Sua Excelência
A Ministra da Justiça
Praça do Comércio
1149-019 Lisboa
 
 
 
 
 
 
 
                                                                                   Q-6759/12 (A5)
 
 
 
Assunto:     Tribunal do Comércio de Lisboa.
 
 
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 08/A/2013
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)
 
 
1. O Estatuto do Provedor de Justiça ([1]) dispõe que «ficam excluídos dos poderes de inspeção e fiscalização do provedor de Justiça os órgãos de soberania (…), com exceção da sua atividade administrativa» (artigo 22.º, n.º 2), pelo que a minha intervenção em assuntos judiciais está limitada aos aspetos administrativos, como o atraso judicial e a organização judiciária, e é assegurada, ao abrigo do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto, «através do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público ou do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conforme os casos».
 
2. As circunstâncias que levam a que me dirija a Vossa Excelência têm a ver com a grave situação do Tribunal do Comércio de Lisboa em termos de pendências, com a consequente (in)capacidade de resolver os processos em «prazo razoável», o que é suscetível de violar o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República e o §1.º do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
3. Para além do número de queixas que venho recebendo ([2]), a perceção que tenho da situação do Tribunal do Comércio de Lisboa advém-me essencialmente da constatação de situações de intolerável atraso na resolução dos processos.
 
4. Com efeito, para além de diversos de 2008 ([3]) e 2009 ([4]), ainda aguardo a resolução de um processo de 2002 ([5]), situação que é tão mais grave quanto se trata de uma insolvência que, como é consabido, tem caráter de urgência, «incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos», gozando portanto «de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal» (n.º 1 do artigo 9.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
 
5. Por outro lado, a difícil situação da economia tem vindo a motivar um substancial aumento de solicitações nas diferentes áreas de competência dos tribunais do comércio, e as demoras nos tribunais do comércio trazem consigo consequências, não só meramente económicas, mas — e especialmente — de cariz social.
 
6. As Estatísticas da Justiça dão conta, de forma impressiva, da evolução da situação do Tribunal do Comércio de Lisboa ao longo dos últimos dez anos em termos de pendências:
 
 
 
 
 
 
 
Entrados
Findos
Pendentes
2012
5488
3799
15 706
2011
5125
4356
14 017
2010
5052
3923
13 248
2009
4351
3069
12 119
2008
4053
2692
10 837
2007
3055
1841
9476
2006
2293
1562
8759
2005
2557
1258
6168
2004
2362
1289
5234
2003
2222
1364
4161
 
7. Importa também ter presente que o Tribunal do Comércio de Lisboa tem a competência material que resulta do disposto no artigo 121.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto ([6]) —- vulgo, a Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais —, pelo que lhe  compete preparar e julgar os processos de insolvência; as ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; relativas ao exercício de direitos sociais; de suspensão e de anulação de deliberações sociais; de liquidação judicial de sociedades; de dissolução de sociedade anónima europeia; de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais e as ações a que se refere o Código do Registo Comercial, para além das impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais — competência material que abrange, ainda, os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.
 
8. Não deixo de referir, como medida muito positiva, a criação, pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, dos tribunais de competência especializada para propriedade intelectual e de competência especializada para a concorrência, regulação e supervisão: o Tribunal da Propriedade Intelectual com sede em Lisboa e cuja área de competência se alargará a todo o território nacional, composto por 2 juízos, com 1 juiz cada; e o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que terá sede em Santarém e cuja competência territorial igualmente se estenderá a todo o território nacional e também será composto por 2 juízos, com 1 juiz cada.
 
9. Mas, ainda assim, a competência territorial é muito vasta ([7]Tribunal do Comércio de Lisboa, tendo sede em Lisboa, compreende na respetiva área de competência as comarcas de Almada, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Moita, Montijo, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal e Vila Franca de Xira. ): o
 
10. O quadro de pessoal da secretaria judicial do Tribunal do Comércio de Lisboa consta do mapa anexo à Portaria n.º 721-A/2000, de 5 de setembro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 9-A/2000, de 5 de setembro, e alterada pelas Portarias n.os 821/2005, de 14 de setembro; 949/2007, de 16 de agosto; 170/2009, de 17 de fevereiro; 309/2011, de 21 de dezembro; e 83/2012, de 29 de março.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRIBUNAL DO COMÉRCIO DE LISBOA
 
 
Pessoal / categoria
 
SECRETARIA
 
Secretário de justiça
1
Telefonista
1
 
SERVIÇOS JUDICIAIS
(Secção central e 4 secções de processos)
 
Escrivão de direito
5
Escrivão-adjunto
9
Escrivão auxiliar
13
 
11. Contudo, ainda que a situação do Tribunal do Comércio de Lisboa esteja próxima da rutura, estarão por preencher, segundo julgo saber, dois lugares de escrivão auxiliar.
 
12. Afigura-se igualmente escasso o quadro de Juízes, o que terá motivado a recente colocação no referido tribunal de dois juízes-auxiliares: de facto, o Tribunal do Comércio do Lisboa é composto por 4 juízos e integram o respetivo quadro um juiz por juízo, o que perfaz um total de 4 juízes.
 
13. Compreende-se, portanto, que os problemas do Tribunal do Comércio de Lisboa sejam, amiúde, referidos pelos magistrados ao Conselho Superior da Magistratura, sendo depois por este órgão encaminhados para o Provedor de Justiça, dando conta de que a lentidão processual que motiva as queixas provém de problemas a montante do julgamento das ações, a saber: a escassez de recursos humanos e o número de pendências. A gravidade da situação pode ser aferida pela informação prestada pelo Juiz Auxiliar ao Conselho Superior da Magistratura — e, através deste, ao Provedor de Justiça — sobre a demora verificada num determinado processo judicial urgente ([8]), e que me permito transcrever:
 
 
«Sem embargo do CSM ter tentado colmatar a falta de juízes com a colocação de mais dois juízes auxiliares neste ano judicial (…), a DGAJ manteve a estrutura habitual das secções, sem tomar em consideração quer as medidas tomadas pelo CSM, quer a especificidade do serviço, nomeadamente a natureza urgente do processo insolvencial, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos (cfr. art. 9.º do CIRE) e o excessivo volume de serviço exigido aos funcionários (só um processo desta natureza pode determinar a extracção de mais certidões que uma secção normal de uma vara ou juízo cível/criminal ao longo de um ano).»
 
14. Estando a matéria do recrutamento e colocação de funcionários sob alçada da Direção-Geral da Administração da Justiça, caber-lhe-á ponderar eventual reforço dos meios humanos nos tribunais.
 
15. Tenho presente o esforço que tem sido feito na designada revisão da reforma da organização judiciária, consubstanciado na apresentação de propostas de reorganização do mapa judiciário, designadamente constante do documento da Direção-Geral da Administração da Justiça, de janeiro de 2012, «Ensaio para reorganização da estrutura judiciária» ([9]), no qual é avançado o propósito de virem «a ser ponderadas medidas de eventual reforço da capacidade de resposta para o universo das insolvências» (pág. 24).
 
16. Entendo, pois, ser este o momento adequado para que também o Provedor de Justiça enderece os contributos que julgue pertinentes, ao abrigo da disposição contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 20,º do Estatuto, no sentido de contribuir para a «melhoria da organização e procedimentos administrativos dos (…) serviços» públicos.
 
17. Pelo que, no uso do poder que me é conferido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, RECOMENDO a Vossa Excelência que:
 
Sejam tomadas as medidas necessárias em ordem à dotação dos serviços judiciais do Tribunal de Comércio de Lisboa de meios humanos adequados do desempenho regular da sua missão.
 
18. Permito-me lembrar a Vossa Excelência a circunstância da formulação da presente Recomendação não dispensar, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, a comunicação a este órgão do Estado, em 60 dias, da posição que vier a ser assumida em face das respetivas conclusões.
 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
 
(Alfredo José de Sousa)
 
 


[1] Aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e alterado pelas Leis n.º 30/96, de 14 de agosto, e n.º 52-‑A/2005, de 10 de outubro, e n.º 17/2013, de 18 de fevereiro.
[2] Nos últimos anos, foram recebidas as seguintes, sobre demoras verificadas em processos do Tribunal do Comércio de Lisboa: em 2009 – 4 queixas; em 2010 – 3; em 2011 – 5; em 2012 – 8; e em 2013 (até à data) – 7.
[3] O processo n.º 788/08.0TYLSB
[4] Os processos n.º 644/09.5TYLSB e n.º 1073/09.6TYLSB.
[5] O processo n.º 266/2002.
[6] Cuja redação foi alterada pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho.
[7] Conforme resulta do mapa VI do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de maio, alterado, por último, pelo Decreto n.º 67/2012, de 20 de março, que regulamenta a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
[8] No caso, tratava-se do processo n.º 941/10.7 TYLSB, do 3.º Juízo, cuja demora motivou queixa ao Provedor de Justiça tratada a coberto da instrução do Q-5927/12 (A5).
[9] Consultado em: http://www.dgpj.mj.pt/