Sua Excelência
O Ministro da Solidariedade e da Segurança Social
Praça de Londres, n.º 2
1049-056 Lisboa
Nossa referência
Proc. P-4/12 (A5)
RECOMENDAÇÃO N.º 10/B/12
Formulada de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91,
de 9 de abril (Estatuto do Provedor de Justiça)
I
1. Determinei a abertura de processo de minha iniciativa para que fosse analisada a situação das Comissões de Proteção de Criança e Jovens de Sintra Ocidental e de Sintra Oriental.
2. Foram realizadas visitas às referidas comissões de proteção e mantidas reuniões de trabalho com as respetivas Presidentes, de acordo com ordem de trabalhos que, em síntese, compreendeu a aferição dos espaços e dos equipamentos existentes, a adequação dos recursos humanos e financeiros, a organização administrativa e a atividade processual e dados estatísticos.
3. Após o tratamento de toda a informação recolhida, foram formuladas as conclusões preliminares, as quais integraram o projeto de relatório cujo teor enderecei ao Senhor Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, por meio de ofício datado de 30 de maio de 2012 .
4. Recolhidos os contributos prestados em sede de contraditório, o presente processo conclui-se agora com a elaboração e divulgação do relatório final, que tenho a honra de submeter a Vossa Excelência, em anexo.
5. Permita-me Vossa Excelência que, do conjunto de conclusões ínsitas no presente relatório, destaque as duas Recomendações que dirijo a esse Ministério: a primeira, relativa ao sistema de avaliação de desempenho aplicado aos diversos elementos que integram as comissões; a segunda, referente ao regime instituído pelo n.º 2 do artigo 26.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei de Proteção) .
II
6. Relativamente à primeira questão, a Lei n.º 66-B/2007 de 28 de dezembro , instituiu o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP) aplicado ao desempenho dos serviços públicos, dos respetivos dirigentes e demais trabalhadores, e suscetível de integrar as especificidades da administração estadual, regional e autárquica.
7. O SIADAP pressupõe uma aplicação uniformizada às diversas administrações, assentando, por um lado, numa conceção de gestão dos serviços públicos centrada em objetivos e, por outro lado, numa perspetiva integrada dos sistemas de gestão e avaliação, tendo em vista a equiparação dos desempenhos dos serviços e dos respetivos trabalhadores. Nestes termos, a avaliação dos serviços, dos dirigentes e demais trabalhadores tem em linha de conta os resultados obtidos em relação aos objetivos previamente fixados.
8. Não obstante, verifica-se que os serviços de origem não se mostram, em regra, sensíveis ao trabalho desenvolvido pelos elementos que integram as CPCJ, omitindo a efetivação de objetivos no âmbito do respetivo processo avaliativo.
9. Cabe referir que o papel que tem sido desempenhado pelos membros integrantes das comissões de proteção vem excedendo claramente o núcleo de atribuições funcionais acometidas pelo legislador, para consubstanciar uma componente de cidadania que não pode deixar de ser reconhecida profissionalmente.
10. No âmbito das diligências instrutórias realizadas por este órgão do Estado, reconheceu a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, quanto a este assunto, que «Relativamente à avaliação funcional dos membros das CPCJ, pelas entidades que representam, do trabalho por eles desenvolvido nas Comissões de Proteção, têm-se verificado dificuldades, pelo caráter muito específico e inovador da natureza e regime legal das CPCJ».
11. Pondero, pois, que se afigura premente a revisão do modelo de avaliação de desempenho dos funcionários que se fazem representar nas comissões de proteção de crianças e jovens, em ordem a que os serviços de origem tenham em consideração o trabalho por estes desenvolvido na área da proteção e promoção dos direitos dos menores.
III
12. A segunda questão que atrás enunciei versa sobre as limitações decorrentes da duração do mandato previsto para o exercício de funções por parte dos membros das comissões de proteção de crianças e jovens.
13. Estabelece o n.º 2 do artigo 26.º da Lei de Proteção que «O exercício de funções na comissão de protecção não pode prolongar-se por mais de seis anos consecutivos».
14. Conforme venho constatando , esta restrição imposta pelo legislador não tem sido cumprida na prática pela generalidade das CPCJ, atendendo à manifesta insuficiência dos recursos humanos disponíveis, bem como à necessária prossecução de atribuições em razão do primado do menor.
15. Se, por uma parte, se entende a intenção que norteou a mens legis, visando a observância de vetores de imparcialidade e transparência, a precária condição da generalidade das comissões, nesta matéria, origina uma desadequação do regime legal até aqui instituído, bem como o desaproveitamento da experiência entretanto acumulada.
16. Nesta matéria, advogou a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, em sede instrutória, que «…tendo presente a necessidade de garantir o interesse fundamental da boa funcionalidade das CPCJ, na consideração do primado dos interesses da criança, concordamos que se providencie por uma alteração da lei que, sem prejuízo do princípio da limitação dos mandatos, possibilite porventura limites um pouco mais alargados e/ou alguma flexibilidade fundada em critérios objetivos iluminados pelo interesse fundamental da funcionalidade da CPCJ…».
17. Não é demais enaltecer o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo conjunto de membros que compõem as CPCJ, em todo o país, tendo em vista a preservação da autonomia funcional das comissões em defesa do superior interesse da criança e do jovem.
18. Tal circunstância parece, assim, impor que seja ponderada a revisão do atual regime previsto pelo legislador, em casos de justificado interesse público e de acordo com a conveniência na prossecução das atribuições conferidas às CPCJ.
IV
Nestes termos, de acordo com as motivações expostas, e exercendo o poder que me é conferido pelo art. 20º, n.º 1, alínea b) da citada Lei n.º 9/91, de 9 de abril, entendo RECOMENDAR a Vossa Excelência que:
1. Seja ponderada a revisão do modelo de SIADAP aplicado aos diversos elementos das comissões de proteção, em ordem a que os serviços de origem tenham em consideração o trabalho por estes desenvolvido na área da proteção e promoção dos direitos dos menores, e que a competente avaliação seja norteada pela efetivação de objetivos previamente fixados nesta matéria, em cumprimento dos princípios da igualdade e prevenção da discricionariedade.
2. Seja ponderada a reformulação da norma ínsita no n.º 2 do artigo 26.º da Lei de Proteção, possibilitando que o exercício de funções nas comissões de proteção se possa prolongar por mais de seis anos consecutivos, em situações de justificado interesse público, em razão do primado da criança, e de acordo com a conveniência na prossecução das atribuições conferidas às CPCJ.
Solicito a Vossa Excelência que, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, se digne mandar informar-me sobre a sequência que este assunto venha a merecer, no prazo de 60 dias.
Apresento a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos,
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
Alfredo José de Sousa
Anexo: Cópia do relatório «A atividade das CPCJ de Sintra Oriental e Ocidental».