Sua Excelência
O Ministro da Educação e Ciência
Av. 5 de Outubro, n.º 107
1069-018 LISBOA
 
 
 
 Assunto: Concurso nacional de docentes 2011/2012.Queixa apresentada por docente candidata ao concurso. Movimento da bolsa de recrutamento divulgado em 31.10.2011.
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 14/A/2013
(Artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)
 
 
I – Introdução
 
1. A docente supra identificada dirigiu-me uma queixa, alegando que, no âmbito do concurso nacional de docentes para o ano escolar 2011/2012, foi ultrapassada por um docente com graduação inferior, no âmbito das colocações realizadas através das bolsas de recrutamento divulgadas em 31.10.2011 (BR8), porquanto o horário em questão foi indevidamente qualificado como temporário quando corresponderia, segundo a queixosa, a uma necessidade anual.
2. De tal facto resultou que o posto de trabalho em causa não foi ocupado pela queixosa – que, na sua candidatura, optou pela colocação apenas em contratos de duração anual –, mas por docente com graduação inferior que, aquando da apresentação a concurso, manifestou preferência por colocações de natureza temporária e anual. Invocou, ainda, que, não obstante ter apresentado recurso hierárquico daquela decisão de colocação, nunca o mesmo logrou obter decisão por parte do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar.
3. Sobre a queixa foi ouvido o (então) Diretor-Geral dos Recursos Humanos da Educação, a quem se solicitou a confirmação da situação de facto exposta e bem assim que procedesse à «reconstituição da situação que existiria caso o horário em questão tivesse sido adequadamente introduzido na aplicação informática como de duração anual, de modo a aferir se teria sido atribuído, na 8.ª bolsa de recrutamento, à queixosa».
4. Da resposta prestada – tardiamente – pela entidade visada na queixa nada consta sobre a situação exposta, nem sobre as informações concretamente solicitadas. Ao invés, procedeu aquela entidade a uma análise de natureza abstrata sobre o dever de decisão administrativa para concluir, por um lado, que a falta de decisão de recurso hierárquico não traduz a violação daquele dever e, por outro, que:
 
«as garantias de defesa, nomeadamente a contenciosa, que representa a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos e dos interesses legítimos dos particulares, encontram-se devidamente asseguradas face à omissão de decisão da Administração dos recursos hierárquicos em questão».
 
5. A divergência entre o pedido e a resposta prestada não permitiram considerar cumprido o dever de colaboração com o Provedor de Justiça, que impende sobre os poderes públicos e que se encontra expressamente consagrado no art.º 23.º, n.º 4, da Constituição e no art.º 29.º do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de abril), pelo que foi solicitada a intervenção do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar sobre o assunto. A resposta, porém, veio prestada novamente pelo (agora) Diretor-Geral da Administração Escolar e constava apenas do seguinte: «os recursos interpostos pela docente … ainda se encontram em fase de apreciação».
6. Mantendo-se inalterada a situação jurídico-funcional da docente que motivou a sua queixa e observado já o dever de audição prévia das entidades nela visadas – o Diretor-Geral da Administração Escolar e o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar –, resta-me dirigir a Vossa Excelência a presente Recomendação, com vista a que seja reparada a injustiça que aquela situação comporta.
 
II – Da situação objeto de queixa
 
7. A docente concorreu ao concurso nacional de docentes aberto pelo Aviso n.º 9514-
-A/2011 (publicado no Diário da República, de 21.04.2011), tendo ficado ordenada nas listas definitivas de ordenação dos candidatos a contratação, dos Grupos de Recrutamento 300 (Português) e 330 (Inglês), com o n.ºs de ordem, respetivamente, de …. e …. .
8. Na sua candidatura, manifestou preferência por contratos de duração anual, nos termos do art.º 12.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro, ou seja, por contratos a celebrar durante o 1.º período letivo, com termo a 31 de agosto.
9. Não tendo obtido colocação no procedimento de contratação, integrou a bolsa de recrutamento, no âmbito da qual não logrou igualmente ser colocada no exercício de funções docentes.
10. No movimento da bolsa de recrutamento divulgado em 31.10.2011 (designada por BR8), verificou ter sido colocado, em horário do grupo 330, no Agrupamento de Escolas de … (código …), estabelecimento que a queixosa havia indicado entre as suas preferências, um docente com graduação inferior à sua: … (candidato n.º …), com o n.º de ordem ….
11. No âmbito da instrução do processo aberto com base na queixa da docente, apurou este órgão do Estado junto da escola que o referido horário destinava-se a suprir a necessidade de substituição de uma outra docente a quem foi deferido pedido de mobilidade, com duração até 31.08.2012.
12. Não obstante, a escola, ao introduzir o horário na aplicação informática, qualificou–o como temporário, baseada na errónea convicção de que essa seria a qualificação a atribuir a todos os horários iniciados naquele momento.
13. Por força da indevida qualificação do horário como temporário, foi o mesmo preenchido através da colocação do docente identificado em 10., enquanto a queixosa, com melhor graduação, não obteve colocação.
 
 
 
III – Apreciação
 
14. Da factualidade exposta resulta que a inadequada qualificação como temporário do horário em questão implicou a violação das regras do concurso, na medida em que não foi verificada a existência de docentes com graduação superior que tivessem optado por contratos com a real natureza deste, ou seja, contratos com duração até 31 de agosto. Ou seja, a errónea intervenção da escola no procedimento concursal – qualificando como temporário horário que tinha duração anual – projetou na decisão de colocação o desvalor jurídico da invalidade, por violação da norma contida no art.º 58.º-A, n.º 3, do diploma supra referido, nos termos da qual «a aplicação eletrónica seleciona o candidato respeitando a ordenação do artigo 38.º-A e as preferências manifestadas».
15. E porque sobre os órgãos da Administração impende o dever de atuar em obediência à lei e ao direito (art.º 266.º, n.º 2, da Constituição e art.º 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), a verificação do exposto exigia à Direção-‑Geral da Administração Escolar que substituísse a decisão inválida por outra que não comportasse o mesmo vício, para o que se tornava necessário reconstituir a situação que existiria caso o horário em questão tivesse sido adequadamente introduzido na aplicação informática como de duração anual, de modo a aferir a qual dos docentes constantes da bolsa teria sido atribuído.
16. Em qualquer caso, estamos perante um ato ilícito e culposo da Administração, na medida em que violou, quer as normas legais que regem os concursos e, em especial as colocações através da bolsa de recrutamento, quer a diligência exigível nessa tarefa, sendo irrelevante, para o efeito, a identificação, em concreto, dos respetivos autores materiais.
17. Sobre o dever de decisão dos recursos hierárquicos – que, como se viu, não constitui a questão central objeto da queixa –, creio que basta reproduzir, no essencial, o que o Provedor de Justiça transmitiu ao Diretor-Geral da Administração Escolar, posteriormente levado ao conhecimento do Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar: se o art.º 9.º do Código do Procedimento Administrativo consagra o dever geral de decisão administrativa, e o art.º 158.º do mesmo Código reconhece aos particulares o direito de solicitar a revogação ou modificação dos atos administrativos, através de reclamações e recursos, somos levados a concluir, como Esteves de Oliveira e outros[1], que este preceito configura os meios impugnatórios «como direitos formais dos interessados (…) a uma decisão administrativa, com o correspetivo dever de decisão da Administração».
18. O que, como certamente compreenderá, não posso assentir, porque desconforme com o mandato constitucional em que fui investido, é que a Administração, ao invés de cumprir o dever de colaboração com o Provedor de Justiça, prestando os esclarecimentos necessários à tomada de posição sobre as queixas, se limite a alegar que o cidadão dispõe ainda de garantias de defesa, em especial de natureza contenciosa, relativamente à omissão de decisão administrativa pela qual a mesma entidade administrativa é responsável. Como oportunamente se salientou, a atuação do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na lei (art.º 4.º do Estatuto), pelo que a circunstância de a queixosa poder lançar mão dos meios de impugnação contenciosa – o que nunca se questionou – não afasta o dever deste órgão de apreciar a queixa, como não exime a Administração do dever legal de colaboração nesta função, nem do dever legal de decisão.
 
IV – Recomendação
 
São estas as razões, Senhor Ministro, que, no exercício do poder que me é conferido pela alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de abril, me levam a RECOMENDAR:
 
a) Que determine que a Direção-Geral da Administração Escolar apure qual o teor da decisão de colocação que teria sido proferida no movimento da bolsa de recrutamento divulgado em 31.10.2011 caso o horário em questão tivesse sido adequadamente introduzido na aplicação informática como de duração anual e, em concreto, se teria gerado a colocação da interessada no mesmo horário;
b) Caso se venha a concluir nesse sentido, que promova a reconstituição da situação que atualmente existiria se a docente tivesse sido colocada no horário em questão, compensando-a dos prejuízos sofridos com a decisão ilegal, designadamente, no plano remuneratório e de contagem de tempo de serviço.
 
Solicito, ainda, a Vossa Excelência que, em cumprimento do dever consagrado no art.º 38.º, n.º 2, do mesmo Estatuto, se digne informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.
 
 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
 
 
(Alfredo José de Sousa)


[1] Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1999, comentário II ao art.º 158.º.