PARECER


Entidade visada: Secretário de Estado da Administração Pública
Proc.º: P-12/05
Área: A1


Assunto: Modelo do livro de reclamações – autarquias locais.


I


1. Tenho a honra de me dirigir a V.Ex.a. a fim de expor algumas considerações sobre aspectos que tenho por menos claros na aplicação da disciplina jurídica contida no Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril e na Portaria n.º 355/97, de 28 de Maio, no que se refere, muito em particular, à adequação do modelo do livro de reclamações perante as especificidades da estrutura orgânica dos municípios e freguesias e a autonomia administrativa do poder local.



2. Na sequência da instrução de alguns processos organizados com base em queixas apresentadas a este órgão do Estado por falta de livro de reclamações em alguns serviços da Administração Autónoma, pude constatar a falta de norma habilitante que expressamente aplique aos serviços dos municípios e das freguesias a garantia do livro de reclamações contida nos diplomas citados, seja quanto à tramitação das reclamações seja quanto ao modelo de livro aprovado.


II


3. Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 189/96, de 31 de Outubro foi instituída a necessidade de todos os serviços e organismos da Administração Pública adoptarem o denominado Livro de Reclamações, a partir de 1.01.1997, nos locais de atendimento de público (n.º 3 da Resolução), necessidade que se estendeu a todos os serviços da administração central, regional e local, bem como aos serviços públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos, por força das disposições conjugadas dos artigos 1º, n.º 2 e 38º, ambos do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril.



4. O livro de reclamações constitui, na verdade, um dos mais importantes instrumentos para exercer os direitos constitucionais de queixa, reclamação ou representação (artigo 52.º, n.º 1, da Constituição) dos utentes dos serviços públicos sempre que estes entendam que os serviços ou organismos em causa não prestem devidamente o serviço a que estão obrigados. Consequentemente, traduz-se numa manifestação do exercício de cidadania por parte do cidadão utente daqueles serviços e pode contribuir, de modo muito significativo, para a eficiência e melhoria da qualidade dos serviços prestados.



5. Possui inegável interesse, por conseguinte, a iniciativa legislativa do Governo que levaria à publicação do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, o qual fez estender a obrigatoriedade do livro de reclamações e sua disponibilidade a todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços que tenham contacto com o público, à excepção dos serviços e organismos da Administração Pública que continuam a reger-se pelo disposto no artigo 38º, do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril (art. 2º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro). Regista-se, nesta linha, a recente publicação da Portaria n.º 1288/2005, de 15 de Dezembro, que aprovou o modelo do livro de reclamações que deve ser disponibilizado pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços compreendidos no nóvel regime jurídico.



6. Não posso, apesar do exposto, deixar de ressalvar, no que aos serviços e organismos da Administração Pública diz respeito, que embora o artigo 38º, n.º 8, do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, determine que o modelo de livro de reclamações seria definido por Portaria do membro do Governo responsável pela Administração Pública, o certo é que o modelo que tem vindo a ser adoptado é o que consta da Portaria n.º 355/97, de 28 de Maio, para a qual remete o enunciado do n.º 12 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 189/96, de 31 de Outubro. Isto, pese embora o tempo transcorrido desde a entrada em vigor do citado diploma legal.



7. A obrigatoriedade de se adoptar o Livro de Reclamações nos locais de atendimento do público é, por força das disposições conjugadas dos artigos 1º, n.º 2, e 38º, n.º 1, ambos do citado texto legislativo, aplicável a todos os serviços e organismos da Administração Directa e Indirecta do Estado e da Administração Autónoma e, nessa medida, aos serviços da administração autárquica, devendo o mesmo ser disponibilizado sempre que solicitado. Trata-se, de resto, de uma obrigação legal a que estão adstritos os órgãos e serviços dos municípios e das freguesias e, não, de um poder discricionário.



8. Observa-se, todavia, que tanto a tramitação das reclamações cujo procedimento específico vem consignado no art. 38º, n.º 3 e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, como o modelo do livro de reclamações, aprovado pela Portaria n.º 355/97, de 28 de Maio, apenas se reportam aos serviços e organismos da Administração Central, não fazendo menção, aos serviços da administração local.



III


9. Compulsados os diplomas legais antes citados, verifica-se que o modelo do livro de reclamações só refere os serviços da administração central. Por outro lado, a tramitação das reclamações deve ser encaminhada concomitantemente para o membro do Governo que tutela o serviço ou organismo, objecto da reclamação, e para o Secretariado para a Modernização Administrativa.



10. Não existe, pelo exposto, norma habilitante que mande adaptar aos serviços da administração autárquica o livro de reclamações tal como vem estruturado. E, no que à tramitação das reclamações diz respeito, não se indica qual o órgão ou serviço autárquico para quem deverá ser encaminhada a reclamação. Impõe-se, deste modo, à luz dos princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local, adaptar a disciplina do livro de reclamações incrementada nos serviços da Administração Central aos serviços da administração autárquica.



11. Verifica-se, pelo exposto, que o legislador não adaptou o modelo de livro de reclamações que vigora para os serviços e organismos da Administração Pública, à estrutura orgânica dos municípios e freguesias, conformando-o com a autonomia administrativa do poder local, nem logrou conceder um tratamento específico à tramitação das reclamações apresentadas junto dos serviços da administração autónoma do Estado, lacuna que urge suprir. Parece-me, assim, necessário introduzir um modelo de livro de reclamações que adapte esta garantia aos particularismos da administração municipal e paroquial.


IV


12. Pondero, com este desiderato, que as reclamações possam ser encaminhadas, pelo órgão ou serviço reclamado, para o presidente do órgão autárquico em causa (presidente da câmara municipal ou presidente da junta de freguesia). Com vista a assegurar que as reclamações cheguem, de facto, ao destinatário e em concretização do princípio da colaboração da Administração com os particulares (art. 7º, nº 1, alíneas a) e b)), do Código do Procedimento Administrativo), haveria de conceder-se, também, ao interessado, a faculdade de, ele próprio, enviar a reclamação para a entidade competente, fazendo-se constar, na folha da reclamação, informação expressa sobre aquele direito.



13. Pondero, para além do mais, que na folha da reclamação possa ser igualmente assinalado que quando estiver em causa o incumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, o reclamante possa participar os factos reclamados à Inspecção-Geral da Administração do Território, tendo presente a relação tutelar que se estabelece entre o Governo, os governos regionais e os municípios e freguesias, designadamente, que a tutela administrativa sobre as autarquias locais se circunscreve ao controlo da legalidade (art. 242º, n.º 1, da Constituição e art. 2º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto).



14. Incumbido da missão primordial que me é confiada de procurar, em colaboração com os órgãos e serviços competentes, as soluções mais adequadas à tutela dos interesses legítimos dos cidadãos e ao aperfeiçoamento da acção administrativa (art. 21º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril), cumpre-me solicitar pronúncia de V.Ex.a. acerca da oportunidade de uma iniciativa legislativa ou regulamentar que permita adaptar a disciplina do livro de reclamações à administração autárquica, e, designadamente:




a) estabelecer regras específicas de tramitação procedimental para as reclamações apresentadas junto dos respectivos serviços da administração local de atendimento ao público, que se conformem com a estrutura orgânica das autarquias locais, nos termos antes preconizados;


b) adaptar o modelo do livro de reclamações aos órgãos da administração local, respeitando a sua autonomia administrativa relativamente ao poder central.


15. Peço a V.Ex.a. que me seja transmitida a posição que, sobre o assunto, se propõe adoptar bem como sobre as eventuais iniciativas legislativas a adoptar com vista a contemplar os aspectos supra mencionados.


 







Nota: Em resposta, veio o Secretário de Estado da Administração Pública tomar posição favorável face ao proposto. Nessa conformidade, veio a ser publicada a Portaria nº 659/2006, de 3 de Julho, nos termos da qual se aprova o modelo de livro de reclamações a adoptar pelas autarquias locais bem como se estabelecem as regras de tramitação procedimental para as reclamações apresentadas junto dos respectivos serviços da administração local.