PARECER
Proc.º: R-2075/06
Área: A6
Assunto: Acesso a documentos; CADA.
Lida a exposição de V.ª Ex.ª e a documentação que a acompanhava, em especial a decisão tomada pela CADA, não tenho crítica, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista da justiça da posição assumida por aquela entidade pública.
Assim, se bem compreendi a carta de V.ª Ex.ª, considera–se aí
a) ilegal outra decisão que não a do fornecimento imediato e total da informação pedida;
b) que esta decisão significa “a possibilidade [de o SNBPC] protelar indefinidamente a concessão do direito de acesso aos documentos administrativos, uma vez que não estabelece qualquer prazo”;
c) “estranho” o critério assumido pela CADA de estabelecimento de prioridades, isto por se dever presumir que, “num conjunto de pedidos”, todos possuem similar prioridade, não obrigando a lei à indicação de qualquer prioridade.
Ora, como definido no art.º 4.º, n.º 1, a), da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), os documentos cujo acesso é regulado pelo mesmo diploma são “quaisquer suportes de informação gráficos, sonoros, visuais, informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos pela Administração Pública”, seguidamente exemplificados como podendo ser “processos, relatórios, estudos, pareceres, actas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos internos, instruções e orientações de interpretação legal ou de enquadramento da actividade ou outros elementos de informação”.
É certo que alguns pontos do vastíssimo pedido formulado por V.ª Ex.ª se subsumem a este conceito de documento. Todavia, ao solicitar o acesso, não a documentos, mas a certa informação, provavelmente retirável de um ou mais documentos detidos pelo SNBPC, não está V.ª Ex.ª a agir já no âmbito da consulta a registos existentes, mas sim, de algum modo, a exigir que esse registo seja formado, de acordo com o critério indicado.
Veja-se, a título de exemplo, que é diferente pedir o indicado nas alíneas d) e e) do pedido de V.ª Ex.ª, do que solicitar a discriminação pedida em a), b) ou c), sendo certo que desconhece V.ª Ex.ª se existe algum documento no SNBPC que tenha procedido ao agrupamento dos dados, no período em causa, segundo o critério da corporação de bombeiros.
Permito-me chamar-lhe a atenção para a dicotomia existente entre os n.ºs 1 e 2 do art.º 268.º da Constituição. No segundo caso, estabelece-se o direito de acesso a documentos, por natureza existentes, nos mais amplos moldes, naturalmente que sem ofensa da privacidade de terceiro ou outro valor constitucionalmente relevante. No primeiro caso, estabelece-se o direito à informação, bem mais limitado em função de critérios de legitimidade.
No caso específico de V.ª Ex.ª, sendo jornalista, qualidade que julgo ter invocado junto do SNBPC, tem que se enquadrar as possibilidades de acesso à informação (em sentido estrito, distinguindo-o do sentido mais lato, abrangendo este também o acesso a documentos) nas normas que no Estatuto do Jornalista conferem interesse público à actividade que desempenha.
Ora, como aliás se vê pela comunicação datada de 13 de Abril p. p., tem o SNBPC inteira disponibilidade para prestar a V.ª Ex.ª todas as informações solicitadas, indicando desde logo não existirem certos documentos, pelo menos na posse da entidade pública em causa.
Naturalmente que, perante um acervo tão grande de informação, é inquestionável, numa situação de normalidade, a necessidade de um período alargado de tempo para a recolha de informação e feitura dos documentos com o teor pretendido por V.ª Ex.ª
Trata-se da aplicação, na exigência a ter para com a entidade pública em causa, do mais elementar princípio da proporcionalidade, sendo certo que mesmo a disponibilidade de um funcionário, a tempo completo para proceder a este trabalho, não permite supor que seja completado em poucos dias.
Não se pode equiparar, v. g., o pedido de cópia de documento identificado, a qual poderá ser entregue em espaço de tempo porventura bastante mais curto que o previsto na lei, ao pedido de um conjunto maciço de dados, não constante de documento previamente existente e que se pretende seja apresentado de acordo com certos critérios, formulados no pedido.
Respondendo, assim, às dúvidas de V.ª Ex.ª, não é necessário que tudo o que licitamente se pode executar esteja expressamente referido na lei. A intervenção dos princípios fundamentais da ordem jurídica e a materialidade subjacente aos interesses em presença certamente que permite alcançar soluções que em concreto superam a estrita dicotomia.
O que se diz a respeito do objecto da consulta tenho defendido, em muitos casos concretos que me têm aparecido, quanto aos sujeitos. Não posso sujeitar à mesma regra de celeridade um instituto público, com um bom serviço de documentação e um serviço de reprografia, a uma junta de freguesia de pequena dimensão, quase sem pessoal e sem meios materiais para reprodução. Como em toda a vida, também na dimensão tutelada pelo Direito, as finalidades essenciais a salvaguardar têm que se concatenar com o que é possível exigir no caso concreto.
Não é correcto, também, afirmar-se que a decisão da CADA corresponde a uma “carta em branco” a beneficiar o SNBPC ou a tornar o dever de fornecer a documentação em causa uma obrigação que apenas cumprirá quando e se quiser. Será adequado citar por analogia duas figuras que são ensinadas em Direito das Obrigações, as obrigações “a cumprir quando se queira” e as obrigações “a cumprir quando se possa”, as primeiras previstas no n.º 2 do art.º 778.º do Código Civil e as segundas no respectivo n.º 1. É que as primeiras, na verdade, são inexigíveis ao devedor, sem possibilidade de qualquer controlo exterior, dependendo da exclusiva vontade deste. Já as segundas são passíveis de serem verificadas, por exemplo judicialmente, no que toca à efectivação da possibilidade de prestar o que está em falta, assim se tornando desde logo tão exigíveis como qualquer outra obrigação.
Há, assim, igual grau de coercividade na obrigação que se diz dever ser prestada, logo que seja possível fazê-lo, não estando na disponibilidade do devedor determinar se e quando tal acontece.
No caso concreto, aliás, dada a correspondência que V.ª Ex.ª indica, nada fará supor que o prazo de entrega seja de tal modo alargado que frustre o acesso à informação. Também ouso notar que o tempo decorrido desde a deliberação da CADA já permitiria, decerto, estar neste momento V.ª Ex.ª na posse de mais informações do que as que actualmente detém, senão de todas as pretendidas e disponíveis na posse do SNBPC.
Num outro aspecto, é verdade o que V.ª Ex.ª indica, quanto a uma lista de pedidos que não surgem prioritarizados. Na dúvida, há que presumir que o requerente tem igual e simultâneo interesse em todos eles. Todavia, não dependendo a prestação de uns da prévia verificação de outros, é natural que para o próprio autor do pedido, neste caso um jornalista que está a efectuar determinada investigação, seja mais importante ter hoje certos elementos do que outros, até por, eventualmente, a leitura a fazer de certos elementos poder dar boas pistas na apreciação de outros.
Essa hierarquização só a V.ª Ex.ª cabe fazer, visto que ninguém saberá quais as linhas de investigação que decidiu seguir. Todavia, se não indicar esses critérios de prioridade, naturalmente deixa ao critério da entidade pública em causa a ordem pela qual vai ser prestada a informação, podendo começar na alínea a) até à última, como, já que V.ª Ex.ª não se mostra interessado em certa ordem, ou podendo optar por começar pela satisfação do que de mais fácil execução se revelar.
Em síntese e sobre a indicação de prioridades, naturalmente que a lei não obriga V.ª Ex.ª a nada; é todavia um ónus que tem, para que a execução do processo de elaboração ou reprodução da informação decorra segundo a ordem que lhe parecer mais conveniente.