Sua Excelência
A Presidente da Assembleia da República
Palácio de S. Bento
1249-068 LISBOA

 

Vossa Ref.ª
 Vossa Comunicação
  Nossa Ref.ª
Proc. P – 15/11 (A6)

  
Assunto: Código de Boa Conduta Administrativa.

RECOMENDAÇÃO N.º 1/B/2012
(art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)

1. Em 2001, o Parlamento Europeu aprovou, sob a forma de Resolução  e com base em proposta apresentada pelo Provedor de Justiça Europeu , o Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, que estabelece os princípios a observar pelas instituições e órgãos da União Europeia e respetivos funcionários nas suas relações com os cidadãos.

Por seu turno, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, logo na versão proclamada na Cimeira de Nice, em Dezembro de 2000, consagrou o direito a uma boa administração (art.º 41.º). Presentemente e na sequência do Tratado de Lisboa, a mencionada Carta tem, à luz do preceituado no art.º 6.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, «o mesmo valor jurídico que os Tratados», sendo, por conseguinte, juridicamente vinculativa.
Neste enquadramento, nos termos do disposto, designadamente, nos n.os 1 e 2 do art.º 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia :

1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
c) A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
(…)

Nesta linha e conforme pode ler-se em publicação do Provedor de Justiça Europeu dedicada ao Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, este último «tem como intenção explicar com mais detalhe o que o direito a uma boa administração previsto na Carta significa na prática» .

2. O postulado por uma Administração Pública de qualidade, transparente e ao serviço dos cidadãos há muito que vem sendo igualmente afirmado no quadro de organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Conselho da Europa, sob cuja égide têm sido impulsionadas iniciativas dirigidas à adoção de códigos de conduta na esfera de atuação dos agentes que exercem ou participam no exercício de funções públicas, inclusive, ainda que, naturalmente, a tal não circunscritos, como um valioso instrumento de prevenção da corrupção.

Neste sentido, destacam-se, particularmente, a Resolução n.º 51/59 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 12 de Dezembro de 1996, contendo em anexo o Código internacional de conduta dos agentes da função pública, a Recomendação, de 23 de Abril de 1998, do Conselho da OCDE sobre a melhoria da conduta ética no serviço público e a Recomendação n.º R (2000) 10, do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados membros, sobre os códigos de conduta para os agentes públicos, de 11 de Maio de 2000. Sublinha-se, de idêntico modo, o compromisso, firmado em convenções internacionais em matéria de luta contra a corrupção, de aplicação, no quadro do sistema jurídico próprio de cada Estado parte, de «códigos ou normas de conduta para o correcto, digno e adequado desempenho de funções públicas» (assim, expressamente, no art.º 8.º, n.º 2, da Convenção contra a Corrupção, adotada sob os auspícios das Nações Unidas e ratificada pelo Estado português em 28 de Setembro de 2007).

3. Foi neste exato enquadramento que concluí justificar-se iniciativa similar à do meu congénere europeu, no sentido da adoção, no seio do ordenamento jurídico nacional, de um Código de Boa Conduta Administrativa . A proposta em anexo, que submeto à apreciação de Vossa Excelência, consubstancia esse desiderato e procede de idêntica proposta submetida em Abril de 2010 à XI Legislatura, que originou a minha audição na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, em 14 de Julho desse mesmo ano.
Note-se que a presente iniciativa não pretende enformar um código de conduta específico sobre questões de corrupção no âmbito da função pública. Nessa medida, não se confunde designadamente com iniciativa parlamentar em curso, a pretexto do fenómeno da corrupção .

Na verdade, mais amplamente e com o enfoque na perspetiva garantística dos particulares que se relacionam com os órgãos e serviços da Administração Pública, a presente proposta pretende reunir, num enunciado claro, conciso e acessível, os princípios de boa administração que devem guiar a conduta de todo o agente público, nas suas relações com os cidadãos. É, por conseguinte, minha preocupação primária a afirmação dos valores fundamentais do serviço público (nomeadamente, a legalidade, a igualdade, a imparcialidade, a independência, a integridade, a transparência, a responsabilidade, a boa fé e a justiça), da garantia dos direitos dos cidadãos e das normas relativas à conduta que os mesmos esperam dos agentes da Administração Pública. Procura-se, outrossim, que este acervo, na forma de um Código de Boa Conduta Administrativa, possa integrar as ações de formação profissional, inicial e contínua, dos agentes públicos destinatários.

4. É esta a matriz inspiradora do Código de Boa Conduta Administrativa que submeto à Assembleia da República, na pessoa de Vossa Excelência, como o são, também, os desenvolvimentos e inovações jurídico-legislativos na matéria, nomeadamente no quadro do Código do Procedimento Administrativo, do regime de acesso aos documentos administrativos, dos deveres estatutários dos trabalhadores que exercem funções públicas, ou, ainda, das medidas de modernização administrativa, como as estabelecidas no Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril. Foram, de igual modo, tidas em consideração iniciativas precedentes, como a Carta Deontológica do Serviço Público ou a Carta Ética da Administração Pública.
5. Em face de todo o exposto, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, recomendo
que, tendo em vista o aprofundamento de uma Administração Pública de qualidade, transparente e ao serviço dos cidadãos, seja adotado um código de conduta na esfera de atuação dos respetivos agentes, juntando, para o efeito, a proposta de Código de Boa Conduta Administrativa em anexo.

Espero que a presente recomendação possa merecer o acolhimento na forma que o alto critério desse Parlamento entender adequada e agradeço a Vossa Excelência que da mesma queira dar conhecimento aos diversos Grupos Parlamentares e à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, assim como diligenciar no sentido da sua publicação no Diário da Assembleia da República (art.º 20.º, n.º 5, do Estatuto do Provedor de Justiça).

Aproveito ainda a ocasião para apresentar a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos

O Provedor de Justiça,

Alfredo José de Sousa

 

 

 

Anexo: Proposta de Código de Boa Conduta Administrativa.