Ex.mo. Senhor
Presidente do Conselho de Administração EP-Estradas de Portugal, S.A
Praça da Portagem
2809-013 ALMADA
V.ª Ref.ª
Ofício n.º 56
EP-ENT/2011/124150
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V.ª Comunicação
24.01.2012
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Nossa Ref.ª
Proc. R-4819/11 (A1)
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Assunto: IC9 (Lanço Fátima/Ourém (Alburitel) – PA4 – Lugares do Pinheiro e das Louçãs, concelho de Ourém.
RECOMENDAÇÃO N.º 7/A/2013
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
(A)
EXPOSIÇO DE MOTIVOS
I) Foi solicitada a intervenção deste órgão do Estado junto das várias autoridades públicas com responsabilidades na conceção e execução de obras no Itinerário Complementar n.º 9 (IC9), afirmando que ficara por estabelecer a passagem agrícola «PA4-restabelecimento 7ª», apesar de se encontrar prevista no projeto daquela via rodoviária.
II) Afirmavam os queixosos que o projeto de execução tinha sido alterado ao Km8, tendo-se eliminado, indevidamente, a passagem agrícola entre os lugares do Pinheiro e das Louçãs, com franco prejuízo para as populações.
III) Sem a ligação entre estes aglomerados, aumenta o isolamento das populações respetivas, considerando que grande parte da vida social dos moradores de um e outro dos aglomerados dependia do outro, nomeadamente, para atividades desportivas, acesso a locais de culto e educação religiosa. Não menos importante, quebra-se o convívio centenário entre as duas populações, em contraste com os melhoramentos introduzidos no IC9, em benefício de terceiros.
IV) Pretendiam os queixosos que fosse mantida a passagem agrícola identificada, até porque se encontrava prevista inicialmente no projeto aprovado ou, em alternativa, que fosse executada uma nova passagem entre as duas populações na denominada Rua do Agar.
V) A subconcessionária entende que a alteração efetuada diverge apenas em cerca 1,3km em relação ao projeto aprovado.
VI) Os queixosos, por seu turno, afirmam que as distâncias apresentadas pela subconcessionária não consideram as duas rotundas do nó de acesso ao IC9, Ourém-Norte, não as contabilizando para o cálculo das distâncias.
VII) Mais afirmam que a solução implementada implicará o afastamento das populações em cerca de 3km, com a agravante do novo percurso ter um intenso tráfego viário, sem que tenham sido previstas quaisquer passagens pedonais na zona ou mesmo passeios. A viabilidade de efetuar o percurso pedonalmente é, ao contrário do que sucedia anteriormente, praticamente impossível devido à sua perigosidade.
VIII) O anteprojeto do IC9 foi submetido a avaliação de impacto ambiental tendo sido deferida, em 12.05.2006, uma declaração de impacte ambiental (DIA) favorável condicionada, pelo então Secretário de Estado do Ambiente.
IX) Com a emissão da DIA tinham ficado definidas as várias medidas de minimização relevantes, designadamente:
a. O restabelecimento das vias de circulação local afetadas, redes de caminhos e de serventias;
b. O fomento dos caminhos e estradas de passagem habitual, conservando os atravessamentos necessários ao normal decurso da vida local e o pronto restabelecimento das ligações intercetadas por efeito do IC9, minimizando o efeito de barreira e o transtorno causado aos utentes dessas vias;
c. A reposição de todas as estradas e caminhos agrícolas que viessem a ser intercetados, restituindo-lhes, tanto quanto possível, as caraterísticas anteriores.
X) Nos termos do contrato de subconcessão outorgado entre a EP-‑Estradas de Portugal, S.A., o Estado e a subconcessionária AELO-Auto-‑Estrada do Litoral Oeste, cumpria ao LOC-Litoral Oeste Construtores, ACE conceber e desenvolver o projeto de execução da obra.
XI) O projeto de execução foi apresentado à EP-Estradas de Portugal, S.A. e aprovado com o relatório de conformidade ambiental do projeto de execução (RECAPE).
XII) De acordo com a cartografia constante do RECAPE, continuava prevista a construção da PA4-restabelecimento 7A.
XIII) Não é de admirar, pois, que os moradores tenham depositado legitimamente a sua confiança no projeto e na satisfação das necessidades coletivas de circulação local.
XIV) Contudo, perante reclamações apresentadas, por parte da população afetada, a Câmara Municipal de Ourém tomou a iniciativa de propor a alteração de algumas passagens. Deste facto, resultou a supressão da PA4.
XV)Esta alteração foi objeto de um acordo celebrado entre o município de Ourém e a subconcessionária, em Outubro de 2010 e terá sido compensada pela execução de uma passagem ao Km 9,300.
XVI) A EP, SA, tomou conhecimento do acordo celebrado por lhe ter sido enviado pelas partes envolvidas.
XVII) Argumenta, portanto, que a supressão da PA4 foi efetuada a pedido da câmara municipal, seguida de acordo com a subconcessionária e sem qualquer intervenção sua.
XVIII) Esta alteração deu lugar às primeiras reações dos moradores locais, em face das quais a Câmara Municipal de Ourém terá deliberado, em 07.10.2011, assumir a disponibilidade para financiar uma nova passagem, exigida pelos queixosos, como forma de compensar a eliminação do acesso pretérito.
XIX) Vejamos as razões por que considero, não obstante, recair sobre a EP-Estradas de Portugal, SA, a obrigação de providenciar por uma ligação entre os lugares de Pinheiro e Louçãs.
(B)
ANÁLISE
I) Na obra pública, seu projeto e execução, a EP-Estradas de Portugal, S.A., intervém em múltiplas qualidades e com diferentes estatutos:
a. Como proponente do projeto de construção, nos termos do contrato de concessão outorgado com o Estado[1], apresentando-se como dona da obra;
b. Enquanto proponente da avaliação do impacto ambiental;
c. Como outorgante do contrato de subconcessão à AELO–Auto Estradas do Litoral Oeste, S.A.;
d. A título de autoridade licenciadora;
e. Como entidade expropriante, adotando a resolução de expropriar (artigo 10.º do Código das Expropriações) e requerendo ao Governo a declaração de utilidade pública (artigo 12.º);
f. Como autoridade incumbida, por despacho ministerial de 09/12/2008, de verificar a conformidade do projeto de execução com a declaração de impacto ambiental, através do RECAPE, apresentado pela subconcessionária.
II) A subconcessionária encontrava-se, nos termos legais e nos termos do contrato de subconcessão, obrigada a cumprir e a fazer cumprir o projeto aprovado.
III) A passagem agrícola denominada PA4 encontrava-se prevista no projeto, como medida de minimização do impacto da obra, sobretudo pela sua importância social, a fim de permitir a reaproximação das populações territorialmente afastadas pela execução do IC9.
IV) A EP-Estradas de Portugal, S.A., possuía, no âmbito das múltiplas funções de que se encontrava investida, diversos instrumentos ao seu alcance e que lhe teriam permitido impedir a alteração do projeto, à revelia das prescrições legais aplicáveis.
V) Note-se que não era só a concedente, não era apenas a autoridade licenciadora, mas também a autoridade incumbida de controlar a conformidade do projeto de execução com a DIA.
VI) Tendo conhecimento que, depois da aprovação do projeto de execução, este viera a ser alterado ilicitamente, esperava-se que a EP-Estradas de Portugal, SA, adotasse providências adequadas para impedir a ilegalidade e salvaguardar os legítimos interesses dos moradores.
VII)Para este efeito, parece pouco relevante a motivação explícita ou implícita dos queixosos que justificou a contestação da eliminação da PA4. O que releva é a eliminação da PA4, à revelia do projeto de execução aprovado e sem observar a tramitação legalmente exigida.
VIII) Com efeito, se o projeto aprovado foi submetido, entre outros trâmites procedimentais, à discussão pública e à verificação da sua conformidade com a DIA, qualquer alteração do mesmo teria de ser submetida ao mesmo procedimento.
IX) De outro modo, viola-se o regime jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental[2] bem como princípios fundamentais de direito ambiental e de ordenamento do território, como sejam o princípio da publicidade e o princípio da participação pública. Acresce que estes princípios traduzem direitos fundamentais constitucionalmente protegidos[3].
X) É certo que, nos termos do disposto no n.º 41.1 do contrato de subconcessão, a subconcessionária responde pelo restabelecimento das vias de comunicação existentes e interrompidas pela construção da via.
XI) Contudo, esta responsabilidade produz efeitos apenas na relação entre a subconcessionária e a EP-Estradas de Portugal, S.A, a autoridade que adjudicou a concessão da obra pública.
XII)A estipulação deste dever da subconcessionária não produz qualquer efeito nas relações externas com os particulares.
XIII) Conforme, em caso análogo, concluiu o Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 11 de janeiro de 2012[4]:
«A obrigação perante os particulares de repor as condições que existiam antes da construção das vias que estão por lei a seu cargo como forma de indemnização por reconstituição natural, cabe à sociedade Estradas de Portugal, S.A. que, como contrapartida, tem as prerrogativas de autoridade que a concessionária não dispõe – artigo 10.º (Estatuto) do Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro.
A responsabilidade extracontratual neste domínio, o que está aqui em causa, recai por determinação expressa da lei sobre a sociedade Estradas de Portugal, S.A. – alínea h) do n.º 2 deste artigo 10.º».
XIV) O dever de garantir a fiel execução do projeto, sem atropelos nem preterições, incumbe à EP-Estradas de Portugal, SA. É para bem exercer este tipo de incumbências que o Estado lhe faculta o exercício de prerrogativas de autoridade pública muito significativas.
XV) O suposto entendimento entre o município de Ourém e a subconcessionária não apresenta qualquer valor jurídico, a não ser como facto ilícito, pois um e outra agiram ultra vires.
XVI) Ao deixar de opor-se, em tempo, a esta vicissitude, completamente alheia à confiança depositada pelos moradores no projeto de execução, na declaração de impacto ambiental e no RECAPE, a EP-Estradas de Portugal, SA, assumiu a responsabilidade civil pelos danos que viessem a ser imputados ao facto que indevidamente tolerou.
XVII) Em suma:
– Trata-se de uma alteração superveniente do projeto aprovado, em violação da declaração de impacto ambiental e do próprio RECAPE, sem observância das regras de participação pública, e por simples acordo entre o município e a sub-concessionária, com a anuência da EP-Estradas de Portugal, S.A.;
– A responsabilidade civil pela reposição da legalidade é imputável à EP-Estradas de Portugal, S.A., que não empregou a diligência que seria própria das prerrogativas de autoridade pública das quais se encontrava investida;
– Isto, sem prejuízo de a EP-Estradas de Portugal, SA, se o entender, vir a exercer direito de regresso sobre o município de Ourém e sobre a adjudicatária.
(C)
CONCLUSÕES
Assim, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º17/2013, de 18 de fevereiro e em face das motivações precedentemente expostas, entendo, RECOMENDAR à concessionária superiormente representada por V. Ex.ª. as medidas necessárias para que a legalidade seja reposta, através da obra de execução da PA4 ou, se esta hipótese for hoje tecnicamente inviável (devido ao estado de execução da obra) por meio da construção, ao menos, de uma passagem aérea no local.
Dignar-se-á V. Ex.ª comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
Alfredo José de Sousa
[1] Minuta aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 174-A/2007, de 23 de novembro.
[2] Decreto-Lei .n.º 69/2000, de 3 de maio.
[3] Cfr. artigos 65.º, n.º 5 e 66.º, n.º 2 da Constituição.
[4] Cfr. Processo n.º 1178/04.0BEPRT , 1.ª Secção – Contencioso Administrativo.