RECOMENDAÇÃO N.º 14/A/2006
[art. 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
Entidade visada: Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento
Proc.º: R-1020/06
Data: 24.10.2006
Área: A3
Assunto: Restituição de quotas pela Caixa Geral de Aposentações.
– Enunciado –
1. Foi apresentada neste órgão do Estado uma exposição subscrita pela Senhora D. xxx, subscritora da Caixa Geral de Aposentações (CGA), com o nº 1112585, relativa ao indeferimento, por despacho da Direcção desta Caixa, de 10.04.2006, do seu pedido de restituição de quotas, no período compreendido entre Fevereiro de 1996 e Novembro de 2002.
2. De acordo com aquela exposição, a reclamante esteve a descontar por dois cargos, em simultâneo, para a Caixa Geral de Aposentações, entre Fevereiro de 1996 e Março de 2003, em virtude de ter exercido, em regime de acumulação, funções em duas entidades diferentes: a Universidade Lusíada e a Câmara Municipal de Odivelas.
Alega a reclamante que, em Março de 2003, quando teve conhecimento de que estava a descontar quotas indevidamente pelas duas entidades, cessou de imediato os descontos em acumulação, tendo passado a descontar para a Caixa Geral de Aposentações apenas sobre o vencimento auferido na Câmara Municipal de Odivelas.
Mais alega que, nessa mesma data, foi informada pela Universidade Lusíada de que tinha direito à restituição das quotas indevidamente pagas.
Por requerimento datado de 24.11.2005, a reclamante solicitou à CGA a restituição das quotas que descontou indevidamente ao longo de todo o período supra referido, tendo, em 6.12.2005, a Universidade Lusíada formulado pedido no mesmo sentido e com o mesmo fundamento.
Em resposta àquele pedido, a Caixa apenas decidiu restituir à Universidade Lusíada o montante correspondente às quotas descontadas entre 1.12.2002 e 31.03.2003, acrescidas de juros, tendo indeferido a restituição daquelas que também foram indevidamente pagas, mas que respeitavam a um período anterior, situação esta que a reclamante contesta.
– Apreciação –
3. A deliberação da CGA acha-se sustentada na fundamentação constante do Parecer nº 236/2006, do Gabinete Jurídico, elaborado em 7.04.2006, cuja cópia foi remetida aos serviços que dirijo para análise e que me permito juntar, em anexo, para integral conhecimento de V. Exa..
Analisado o respectivo teor, não posso concordar, de forma alguma, com o entendimento nele perfilhado e nomeadamente com a interpretação que ali é feita do disposto no artigo 21º, nº 3 do Estatuto da Aposentação.
Com efeito, defende-se naquele parecer que a reclamante apenas tem direito à restituição das quotas que haja pago indevidamente nos três anos que antecederam a data do seu requerimento. Para chegar a esta conclusão, presumiu-se naquele parecer que a interessada tomou conhecimento da irregularidade da cobrança de quotas à medida que as ia descontando, pelo que se decidiu fixar a data do requerimento da reclamante como data de referência para início da contagem retroactiva do prazo de três anos em que a mesma teria direito a ver restituídas as quotas indevidamente cobradas.
4. Por se entender que esta argumentação não encontra qualquer suporte nem na letra, nem no espírito da lei, os meus serviços solicitaram à CGA, em 22 de Agosto de 2006, a reapreciação e revisão do processo em análise com base na seguinte argumentação:
4.1. Em primeiro lugar, o que se estabelece no nº 3 do artigo 21º do Estatuto da Aposentação, é um prazo de prescrição da possibilidade de exercício do direito à restituição. Quer isto significar que, nos termos daquele dispositivo legal, o direito de reclamar a restituição das quotas indevidamente pagas à CGA extingue-se, no prazo de três anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento desse direito.
Daí que, uma vez exercido o direito dentro do prazo legalmente estabelecido, a interessada tenha direito a ver restituídas todas as quantias indevidamente cobradas, ainda que o tenham sido há mais de três anos.
A tese formulada no parecer do gabinete jurídico da CGA levaria, em última análise, a que, caso o interessado exercesse o direito à restituição no último dia do prazo de três anos previsto na norma em análise, só teria direito a receber as quotas indevidamente cobradas correspondentes a um dia ou, mesmo, a nenhum dia, caso estas quantias tivessem sido cobradas há mais de três anos.
4.2. Em segundo lugar, o prazo de prescrição previsto naquele preceito conta-se a partir da data em que a interessada teve conhecimento do direito à restituição e não, como se defende no parecer do gabinete jurídico daquela Caixa, da data em que a interessada teve conhecimento de que a cobrança era indevida (data esta que a Caixa presumiu ser a que se verificava à medida que as quotas iam sendo descontadas pela interessada).
Com efeito, cumpre esclarecer que, contrariamente ao que ali é defendido, o conhecimento do direito à restituição das quotas indevidamente cobradas – aquele a que se refere o nº 3 do artigo 21º do Estatuto da Aposentação – é diferente do conhecimento da irregularidade da cobrança. Este último momento não é, pois, relevante para a questão em análise.
Já a data do requerimento apresentado pela interessada ou, mais correctamente, a do requerimento formulado no mesmo sentido pela Universidade a pedir a restituição das quotas indevidamente cobradas (24.11.2005 ou 6.12.2005, respectivamente) releva, esta sim, para a contagem do prazo de prescrição do exercício do direito (o qual teve início a partir do conhecimento pela mesma de que tinha direito à restituição, o que ocorreu em Março de 2003, como se viu), mas já não para delimitação da data a partir da qual seria devida a restituição.
4.3. Em terceiro lugar, porque a não devolução de todas as quotas indevidamente pagas pela reclamante caracteriza uma situação de enriquecimento sem causa por parte da CGA, para a qual não posso deixar de chamar a especial atenção de V. Exa..
5. Não obstante a argumentação aduzida, o Director Central da CGA respondeu aos serviços que dirijo, através do ofício nº 2742, de 12.09.06, de que igualmente junto cópia, decidindo manter o despacho de indeferimento do pedido de restituição de quotas, “com fundamento no artigo 21º do Estatuto da Aposentação, na interpretação constante do parecer nº 236/2006, a qual, há muito tem vindo a ser adoptada por esta Caixa em casos similares”.
6. Ora, salvo o devido respeito, a interpretação do preceito em causa força-me a alcançar solução diversa e, nessa medida, não posso deixar de insistir para que a situação que nos ocupa seja tratada dentro da legalidade e da justiça.
Assim e para além de reiterar o teor integral da argumentação já supra expendida para demonstrar que a posição defendida no parecer da Caixa Geral de Aposentações não colhe, permito-me ainda acrescentar o seguinte:
Conforme bem refere o Juíz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, José Cândido de Pinho (1), “a prescrição do direito à restituição ocorre no prazo de três anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do direito (nº3), o que equivale ao disposto no Código Civil para a prescrição do direito à restituição por enriquecimento (art.482º)”. Dispõe, por sua vez, este preceito que “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”. |
Uma leitura atenta deste normativo, permite-me concluir que são aqui estabelecidos dois prazos de prescrição: o primeiro de três anos, a contar do momento em que o credor tenha conhecimento do direito que lhe assiste e da pessoa do responsável; e outro, o ordinário, a contar do momento em que a restituição pode ser exigida, ou seja, do momento em que se verificou o enriquecimento propriamente dito.
Quer isto significar que o legislador quis atribuir, de forma expressa, relevância ao momento em que o credor tem conhecimento do direito à restituição, estabelecendo a partir de então um prazo reduzido, de três anos, para que o mesmo possa exercer ou não o direito que lhe assiste. Porém, por razões de estabilidade e segurança jurídica, determinou que tal conhecimento não pode ocorrer para além do prazo ordinário de prescrição, ou seja, de 20 anos, a contar do momento em que a restituição pode ser exigida.
Daí decorre, naturalmente, que sendo o direito do credor exercido dentro do prazo de três anos a contar da data do conhecimento do direito à restituição – desde que este conhecimento tenha lugar, obviamente, antes de decorrido o prazo de prescrição ordinária do facto que originou o enriquecimento -, assiste ao mesmo o direito de lhe serem restituídas todas as quantias de que se viu empobrecido e não apenas aquelas de que se viu privado nos três anos anteriores ao momento em que exerceu o direito que lhe cabia.
É, pois, também nesta linha de pensamento que deve ser interpretado o nº 3 do artigo 21º do Estatuto das Aposentação, pois só este entendimento encontra eco na letra e no espírito da lei, pelo que, atentas as circunstâncias expostas, concluo no sentido de que se impõe a revisão do processo da reclamante à luz dos princípios da proporcionalidade, da boa fé e da justiça, que vinculam a Administração Pública no desenvolvimento da respectiva actividade.
7. Em face de todo o exposto, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR a V. Exa.
que se digne formular uma orientação interpretativa a ser seguida pela Caixa Geral de Aposentações, enquanto serviço da administração estadual indirecta do Estado, sob a superintendência dessa Secretaria de Estado, no sentido de ser feita uma adequada e correcta interpretação do nº 3 do artigo 21º do Estatuto da Aposentação, que permita a todos aqueles que exerçam, dentro do prazo nele estabelecido, o direito à restituição das quantias indevidamente cobradas, serem reembolsados destas quantias pela sua totalidade e não apenas das que se reportam aos três anos que antecedem o exercício do direito. |
Queira V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no artº 38º, nº 2, da Lei nº 9/91, de 9/04 (Estatuto do Provedor de Justiça), dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.
O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues
Nota de rodapé:
(1) In anotação (nota 5) ao artigo 21º do Estatuto da Aposentação, pág. 71, Ed. Almedina.
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