Parecer
Processo: R-1489/04 (A3)
Assessor: Fátima Monteiro Martins
Assunto: Tempo de serviço prestado na Administração Pública da República Portuguesa e na Administração Pública do Território de Macau – Pensão de aposentação – Ex-subscritor da Caixa Geral de Aposentações – Repartição de encargos entre a Caixa e o Fundo de Pensões de Macau
1. O interessado veio solicitar a intervenção do Provedor de Justiça junto da Caixa Geral de Aposentações, por entender que esta deveria ser responsável pela parte dos encargos com a sua pensão de aposentação, a atribuir pelo Fundo de Pensões de Macau, relativamente ao seu tempo de serviço prestado nos quadros da República Portuguesa.
2. Segundo a factualidade apresentada, o interessado prestou serviço em Portugal nos quadros da Administração Pública da República, tendo posteriormente passado a prestar serviço na Administração Pública do Território de Macau nos termos do artigo 69.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau.
3. Em 1988, a seu requerimento e ao abrigo do artigo 69.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau, foi transferido para os quadros da Administração Pública do Território (e inscrito então no Fundo de Pensões de Macau), tendo continuado a integrar esses quadros após a transferência de soberania de Macau para a República Popular da China em 20.12.1999.
4. Pretendendo aposentar-se, foi informado pelo Fundo de Pensões de Macau que o seu tempo de serviço prestado na função pública em Portugal iria ser contado para efeitos de aposentação por aquele Fundo, mas não iria ter relevância para o cálculo da pensão, que é baseada exclusivamente no tempo de serviço prestado em serviços públicos do Território.
5. Tendo reclamado junto da Caixa Geral de Aposentações para que esta assumisse a responsabilidade pela parte da pensão de aposentação relativamente ao tempo de serviço prestado nos quadros da República Portuguesa, para tanto invocando o disposto nos artigos 19.º e 63.º do Estatuto da Aposentação e a Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China, verdadeiro instrumento de direito internacional que vincula o Estado Português, entendeu a Caixa não ser responsável, por ter deixado de vigorar o Estatuto Orgânico de Macau e não ter sido celebrado qualquer convénio ou protocolo que garantisse a continuação das relações financeiras para o efeito com a actual Administração do Território.
6. Apreciada a questão à luz da legislação aplicável ao caso, concluiu o Provedor de Justiça pela falta de fundamento da pretensão manifestada pelo interessado, tendo em consideração a situação fáctica resultante da sua situação concreta.
7. Assim, antes da transferência do exercício da soberania sobre Macau para o Governo da República Popular da China, ocorrida em 20.12.1999, Macau era um território sob administração portuguesa e constituía uma pessoa colectiva de direito público interno, que se regia pelo seu Estatuto próprio, o Estatuto Orgânico de Macau, constante da Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro (1).
8. De acordo com a versão inicial deste Estatuto Orgânico, previa o seu artigo 69.º (2):
“Artigo 69.º
1. O pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania da República poderá, a seu requerimento ou com sua anuência e com autorização do respectivo Ministro e concordância do Governador, prestar serviço por tempo determinado no território de Macau, contando-se, para todos os efeitos legais, como efectivo serviço no seu quadro e categoria, o tempo de serviço prestado nessa situação.
2. O pessoal referido no número anterior, a seu requerimento e obtida a concordância do respectivo Ministro, poderá transitar para os quadros do território de Macau, competindo ao Governador a sua nomeação para os novos quadros.
3. O pessoal do Ministério da Cooperação poderá, por solicitação do Governo de Macau e mediante despacho do respectivo Ministro, prestar serviço no território de Macau, em regime de comissão de serviço, ordinária ou eventual.”
8. Foi nos termos do disposto no número 1 deste (então) artigo 69.º do Estatuto Orgânico de Macau que o interessado, funcionário dos quadros da Administração Pública Portuguesa, iniciou a sua prestação de serviços na Administração Pública do território de Macau.
9. Como resulta do mesmo preceito legal, o interessado continuava integrado no pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania da República, contando o tempo de serviço prestado no território de Macau como efectivo serviço no seu quadro e categoria de origem.
10. Em 1986, o Decreto-Lei n.º 205/86, de 28 de Julho, veio definir o regime de aposentação, sobrevivência e assistência na doença do pessoal dos quadros dos órgãos de soberania da República a prestar serviço no território de Macau, para tanto tendo estabelecido, designadamente, que:
a) os subscritores da CGA a prestar serviço naquele território ao abrigo do n.º 1 do artigo 69.º do Estatuto Orgânico de Macau ficavam abrangidos pelo n.º 3 do artigo 11.º do Estatuto da Aposentação (artigo 1.º, n.º1);
b) os encargos com a aposentação desses subscritores eram da responsabilidade do território de Macau em relação a todo o tempo de serviço que lhe tivesse sido prestado, nos termos dos artigos 19.º e 63.º do Estatuto da Aposentação (artigo 4.º, n.º 2).
11. O artigo 11.º do Estatuto da Aposentação previa o seguinte, na sua versão original:
“Artigo 11.º
(Comissão e serviço militar)
1. O subscritor que, a título temporário e com prejuízo do exercício do seu cargo, passe a prestar serviço militar ou a exercer, em regime de comissão ou requisição previsto na lei, funções remuneradas por qualquer das entidades referidas no artigo 25.º, descontará quota sobre a remuneração correspondente à nova situação.
2. Salvo o caso de serviço militar, o montante da quota não poderá ser inferior ao que seria devido pelo exercício, durante o mesmo tempo, do cargo pelo qual o subscritor estiver inscrito na Caixa.
3. Quando o serviço for prestado nos termos do n.º 1 a entidades diversas das que no mesmo número se referem, a quota continuará a incidir sobre a remuneração correspondente ao cargo pelo qual o subscritor estiver inscrito na Caixa.”
12. Por sua vez, os artigos 19.º e 63.º do Estatuto da Aposentação estabelecem o seguinte:
“Artigo 19.º
(Parte devida a outras entidades)
As quotas e indemnizações relativas a tempo de serviço arrecadar levadas em conta na atribuição dos encargos responsáveis, nos termos do artigo 63.º pela aposentação pertencem às mesmas entidades, sendo as que a Caixa arrecadar levadas em conta na atribuição dos encargos respectivos, incluindo os mencionados no n.º 7 do artigo 63.º”
“Artigo 63.º
(Atribuição dos encargos da aposentação)
1. As autarquias locais e outras entidades responsáveis pela aposentação do seu pessoal suportarão, nos termos e dentro dos limites da legislação respectiva, e proporcionalmente ao tempo em relação ao qual essa responsabilidade exista, os encargos com as pensões de aposentação abonadas pela Caixa.
2. Passam a ser inteiramente responsáveis pelos encargos com a aposentação do seu pessoal subscritor da Caixa, em relação a todo o tempo de serviço que lhes tenha sido prestado, os seguintes serviços e entidades:
a) Os que a lei qualifique de empresas públicas;
b) As províncias ultramarinas;
c) As Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto e os respectivos Serviços Municipalizados;
d) A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
e) Os demais serviços ou entidades, dotados de receitas próprias e que reúnam condições para suportar o encargo, a indicar em resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças.
3. A responsabilidade dos serviços e entidades mencionados nos números anteriores compreende o encargo pela aposentação do pessoal que neles se encontre em regime previsto nos artigos 11.º, 12.º e 14.º
4. O encargo, com a parte da pensão a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 53.º, é suportado pela respectiva instituição de previdência.
5. Os encargos referidos nos números anteriores serão pagos à Caixa até ao fim do mês seguinte àquele a que a pensão respeita.
6. A responsabilidade prevista neste artigo não prejudica a obrigação de pagamento pelo subscritor de quotas e indemnizações devidas nos termos do presente Estatuto.
7. Os encargos com as pensões de aposentação pelo ultramar do pessoal que tenha sido subscritor da Caixa são suportados por esta e pelos serviços e entidades referidos nos n.os 1, 2 e 4, em função do tempo de serviço respectivo, competindo à Caixa, quando tiver arrecadado as quotas correspondentes, a transferência para os serviços ultramarinos das importâncias destinadas a satisfazer esses encargos.”
13. Verifica-se, no entanto, que estes preceitos eram aplicáveis apenas e só à situação dos subscritores da CGA que se encontravam a prestar serviço no território de Macau ao abrigo do referido n.º 1 do artigo 69.º do EOM, como resulta do Decreto-Lei n.º 205/86, de 28 de Julho.
14. E verifica-se, igualmente, que aquando da aprovação desse diploma, era nessa situação que se encontrava o interessado, sendo-lhe portanto, então, ainda aplicável o regime nele estabelecido.
15. Porém, em 1988, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 2 do EOM, o interessado foi transferido para os quadros da Administração Pública do território de Macau, tendo deixado de pertencer aos quadros da República.
16. Entretanto, em 1987, fora aprovada a Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Macau, da qual resultou, designadamente, que as leis vigentes manter-se-ão basicamente inalteradas em Macau, após a transferência do exercício da soberania no território em 20.12.1999.
17. No Anexo I a esta Declaração Conjunta, do qual consta o “Esclarecimento do Governo da República Popular da China sobre as políticas fundamentais respeitantes a Macau”, ficou, em particular, clarificado na parte III que “após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-ão, salvo no que contrariar o disposto na Lei Básica ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau“.
18. Mais foi esclarecido na parte VI que “após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.“
19. Na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, adoptada posteriormente em 31.03.1993, a Declaração Conjunta foi respeitada quanto a estas matérias, uma vez que nela ficaram estabelecidas aquelas garantias, respectivamente nos seus artigos 8.º e 98.º:
“Artigo 8.º
As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau.”
“Artigo 98.º
À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.
Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”
20. Com a transferência da soberania de Macau para a República Popular da China em 20.12.1999, a Lei de Reunificação confirmou, designadamente, a Lei Básica e a legislação previamente vigente em Macau que não a contrariasse, e adoptou o princípio geral de continuidade da Administração Pública, com a manutenção dos vínculos dos funcionários e agentes (artigos 2.º, 3.º e 5.º da Lei n.º 1/1999, de 20.12.1999).
21. A situação do interessado, de funcionário da Administração Pública do território de Macau desde 1988, manteve-se, pois, com o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, assim como o seu direito à pensão de aposentação nessa qualidade, não obstante a transferência de soberania ocorrida em 20.12.1999.
22. Assiste-lhe, por conseguinte, o direito a que lhe seja paga uma pensão de aposentação em condições não menos favoráveis do que as anteriores a essa data, tendo em consideração a garantia que neste sentido foi assegurada pela Lei Básica e a manutenção da vigência da legislação previamente em vigor no território de Macau.
23. Entendia, no entanto, o interessado que, por esse motivo, lhe deveria ser paga uma pensão de aposentação com divisão de encargos entre o Fundo de Pensões de Macau e a Caixa Geral de Aposentações, sendo o primeiro responsável pela parte da pensão relativa ao tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau e a segunda pela parte correspondente ao serviço militar e ao tempo de serviço prestado nos quadros da República.
24. De facto, era sua convicção ser este o procedimento vigente antes da transferência do exercício de soberania no território de Macau na atribuição e pagamento das pensões de aposentação de quem se encontrasse em situação similar à sua, razão pela qual, por força do disposto no Estatuto de Aposentação e no Decreto-Lei n.º 205/86, de 28 de Julho, na Declaração Conjunta, na Constituição da República Portuguesa e na legislação actualmente vigente no território de Macau, lhe teria de ser aplicável o mesmo regime.
25. Ora, se em 1988 o interessado foi integrado nos quadros da Administração Pública do território de Macau, por ter transitado para os mesmos nos termos do artigo 69.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau, importa apreciar quais eram as condições em que os trabalhadores da Administração Pública do território se aposentavam antes de 20.12.1999, e se havia divisão de encargos com as pensões de aposentação dos mesmos por parte do Fundo de Pensões de Macau e da CGA, nos casos similares ao seu.
26. Para uma melhor compreensão da legislação em vigor, nesta matéria, em Macau em 19.12.1999, há que fazer uma breve retrospectiva das condições de aposentação dos trabalhadores da Administração Pública do território desde que o interessado passou a integrar os quadros da mesma.
27. Em 1988, encontrava-se ainda em vigor o Decreto-Lei n.º 115/85/M, de 28 de Dezembro, que aprovou o Estatuto da Aposentação e Sobrevivência dos funcionários e agentes dos serviços públicos do território, e estabeleceu nos seus artigos 5.º e 7.º, no que releva para a presente exposição:
“Artigo 5.º
(Tempo de serviço)
1. Para efeitos de aposentação conta-se todo o tempo de serviço em relação ao qual o funcionário ou agente tenha satisfeito os encargos respectivos, com as excepções decorrentes dos números seguintes. (…)
3. O tempo de serviço público prestado em Portugal ou na antiga administração ultramarina deixa de ser contado em Macau para efeitos de aposentação, mantendo-se contudo a actual situação dos funcionários e agentes que, tendo prestado serviço público em Portugal ou na antiga administração ultramarina, estejam na data da entrada em vigor deste diploma, a satisfazer os encargos para a compensação de aposentação. (…)
Artigo 7.º
(Pensão de aposentação)
(…)
3. Concorrendo tempo de serviço pelo qual o funcionário ou agente tenha descontado para outra instituição de previdência, fora do Território, a pensão assegurada por este último será calculada exclusivamente em função do tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau. (…)”
28. Com este diploma, o tempo de serviço de Portugal deixou de ser contado em Macau, tendo sido garantidos, no entanto, os direitos adquiridos dos funcionários que se encontrassem a satisfazer os encargos para a compensação de aposentação à data da entrada em vigor do diploma, ou seja, 01.01.1986.
29. Deste modo, quando o interessado transitou para os quadros da Administração Pública do Território de Macau, foram as disposições deste diploma, que se encontravam em vigor relativamente à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, que lhe passaram a ser aplicáveis.
30. Posteriormente, em 1989, foi aprovado o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, o qual, com as alterações entretanto introduzidas por diversos outros diplomas, esteve em vigor até à data da transferência de soberania em Macau, e se mantém em vigor desde então no Território.
31. Na secção V do referido diploma, epigrafada “Aposentação e prémio de antiguidade“, estabelece o artigo 20.º sobre a “Salvaguarda de direitos“, no seu n.º 4, que “o tempo de serviço prestado em serviço público de Portugal ou da antiga administração ultramarina é contado para efeitos de aposentação, pensão de sobrevivência e antiguidade, desde que o trabalhador se encontrasse a exercer funções em 1 de Janeiro de 1986“.
32. No próprio Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, que faz parte integrante do Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, prevê, por sua vez, o artigo 264.º, n.º 3: “Concorrendo tempo de serviço pelo qual o funcionário ou agente tenha descontado para outra instituição de previdência, fora de Macau, a pensão assegurada pelo Território é calculada exclusivamente em função do tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau.”
33. Destas disposições conclui-se, por conseguinte, que já antes da transferência da soberania de Macau para a República Popular da China, a pensão de aposentação era calculada e paga aos funcionários da Administração Pública de Macau em função exclusivamente do tempo de serviço prestado em serviços públicos do Território.
34. E já nessa altura não podia haver qualquer repartição de encargos entre o Fundo de Pensões de Macau e a CGA relativamente à responsabilidade pelo pagamento da pensão aos mesmos funcionários, uma vez que não foi aprovado qualquer diploma que vinculasse a Caixa nesse sentido e estabelecesse, nesses casos, a forma de repartição dos encargos.
35. Defendeu o interessado que essa repartição existia por força do princípio da participação nos encargos da pensão, estabelecido nos artigos 19.º e 63.º do Estatuto da Aposentação, e que portanto a mesma deveria ser-lhe aplicável por força da Declaração Conjunta, que determinou a manutenção do direito à aposentação em condições não menos favoráveis das existentes antes de 20.12.1999.
36. Ora, os artigos 19.º e 63.º do Estatuto da Aposentação apenas eram aplicáveis aos funcionários dos quadros dos órgãos de soberania (ou das autarquias) da República que se encontrassem a exercer as suas funções em Macau nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1 (depois renumerado para 66.º, n.º 1) do Estatuto Orgânico de Macau, por força do Decreto-Lei n.º 205/86, de 28 de Julho.
37. Desde 1988 que o interessado, no entanto, não é funcionário dos quadros da República, mas sim dos quadros da Administração Pública de Macau, pelo que, não tendo acedido à pensão de aposentação enquanto se encontrava nessa situação, deixaram de lhe ser aplicáveis aquelas disposições já nessa altura.
38. E não tendo sido, até 20.12.1999, aprovado qualquer diploma que viesse contrariar as disposições então vigentes, e estabelecer a possibilidade de atribuição de uma pensão de aposentação “unificada” por parte da CGA e do Fundo de Pensões de Macau aos funcionários da Administração Pública do território de Macau, com especificação da forma de repartição de encargos nesses casos, não pode vir reclamar-se a aplicação de um regime que não se encontrava então vigente e que não pode, portanto, estar agora garantido por força da Declaração Conjunta.
39. Foi ainda invocado pelo interessado que a pretendida repartição de encargos seria obrigatória pelo facto de o pagamento de pensões em separado ser inconstitucional face ao disposto no n.º 4 do artigo 63.º da nossa Constituição.
40. Esta disposição constitucional não estabelece, no entanto, qualquer proibição de pagamento de pensões em separado.
41. Repare-se na sua letra: “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado“.
42. Assim, muito embora nesta norma constitucional esteja consagrado o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, como entendem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ou o princípio da articulação de tempos de trabalho e de regimes, como refere Ilídio das Neves, o certo é que esses princípios são orientadores, e a expressão “nos termos da lei” salvaguarda sempre que esse aproveitamento ou articulação têm de estar, em cada caso, previstos em diploma legislativo adequado.
43. É o que acontece, por exemplo, no regime da pensão unificada estabelecido no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro, que veio admitir a possibilidade de atribuição de forma unificada das pensões atribuídas pelo regime geral da segurança social e pela Caixa Geral de Aposentações. Veja-se, de qualquer forma, que o regime foi estabelecido como uma possibilidade legal, tendo sempre de ser expressamente requerido pelo interessado que as pensões sejam atribuídas unificadamente; quando não, as mesmas são-no em separado.
44. Na questão concreta em apreço, não existe, no entanto, qualquer diploma legal que preveja a repartição de encargos entre a CGA e o Fundo de Pensões de Macau relativamente às pensões de aposentação de funcionários da Administração Pública da actual Região Administrativa Especial de Macau, ou que o fizesse antes de 20.12.1999, relativamente às pensões de aposentação de funcionários da Administração Pública do então território de Macau sob administração portuguesa, razão pela qual não pôde reconhecer-se razão à pretensão formulada.
45. De qualquer forma, o tempo de serviço relativamente ao qual o interessado descontou para a Caixa Geral de Aposentações não vai deixar de poder ser considerado para efeitos da protecção social adequada nos termos que se encontram legalmente estabelecidos, uma vez que, apresentando mais de cinco anos de serviço, a qualidade de ex-subscritor da Caixa Geral de Aposentações (situação em que se encontra já desde 1988) não extingue o seu direito de requerer a aposentação.
46. Nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação, a aposentação pode ser requerida pelos antigos subscritores que tenham mais de cinco anos de serviço nos casos previstos no n.º 1 e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 37.º do mesmo Estatuto, ou seja:
– artigo 37.º, n.º 1: quando contar, pelo menos, 60 anos de idade e 36 de serviço;
– artigo 37.º, n.º 2, alínea a): quando seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções;
– artigo 37.º, n.º 2, alínea b): quando atinja o limite de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções, ou seja, os 70 anos, de acordo com o disposto no Decreto n.º 16563, de 2 de Março de 1929.
47. Por outro lado, o regime da pensão unificada estabelecido no já citado Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro, permite a totalização dos períodos de pagamento de contribuições e de quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações.
48. Deste modo, desde que apresente também períodos com registos contributivos no regime geral da segurança social portuguesa, anteriores ou posteriores aos períodos com descontos efectuados para a Caixa Geral de Aposentações, é possível um eventual acesso à pensão de velhice ou de aposentação, no âmbito do primeiro regime ou do regime de protecção social da função pública, consoante o aplicável à situação, desde que estejam preenchidas todas as condições legalmente estabelecidas para a atribuição da prestação que estiver em causa.
Com base no exposto, concluiu-se não haver motivo para uma intervenção junto da Caixa Geral de Aposentações, por falta de fundamento da pretensão do interessado, razão pela qual o processo foi arquivado.
(1) O Estatuto Orgânico de Macau, aprovado pela Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, foi alterado sucessivamente pela Lei n.º 53/79, de 14 de Setembro, pela Lei n.º 13/90, de 10 de Maio e pela Lei n.º 23-A/96, de 29 de Julho.
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(2) O artigo 69.º do Estatuto Orgânico de Macau foi objecto de alteração com a Lei n.º 13/90, de 10 de Maio, tendo os seus números 1 e 2 sido substituídos e o seu número 3 eliminado, nos termos seguintes:
“1. O pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da República poderá, a seu requerimento ou com sua anuência e com autorização do respectivo ministro ou do órgão competente e concordância do governador, prestar serviço por tempo determinado ao território de Macau, contando-se, para todos os efeitos legais, como efectivo serviço no seu quadro e categoria o tempo de serviço prestado nessa situação.
2. O pessoal referido no número anterior poderá, a seu requerimento e obtida autorização do respectivo ministro ou do órgão competente, transitar para os quadros do território, competindo ao governador a sua nomeação para os novos quadros.”
Com a Lei n.º 23-A/96, de 29 de Julho, o mesmo preceito legal foi objecto de renumeração, tendo passado a constituir o artigo 66.º do Estatuto Orgânico de Macau.
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