Dispõe-se no artigo 41.º que as referências legais feitas aos organismos e estruturas objeto de extinção, fusão ou restruturação, mencionados no artigo 40.º, se consideram feitas aos serviços e organismos que passam a integrar as respetivas atribuições.
20. Como tal, a ASAE, enquanto serviço da administração central direta do Estado, sucedeu nas atribuições da CACMEP no domínio da economia, de acordo com o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto, que aprovou a orgânica da ASAE e revogou o Decreto-Lei n.º143/2007, de 27 de abril (aprovou a orgânica da CACMEP).
IV
QUESTÃO PRÉVIA
21. O regime jurídico de acesso e exercício da atividade de organização de campos de férias, que se achava em vigor à data dos factos, e que motivaram a condenação por parte da extinta CACMEP (proferida em 06.07.2012), foi o aprovado pelo Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 109/2005, de 8 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 163/2009, de 22 de julho).
22. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março, revogou do Decreto-‑Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro conforme resulta do artigo 27.º.
23. Sem prejuízo da invocação pela CAMEP, para efeitos da fundamentação da decisão de arquivamento – vide ponto 12 – do princípio do tratamento mais favorável para a arguida, deverá, em obediência ao princípio tempus regit actum, a legalidade do ato administrativo aferir-se pela realidade fática existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor[3], o Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro.
V
APRECIAÇÃO
24. Na apreciação da procedência da queixa importa refletir sobre a natureza da iniciativa prosseguida pela associação religiosa no referido acampamento.
25. Os argumentos da ASAE e da extinta CACMEP, não logram provar que a atividade desenvolvida pela Associação… corresponda à promoção e organização de campos de férias.
26. A associação queixosa é uma pessoa coletiva privada, com fins religiosos e filiada na Aliança Evangélica Portuguesa, pessoa coletiva religiosa com o estatuto de radicação, tendo por objeto:[4]
a) Prestar culto a Deus, segundo os ensinamentos da Bíblia Sagrada;
b) Difundir o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela pregação pública e exercício de todos os meios ao seu alcance, nomeadamente pela difusão da Bíblia Sagrada, publicação e distribuição de livros, jornais, folhetos, e uso de quaisquer outros meios de comunicação social;
c) Proclamar e praticar os princípios bíblico-evangélicos por quaisquer meios;
d) Atingir a população jovem com a mensagem salvadora de Jesus Cristo;
e) Promover, pela partilha do Evangelho, a recuperação da vida dos jovens em
risco;
f) Dar formação académica básica a ministros do culto;
g) Enviar e sustentar missionários.
27. Resulta do exposto, um objeto social eminentemente religioso e, nessa medida, por normas de Direito Internacional vinculativas do Estado Português, como por normas de direito interno, a começar pela Constituição da República Portuguesa, designadamente o disposto no artigo 41.º e pela Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, Lei da Liberdade Religiosa.
28. A minha primeira reserva é suscitada por dúvidas de razoabilidade e surge do confronto entre os requisitos de um campo de férias e as características de um campo de fins religiosos.
29. Parece excessivo e porventura restritivo da liberdade religiosa obrigar o promotor:
a. A apresentar um cronograma descritivo das atividades (artigo 12.º, n.º 2, alínea a));
b. A identificar o pessoal técnico (alínea b));
c. A instruir e manter disponível um ficheiro atualizado com o projeto pedagógico e de animação (artigo 12.º, n.º 4, alínea b)), a ficha sanitária individual (alínea h)), a identificação do pessoal técnico, documentos comprovativos das respetivas qualificações e declaração que confirma a aptidão física e psíquica para o desempenho das funções;
d. A dispor de um regulamento interno (artigo 13.º, n.º 1);
e. A expor um programa pedagógico e de animação com «os princípios, valores, objetivos e estratégias educativas e pedagógicas» (artigo 13.º, n.º 2, alínea a))», com descrição da «metodologia da avaliação a efetuar em cada campo» (alínea b)), a indicar «as ações previstas e a ponderar em relação à seleção, recrutamento e formação complementar do pessoal técnico»;
f. A dispor de um coordenador e de monitores técnicos, cujos requisitos e certificação hão de constar de portaria (artigo 14.º);
g. A possuir um livro de reclamações (artigo 19.º).
30. Neste passo, pondero, assumir especial relevância o teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 304/2003, que enuncia ter a regulamentação dos campos de férias sido motivada pelo aumento do número de iniciativas dessa natureza e de entidades exploradoras, reconduzindo essa tendência a alterações nos planos social e familiar identificadas como causa próxima das dificuldades de acompanhamento dos jovens pelas famílias, particularmente durante os períodos das férias escolares.
31. Prossegue o citado preâmbulo, evidenciando que os campos de férias perderam o cariz essencialmente assistencial que ostentavam no passado, tornando-se um produto de grande consumo, com um leque variado de atividades, entre as quais se contam algumas com risco acrescido para a segurança dos jovens.
32. Quer isto dizer que o legislador distingue entre os campos de férias de natureza assistencial e o fenómeno recente da oferta comercial de campos de férias com fins lucrativos.
33. Ora, as iniciativas promovidas por uma pessoa coletiva privada com fins religiosos, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 44.º e 63.º da Lei da Liberdade Religiosa, não devem ser consideradas um produto de grande consumo.
34. Ao contrário do que vem alegado por V. Ex. ª., o acampamento em questão tem propósitos doutrinários como objetivo determinante: leitura de textos sagrados; meditação; celebrações religiosas; frequência de palestras e cursos confessionais.
35. Ainda que essas atividades sejam complementadas por momentos de lazer, indispensáveis a um convívio saudável entre os participantes, afigura-se serem insuficientes para levar à classificação da iniciativa como produto de consumo com cariz educativo, cultural, desportivo ou meramente recreativo – o que determinaria a subsunção ao conceito de campo de férias.
36. Importa ainda considerar o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Liberdade Religiosa, que atribui natureza religiosa, entre outros, aos fins de exercício do culto e dos ritos, de assistência religiosa, de difusão da confissão professada e do ensino da religião.
37. Acresce que a associação queixosa se encontra federada na Aliança Evangélica Portuguesa: uma pessoa coletiva religiosa com o estatuto qualificado de radicação, estabelecendo-se no artigo 23.º da citada lei que as pessoas coletivas religiosas – entre as quais se conta a referida a Aliança Evangélica Portuguesa –
«são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros: (…) b) Estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos; c) Ensinar na forma e pelas pessoas por si autorizadas a doutrina da confissão professada; (…) i) Fundar seminários ou quaisquer outros estabelecimentos de formação ou cultura religiosa.»
38. É certo que não se ignora a possibilidade de as igrejas, confissões e demais comunidades religiosas prosseguirem fins não religiosos, entre os quais comerciais e de lucro, compatíveis com a sua personalidade jurídica, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, alínea b), e 44.º da Lei da Liberdade Religiosa, não sendo de excluir sequer o exercício da atividade de promoção e organização de campos de férias.
39. Sucede, porém, que a natureza dos fins primeiramente prosseguidos pelas pessoas coletivas religiosas parece aconselhar especial cautela, podendo justificar-se nesta sede a existência de uma presunção negativa, carecida de indícios desfavoráveis para admitir a aplicação do Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro, na redação atual.
40. Nesse caso, só a verificação concretadas características das iniciativas promovidas poderá dar a conhecer se se tratar, ou não, de campos de férias, para efeito da aplicação do respetivo regime jurídico.
41. Sendo comprovada a prossecução de atividades com natureza eminentemente educativa, cultural, desportiva ou recreativa, encontrar-se-ão reunidas as condições para impor a observância dos requisitos formais e de funcionamento legalmente estabelecidos – mas só nesses casos, por estarmos perante uma atividade sem fins religiosos e, por esse motivo, não se encontrar a coberto da proteção dispensada pelo artigo 41.º, n.º 1, da Constituição.
42. O que não foi, nem é, o caso.
43. Importa sublinhar que a realização de iniciativas análogas às que são próprias de campos de férias sem o pertinente licenciamento, agora apenas registo prévio no IPJ, I.P.-Decreto-Lei n.º 32/2011, de 07 de março – não foi rejeitada pelo legislador, que previu expressamente, no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 304/2003 bem como, no artigo 3.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 32/2011, exceções justificadas pela natureza da entidade organizadora e pela duração da iniciativa, o que significa não ter sido reconhecido valor imperativo absoluto ao citado regime jurídico, sendo de admitir exceções, apesar da relevância dos objetivos prosseguidos pela regulamentação deste tipo de atividade.
44. É o caso, nomeadamente, das atividades de competição desportiva organizadas pelos clubes, associações e federações das respetivas modalidades (artigo 2.º, n.º 1, alínea b)) e as atividades das associações de escuteiros e guias, «salvo quando organizem atividades que expressamente se enquadrem no exercício da atividade de organização de campos de férias».
45. Ora, justamente, não é de presumir, à semelhança do estatuto dos escuteiros e guias, que as reuniões de crianças e jovens e seu alojamento da iniciativa de pessoas coletivas religiosas inscritas representem atividades enquadradas no conceito de atividade de organização de campos de férias.
46. De resto, o próprio conceito não inclui os fins religiosos, pois no enunciado da definição legal apenas se referem finalidades de caráter educativo, cultural, desportivo ou meramente recreativo (artigo 1.º, n.º 2, alínea a)).
47. Por tudo isso, mostra-se inválida decisão da extinta CACMEP que condenou Associação… no pagamento de coima no montante de € 1250 e de €100 por custas do processo, falta de livro de reclamações, facto punível nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, constituindo contraordenação nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, por remissão do artigo 19.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 32/2011, de 7 de março, por falta de fundamento legal, por a atividade desenvolvida nos campos de férias estar excluída do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 304/2003, de 9 de dezembro.
VII
CONCLUSÃO
Assim, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face das motivações precedentemente apresentadas, recomendo a V. Ex. ª que:
1) Revogue a decisão de condenação proferida em 06/07/2012 no âmbito do processo contraordenacional n.º 7647/2010, que correu termos na extinta Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro e Lei n.º 109/2005, de 24 de dezembro, que define e regula o Regime Geral das Contraordenações);
2) E que, na eventualidade de os autos terem sido remetidos ao Ministério Público, providencie, junto do mesmo, por que seja desistido o recurso, nos termos do disposto no artigo 71.º do Regime Geral das Contraordenações.
Dignar-se-á V. Ex. ª comunicar-me, nos próximos 60 dias, para cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Alfredo José de Sousa
[1] Ofício GAJS/22525/11/SC, de 11.02.2011.
[2] Ofício n.º 1693/2012/CACMEP.
[3]Acordão STA, 2.ª sub do CA, de 20.09.2011, proc. 414/10;Acordão STA, 2.ª sub do CA, de 12.05.2010, proc. 1259/09; Acordão STA, 2.ª sub do CA, de 25.03.2009, proc. 648/08; Acordão STA, 1.ª sub do CA, de 14.02.2008, proc. 629/07; Acordão STA, 1.ª sub do CA, de 08.11.2007, proc. 160/07; Acordão STA, 1.ª sub do CA, de 03.03.2005, proc. 498/04.
[4] Artigo 4.º dos Estatutos da Associação Palavra da Vida.