A Sua Excelência a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território Rua de ‘O Século’, 51 1200-433 LISBOA V.ª Ref.ª V.ª Comunicação Nossa Ref.ªProc. P-03/08 (A1)02/08/2010 Assunto: programa RECRIA RECOMENDAÇÃO N.º 6/B/2010 (artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril) I EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS 1. Justifica-se a minha intervenção junto de Vossa Excelência, com a presente Recomendação, depois de me ser dado observar que os proprietários de edificações urbanas destinadas à habitação, uma vez obtido apoio à sua recuperação, ficam para sempre privados de novo acesso ao denominado programa RECRIA, disciplinado pelo Decreto?Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro. Isto, porque nunca o legislador estipulou um termo, muito embora o dever de conservação se renove em cada oito anos (artigo 89.º n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação). 2. Houve ocasião de proceder à audição do antecessor de Vossa Excelência, que incumbiu S.Ex.a. o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, por meio do ofício n.º 1887, de 29/9/2009, de me transmitir que a questão suscitada teria de ser analisada no quadro da proposta de «de um novo regime de apoio financeiro do Estado à reabilitação de edifícios, a que se conferiu genericamente a designação de PRO REABILITA, resultante da revisão e articulação de vários programas financeiros em vigor». 3. A limitação encontra-se, concretamente, no artigo 3.º, n.º 4, do citado Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro (programa RECRIA) ao dispor que os incentivos não podem ser concedidos aos proprietários ou senhorios por mais de uma vez para o mesmo edifício – sem prejuízo da excepção que a norma enuncia. 4. Considerando que o programa RECRIA foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/88, de 14 de Janeiro – entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 197/92, de 22 de Setembro – vigorando presentemente ao abrigo do Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro, pareceu-me avisado conhecer o exacto motivo pelo qual se impede, por via de lei, que a situações de real insuficiência económica dos proprietários de fogos arrendados para fins habitacionais carecidos de trabalhos de conservação sejam negados apoios, com fundamento na atribuição de comparticipação em data que pode remontar há vinte anos atrás. 5. E se restassem dúvidas interpretativas, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão tirado em 23.11.2005, na 1.ª Subsecção do Contencioso Administrativo (proc.º 484/05), entendeu que a condição enunciada no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro, aplica-se a comparticipações atribuídas durante a vigência de diplomas anteriores; no caso concreto, tratava-se de apoio concedido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 197/92, de 22 de Setembro. 6. A situação de degradação do património habitacional edificado, a par da subsistência de múltiplos contratos de arrendamento anteriores ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e por isso insusceptíveis de beneficiar de outros instrumentos de política habitacional criados, como forma de incentivo à recuperação dos locados e à manutenção de condições indispensáveis para a efectiva concretização dos direitos consagrados no artigo 65.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, da Constituição, afigura-se-me reforçada pela falta de iniciativa neste domínio. 7. Remonta a 2004 o anteprojecto de decreto-lei que criaria o REABILITA (Reg. 08/2004-MCALHDR), e que se propunha reunir os diversos programas de apoio e incentivo a acções de conservação e recuperação do património habitacional edificado. Desde então, não se conhecem iniciativas semelhantes, não obstante os esclarecimentos prestados a este órgão do Estado, no âmbito da instrução do processo P-03/08, pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, se revelarem esclarecedores, dando conta de uma tendência de aumento do número de candidaturas ao abrigo do programa RECRIA. 8. Tal como comecei por expor a Vossa Excelência, transmitira-me o então Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades não ter sido possível dar corpo a uma solução consolidada para a questão suscitada a respeito do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro, tendo protelado a tomada de posição do XVII Governo Constitucional para o momento da conclusão da proposta de um novo regime destinado a condensar os diversos programas de apoio à reabilitação, que haveria de denominar-se PRO REABILITA. 9. Reconhecendo a complexidade da tarefa em mãos, entendi conceder um alargado prazo para a ponderação das alternativas possíveis, sem que até ao momento me tenham sido prestadas as informações então anunciadas pelo Senhor Secretário de Estado. 10. Perpetua-se, assim, uma realidade que se traduz na renovada degradação dos imóveis objecto de recuperação, os quais se mostram carecidos de nova intervenção, em parte por não existir possibilidade legal de proceder à actualização de rendas em termos que viabilizem a actuação dos proprietários de fogos arrendados para fins habitacionais, a que não é alheia a conduta do Estado em matéria de regulação do arrendamento urbano. II CONCLUSÕES 1. A instituição do programa RECRIA pretendeu oferecer resposta a uma necessidade evidente: impedir a degradação do património edificado, provocada pela omissão do dever conservação que aos proprietários incumbe, em parte devido ao congelamento das rendas de fogos para habitação, conforme é sobejamente reconhecido. 2. Sucessivamente renovado por diferentes diplomas legais, o programa RECRIA manteve o objectivo inicial, de tal forma que a jurisprudência não hesitou em interpretar o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro, no sentido de impedir a comparticipação de obras em imóveis que hajam beneficiado de apoios na vigência de diplomas expressamente revogados, por haver o legislador mantido a designação “RECRIA” em todos eles. 3. Abstendo-se de levar a cabo a longamente anunciada a reestruturação do sistema de incentivos à recuperação do património habitacional em arrendamento, o Estado perpetua uma situação para a qual contribuiu através do congelamento do valor das rendas, a que acresce mostrar- -se impedida a comparticipação de obras em qualquer imóvel que haja beneficiado de apoios desde a criação, no ano de 1988, do programa RECRIA, independentemente da natureza e do âmbito dos trabalhos realizados e presentemente necessários, bem como das condições de vida dos arrendatários. Assim, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente apresentadas, RECOMENDO ao Governo que pondere: A) Proceder à interpretação autêntica do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro, restringindo a sua aplicação, pelo menos, às situações em que as obras comparticipadas foram promovidas após a entrada em vigor do mesmo diploma legal; e B) Reconhecer a prioridade da reconversão dos programas de apoio a obras de recuperação de fogos arrendados, dando conhecimento a este órgão do Estado da situação presente das iniciativas correntes e das soluções em ponderação. Dignar-se-á Vossa Excelência comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), a sequência que a presente Recomendação vier a merecer. Queira aceitar, Senhora Ministra, os meus melhores cumprimentos, O PROVEDOR DE JUSTIÇA, (Alfredo José de Sousa)