RECOMENDAÇÃO N.º 9/A/2007
[art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91 de 9 de Abril]




Entidade visada
:
Presidente da Junta de Freguesia da Ericeira
Proc.º: R-2941/07
Área: A6
Data: 15-10-2007


Assunto: Atestado de residência. Emissão.



1. Tendo presente o teor dos esclarecimentos telefonicamente prestados por V.ª Ex.ª, relacionados com o assunto acima mais bem identificado, cumpre, a propósito dos mesmos, tecer as seguintes considerações.


2. Afirma V.ª Ex.ª que, no que se reporta à emissão, pelos serviços da Junta de Freguesia da Ericeira, de atestados de residência a favor de cidadãos estrangeiros, é usualmente solicitada fotocópia do passaporte na titularidade daqueles, assim como o preenchimento de requerimento, em uso nessa autarquia local.


3. Requerimento esse que, ainda de acordo com os dados disponibilizados por V.ª Ex.ª, será instruído com contrato de compra e venda de imóvel destinado a habitação própria, ou declaração subscrita por senhorio (eventualmente acompanhada por recibos relacionados com o consumo de água e de electricidade no local da residência), assim como declaração emitida pela entidade patronal do cidadão requerente.


4. Mais informa V.ª Ex.ª que tais procedimentos, considerados necessários para a emissão da documentação em apreço, poderão ser complementados, na prova dos factos alegados, por declarações a prestar por 2 testemunhas, nos moldes legalmente previstos, assim como, eventualmente, pela apresentação de documento emitido pelas entidades públicas portuguesas, nos termos do qual se ateste a residência do seu titular na freguesia da Ericeira.


5. No tocante a esta matéria, estabelece o artigo 34.º, n.º 6, alínea p), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção a este dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, a propósito da definição do quadro de competências das autarquias locais, assim como do regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, competir à junta de freguesia “passar atestados nos termos da lei”. Assim, determina o artigo 34.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, na redacção a este dada pelo Decreto-Lei n.º 29/2000, de 13 de Março, que veio a estabelecer os princípios gerais de acção a que devem obedecer os serviços e organismos da Administração Pública na sua actuação face ao cidadão, que “os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos (…) devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do respectivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento directo dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou, ainda, mediante declaração do próprio”. (sublinhados meus).


6. Mais prescreve o mesmo preceito, desta feita no seu n.º 4, que “as falsas declarações” prestadas nesta matéria “são punidas nos termos da lei penal”.


7. Resulta assim de uma análise sistemática do quadro legal vigente, enformador desta matéria, que sendo as juntas de freguesia competentes para a emissão de atestados de residência, nos moldes vertidos nas disposições acima citadas, não se afigura legítima a recusa do exercício daquela competência, com base na não apresentação de alguns dos elementos documentais actualmente exigidos, em concreto, pelos serviços dirigidos por V.ª Ex.ª.


8. Na verdade, sendo desejável, tanto do ponto de vista do interesse público presente na adequada regulação de fluxos migratórios e permanência de cidadãos estrangeiros no nosso país, como da perspectiva da adequada salvaguarda dos interesses daqueles, a promoção da sua regularização (para a qual contribuirá a emissão da documentação em apreço), é absolutamente incompetente esse órgão para a prossecução destes fins, que cabem exclusivamente ao Estado.


9. Em bom rigor, a intervenção que as autarquias locais são chamadas a desempenhar nesta matéria assenta, única e exclusivamente, na capacidade, àquelas legalmente reconhecida, de atestar factos e não situações jurídicas (como a da regularidade da permanência em Portugal).


10. Importa não esquecer que, nas situações em apreço, trata-se, tão somente, de praticar acto que, definido nos seus exactos termos na legislação acima compulsada, se assume como meramente instrumental, na sua função declarativa, na salvaguarda dos interesses e direitos legal e constitucionalmente reconhecidos também aos cidadãos estrangeiros, e que, necessariamente, importa acautelar.


11. Por esta razão, não se conforma a legislação em vigor nesta matéria, com a imposição de condições extravagantes face às por aquela acolhidas, uma vez que a mesma exige, tão somente, como condição para a emissão de atestados, a verificação de qualquer uma das circunstâncias que a seguir se enunciam:



a) conhecimento directo dos factos a atestar, por parte de algum dos membros do executivo ou da assembleia de freguesia;
b) testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou
c) declaração do requerente.


12. Nestes dois últimos casos, importa ter presente o facto de o legislador ter estabelecido, como atrás se referiu, mecanismo de salvaguarda da legalidade dos procedimentos a adoptar pelas Juntas de Freguesia, ao determinar que as falsas declarações fazem incorrer o seu autor em responsabilidade criminal.


13. Por outro lado, e sem prejuízo da validade da argumentação jurídica aduzida nos termos que antecedem, importa não esquecer que o carácter taxativo e cumulativo dos documentos a apresentar perante essa Junta de Freguesia, encontra barreiras decorrentes da realidade não raras vezes protagonizada pela população imigrante residente em Portugal.


14. Na verdade, grassa, de forma censurável, no mercado laboral e habitacional das comunidades estrangeiras radicadas em território nacional, actividade económica paralela, tendente a evitar a assunção, por parte de alguns dos seus intervenientes, das responsabilidades legais que sobre os mesmos impendem neste domínio.


15. Assim sendo, será de supor que, nos casos de arrendamento urbano não declarado, ou de actividade profissional irregular, os requerentes se debatam com dificuldades acrescidas, decorrentes da não colaboração dos senhorios, ou das entidades patronais, na subscrição das declarações exigidas por essa Junta de Freguesia.


16. Tal facto, associado à importância de que se reveste, no processo de regularização da permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, a apresentação de atestado de residência, a emitir nos moldes legalmente exigidos e acima apontados, determinará a potencial viciação dos circuitos vivenciais dos requerentes, uma vez que, ao não verem emitido, a seu favor, o atestado de residência solicitado, não dispõem de forma válida de quebrar a lógica de clandestinidade a que se encontram votados.


17. Assim sendo, e tendo presente o teor do disposto no artigo 34.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, na redacção a este dada pelo Decreto-Lei n.º 29/2000, de 13 de Março, concluo pela necessidade de revisão e consequente alteração da prática declarada por V.ª Ex.ª neste domínio, que indicia mesmo foros discriminatórios passíveis de censura face ao princípio constitucional da igualdade.



Deste modo, entendo por bem recomendar, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que





sejam alterados os procedimentos conducentes à emissão de atestado de residência a favor de cidadãos estrangeiros residentes na freguesia da Ericeira, na estrita observância do regime legal em vigor nesta matéria.








Muito agradeço a V.ª Ex.ª que queira comunicar-me qual a posição adoptada pela Junta de Freguesia da Ericeira face à presente Recomendação, nos termos do art.º 38.º da mesma Lei.



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues