PARECER
Entidade visada: EDP Distribuição, S. A.
Proc.º: R-727/06
Área: A2
Assunto: Consumo. Electricidade. Facturação. Contribuição para o audio visual. Incidência. Financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão.
O PROBLEMA
1. Tendo verificado que, nas facturas emitidas pelo respectivo fornecedor de energia eléctrica, lhes passara a ser cobrada a designada “contribuição para o audio visual”, vários foram os utentes titulares de contratos para fornecimento de energia eléctrica a partes comuns de edifícios e a explorações agrícolas que, no ano de 2006, apresentaram queixa ao Provedor de Justiça.
2. Alegavam os queixosos tratar-se de uma situação incompreensível, por não ser possível estabelecer qualquer tipo de relação entre a prestação do serviço público de radiodifusão e de televisão e aqueles fornecimentos e, por outro lado, por a incidência em causa os obrigar ao pagamento de tantas contribuições quantos os contratos de fornecimento de energia eléctrica de que fossem titulares.
APRECIAÇÃO
3. Constituindo o correspectivo do serviço público de radiodifusão e de televisão, a contribuição para o audio visual foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 30/2003, de 22 de Agosto, que, nos números 2 e 3 do seu art.º 1.º, preceitua que o financiamento do serviço público de radiodifusão é assegurado por meio da cobrança da contribuição para o audio visual, ao passo que o serviço público de televisão é suportado pela receita da contribuição para o audio visual não destinada ao serviço de radiodifusão e por indemnizações compensatórias.
4. Tendo-a substituído, a contribuição para o audio visual manteve o modelo técnico da taxa de radiodifusão, incidindo sobre a facturação do consumo de energia eléctrica (cfr. art.º 3.º, n.º 1).
5. A opção por este modelo radicou no entendimento de que o sistema já existente constituía a solução de maior simplicidade técnica, ligeireza administrativa e justiça que era possível concretizar com a tecnologia disponível no sector (1).
6. Com efeito, os problemas colocados pela incidência de uma taxa sobre cada receptor, designadamente nos planos da fiscalização e da cobrança (2), levaram o legislador a substituir o sistema de tributação directa e específica por um modelo baseado no pagamento de uma taxa anual, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, através das distribuidoras de energia eléctrica aos respectivos consumidores domésticos, por escalões pré-definidos do consumo anual de energia para fins domésticos (3).
7. O facto de a taxa de radiodifusão ser devida por todos os consumidores domésticos, possuidores ou não de receptores, levou a que, em parecer de 19 de Abril de 1979, a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais viesse a entender que aquela se não tratava de uma verdadeira taxa, mas antes de um imposto indirecto sobre os consumidores de energia eléctrica para fins domésticos, embora afectado ao serviço público de radiodifusão.
8. Neste sentido se pronunciaria ainda a doutrina (4) e o Tribunal Constitucional (5), tendo este último concluído que a extinta taxa de radiodifusão não podia ser tida como contraprestação de um serviço público, sendo antes de qualificar como um imposto, por a exigência do seu pagamento não se relacionar de modo exclusivo sequer com a possibilidade de utilização do serviço público de radiodifusão sonora, sendo a qualidade do consumidor de energia eléctrica que obriga ao pagamento, embora aquela utilização não tenha a sua fonte em tal consumo e possa estar totalmente desligada dele.
9. É que, como é referido no Acórdão n.º 29/83, do TC, embora o legislador tenha designado por «taxa» o tributo que criou, a sua natureza não tem que corresponder ao nomen iuris que lhe é dado pelo texto legal, já que a qualificação do legislador não é vinculativa para o intérprete.
10. Ora, uma vez que o que se disse acerca da natureza da taxa de radiodifusão também vale para a actual contribuição para o audio visual, não se mostra atendível a pretensão de não pagamento da contribuição pelos titulares de contratos de fornecimento de energia eléctrica a partes comuns de edifícios ou a explorações agrícolas, com fundamento na falta de um nexo sinalagmático entre o pagamento da quantia exigida e a prestação da actividade pelo ente público.
11. Com efeito, tendo a base tributável da contribuição para o audio visual, inicialmente delimitada aos consumidores domésticos, sido alargada aos demais consumidores de energia eléctrica, estão aqueles utentes também obrigados a participar no financiamento do serviço público em causa (6).
12. Acresce que, objecto de apresentação na Assembleia da República e de discussão pública desde 2003, a extensão da contribuição para o audio visual à totalidade dos fornecimentos de energia eléctrica obteve amplo apoio parlamentar (7), tendo sido qualificada como instrumento essencial para a consolidação financeira do serviço público de rádio e de televisão.
13. De qualquer modo, quer se trate de consumos domésticos ou de consumos não domésticos, estão os consumidores de energia eléctrica que registem um consumo anual inferior a 400 kWh isentos do pagamento da contribuição para o audio visual (cfr. artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 30/2003) (8).
14. Trata-se de uma medida de cariz social, em tudo idêntica à que se achava estabelecida para a taxa de radiodifusão (9), que assenta no pressuposto de que aqueles que não atingem um dado nível mínimo de consumo de energia eléctrica estão numa situação mais precária, integrada num sistema que prima pela simplicidade resultante da fixação de factores legais objectivos, em detrimento do modelo anterior, caracterizado pela atribuição de isenções de natureza subjectiva.
15. Ora, como resulta da resposta dada pela extinta Secretaria de Estado da Comunicação Social a recomendação emitida pelo Provedor de Justiça no processo IP-2/87 – recomendação que visava a concessão de isenção de taxa de radiodifusão aos cidadãos que não possuíssem receptor de rádio, aos cidadãos portadores de deficiência auditiva comprovada e que vivessem sós, e aos cidadãos reformados e pensionistas – introduzir neste sistema outro tipo de isenções seria desvirtuar as suas linhas mestras, já que a sua concessão implicaria a adopção de procedimentos de averiguação e fiscalização do interessado, assim se reeditando situações que o actual dispositivo legal procura precisamente evitar.
CONCLUSÕES
1. A contribuição para o audio visual, introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 30/2003, constitui o correspectivo do serviço público de radiodifusão e de televisão;
2. Inicialmente delimitada aos consumos para uso doméstico, foi a sua incidência posteriormente estendida a todos os fornecimentos de energia eléctrica, pelo Decreto-Lei n.º 169-A/2005, de 3 de Outubro, no uso da autorização legislativa prevista no art.º 25.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho;
3. Tendo o legislado optado pela manutenção de um modelo de financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão baseado no pagamento de um valor a cobrar mensal e indirectamente, por escalões pré-definidos do consumo anual de energia, através das distribuidoras de energia eléctrica aos respectivos consumidores, é de considerar que, como veio a concluir-se relativamente à extinta taxa de radiodifusão, estamos em face de um imposto;
4. Não estando, assim, a exigência do seu pagamento relacionada de modo exclusivo com a possibilidade de utilização do serviço público a que se refere, sendo a antes a qualidade do consumidor de energia eléctrica que obriga ao pagamento, embora aquela utilização não tenha a sua fonte em tal consumo e possa estar totalmente desligada dele, carece de fundamento a pretensão de não pagamento da contribuição pelos titulares de contratos de fornecimento de energia eléctrica a partes comuns de edifícios ou a explorações agrícolas, com base na falta de um nexo sinalagmático entre o pagamento da quantia exigida e a prestação da actividade pelo ente público.
5. Neste quadro, o não pagamento da contribuição para o audio visual só se justificará relativamente aos consumidores que registem um consumo anual de energia inferior a 400 kWh, conforme estabelecido no n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 30/2003.
(1) Vd. Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 68/IX.
(2) Como se observa no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, o sistema da taxação directa dos radiouvintes, em função da sua qualidade de possuidores de aparelhos receptores de radiodifusão, contido em diploma regulamentar aprovado pelo Decreto n.º 41486, de 30 de Dezembro de 1957, levou à acumulação de um elevadíssimo número de processos judiciais (em 31.12.1974, pendiam de instrução e julgamento cerca de 400.000 processos), decorrentes da falta de pagamento voluntário de milhares de taxas de radiodifusão.
(3) Foram inicialmente estabelecidos três escalões: até 120 kWh (Isenção), de 120 kWh a 240 kWh (Taxa reduzida) e superior a 240 kWh (taxa normal) – art.º 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 389/76.
(4) Cfr. Braz Teixeira (Princípios de Direito Fiscal, I, Coimbra, 1985, p. 45, nota 13), José Casalta Nabais (Contratos Fiscais, Coimbra, 1994, p. 232, nota 724), Nuno Sá Gomes (Manual de Direito Fiscal, Vol. II, Lisboa, 1996, pp. 47 e 49, e J. L. Saldanha Sanches, Manual de direito fiscal, Lisboa, 1998, p. 21).
(5) Cfr. Acórdãos n.º 354/98 e n.º 307/99.
(6) Alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 169-A/2005, de 3 de Outubro, ao abrigo de autorização legislativa concedida ao Governo no artigo 25.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, que aprovou o Orçamento Rectificativo de 2005.
(7) O alargamento foi votado favoravelmente pelos Grupos Parlamentares do PS, do PSD e do CDS-PP, no debate na especialidade do Orçamento de Estado para 2005 e do Orçamento Rectificativo.
(8) Inicialmente fixado em 1,60 €, o valor da contribuição para o audio visual é anualmente actualizado em função da taxa de inflação, através da Lei do Orçamento do Estado, cifrando-se actualmente em 1,67 €.
(9) Cfr. artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 389/76, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 411/90, de 31 de Dezembro.