Exmo. Senhor

Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais

Travessa da Cruz do Torel, n.º 1 

1150-122 Lisboa

 

 

– por protocolo –

 

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019

 

 

Recomendação n.º 1/2019/MNP

 

 

I.         Ordem de motivos

 

Em 2016, o Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Mecanismo Nacional de Prevenção ou MNP) publicou um relatório especial sobre os centros educativos.[1] No ano seguinte, foram realizadas visitas de seguimento para verificação, no terreno, das recomendações ali formuladas. Em 2018, manteve-se uma lógica de monitorização contínua de centros educativos, com base na ideia de colaboração com as autoridades responsáveis pelos locais visitados. A planificação do ciclo de visitas do ano transato[2] teve em conta, entre outros, três fatores:

1.      A reabertura do Centro Educativo de Vila do Conde, no início de 2018;

2.      O número elevado de menores institucionalizados com patologias do foro mental diagnosticadas, sobretudo nos jovens situados na faixa etária dos 16 anos;[3]

3.      A entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 42/2018, que regula as condições de instalação e funcionamento das casas de autonomia a que se refere a Lei Tutelar Educativa (cf. o número 12 do artigo 158.º-A), sendo que a respetiva concretização havia sido recomendada pelo MNP.[4]

Os elementos recolhidos ao longo das últimas visitas, bem como o tratamento das informações complementarmente recebidas pelos responsáveis, conduzem à formulação da presente recomendação. Em particular, há duas áreas cuja relevância e urgência aconselha à presente tomada de posição que remeto a V. Exa., seguindo-se a análise das mesmas.

 

II. Saúde Mental

 

A saúde mental, nomeadamente quando associada à realidade dos jovens em espaço de detenção, é uma área que tem merecido uma atenção especial por parte do MNP, pela sua relevância e impacto no bem-estar individual dos jovens educandos privados de liberdade. Neste contexto, em 2015, foi solicitada a colaboração dos centros educativos no preenchimento de um questionário que procurou aferir os programas terapêuticos existentes. O questionário integrava questões atinentes às patologias do foro mental e aos modelos de assistência psicológica aos educandos.

As conclusões apresentadas no relatório especial, decorrentes da análise dos dados obtidos, apontavam então para deficiências ao nível do diagnóstico de patologias infantojuvenis, bem como na prevenção de condutas disruptivas. Registou-se, ainda, a existência de um défice de atuação nos jovens que apresentavam, em simultâneo, patologias do foro mental e problemas comportamentais profundos. Tal resultava, pelo menos em parte, do reduzido número de quadros médicos especializados, designadamente na área da pedopsiquiatria – problema que, hoje, se mantém.

De acordo com informações disponibilizadas, em finais de 2015, pela Direção-Geral dos Serviços de Reinserção e Serviços Prisionais, estaria já em fase de ultimação a criação e instalação de uma unidade terapêutica autónoma para os casos agudos de saúde mental, que, pela sua própria natureza, mais preocupações levantam.[5] Contudo, e lamentavelmente, volvidos mais de três anos e a efetiva concretização desta medida ainda não se tornou uma realidade.

O contexto agora descrito revela-se ainda mais gravoso se atendermos à ausência de alternativas válidas de tratamento para os jovens, e à não criação de unidades de cuidados continuados integrados de saúde mental, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 8/2010, de 28 de janeiro.[6] A definição de critérios objetivos destinados a identificar as equipas e unidades piloto para a prestação de cuidados continuados e integrados de saúde mental é um dos principais vetores do novo Plano Nacional de Saúde Mental, atualizado para o período 2017-2020.[7][8] Espera-se que, com a implementação do mesmo, se efetive essa mesma prestação de cuidados continuados integrados de saúde mental aos jovens educandos.

A ausência de intervenção atempada e a falta de medidas conducentes a um tratamento adequado deste tipo de anomalias contribui para uma conclusão indesejável: os centros educativos acabam por se revelar como único instrumento (nem sempre idóneo) para albergar uma população composta por jovens em percurso de risco, mais do que de delinquência, e em patamares de inimputabilidade agravada em razão da doença. Em certos casos, tratar-se-á de menores doentes ao cuidado do Estado, sem que lhes seja atribuído tal estatuto, em razão da ausência de opções válidas de tratamento.

Assim, é urgente a criação de mecanismos de resposta adequados, em matéria de saúde mental.

 

1. Em face do exposto, o MNP recomenda que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais instale, em articulação com as autoridades da Saúde, ainda durante o presente ano, uma unidade terapêutica destinada ao tratamento de casos agudos diagnosticados no panorama da saúde mental. Em alternativa, poderá ser pensada a criação de valência no âmbito das unidades piloto para a prestação de cuidados continuados integrados de saúde mental, agora em alegada fase de concretização.

2. Complementarmente, o MNP recomenda à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, em articulação com as autoridades da Saúde, seja reforçado o contingente de quadros médicos especializados (pedopsiquiatras) nos diversos centros educativos, de forma a que o diagnóstico de casos mais complexos se processe de forma mais célere.

III. Contactos com o exterior

 

Os jovens a cumprir medida de internamento em centro educativo têm uma vulnerabilidade especial decorrente da sua própria idade. Encontrando-se numa fase inicial da sua vida, os seus comportamentos delinquentes indiciam a existência de necessidades específicas às quais se deve responder durante a execução da medida de internamento. Os contactos com o exterior, nomeadamente com a família, são, por norma, fundamentais num período particularmente complicado da vida do jovem educando. Manter elos de ligação fortes com o mundo exterior é crucial para a efetiva reinserção do jovem após saída do centro educativo. Salvaguardando situações críticas e limitações identificadas pelo Tribunal, deve incentivar-se a manutenção e desenvolvimento de relações com o exterior, para atenuar os efeitos nocivos decorrentes da exclusão e reclusão associadas ao internamento. Neste contexto, cumpre analisar dois tópicos em maior detalhe.

Em conversas mantidas com um número alargado de educandos em cumprimento de medida de internamento, é frequente o MNP receber queixas sobre o reduzido tempo para a realização e recebimento de chamadas telefónicas do exterior, sobretudo para contactar familiares. Por regra, a um jovem em tais condições é permitido efetuar duas chamadas semanais (com duração de três minutos cada) e receber três (duração de cinco minutos), para um total de vinte minutos por semana.[9]

No mais, constatou-se igualmente que o contacto direto, através de visitas, nem sempre ocorre com a frequência desejada. Por vezes, o recebimento de visitas é limitado pela própria distância geográfica entre o centro educativo e a residência da família – que, não raras vezes, tem recursos financeiros limitados que dificultam a regularidade de deslocações que representam um encargo elevado.

A temática em questão foi discutida com alguns dos responsáveis pelas casas visitadas, tendo sido relatado que decorrerá procedimento interno promovido pela Direção-Geral, destinado à revisão do regulamento interno dos centros educativos. Tal procedimento visará, entre outros, introduzir alterações significativas ao modelo vigente para realização e duração dos contactos dos jovens com o exterior, mormente através do telefone. Ainda assim, entendo levar ao conhecimento de V. Exa. as minhas reflexões sobre este assunto, o qual, creio, é de importância vital para a preparação dos alicerces que conduzirão à saída do educando em condições de sucesso.

 

3. O MNP recomenda à Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais que sejam revistos, durante os próximos três meses, os tempos de realização e receção de chamadas telefónicas dos jovens para o exterior, aumentando a frequência das mesmas bem como a respetiva duração. A utilização critérios internos de reconhecimento e valorização do desempenho do jovem em termos de evolução e autonomização é uma estratégia que pode ser utilizada para recompensar jovens, mas nunca para os prejudicar. Assim, pode complementar o sugerido aumento do número mínimo garantido e duração das chamadas, que a todos beneficie.

 

4. O MNP recomenda também que, nesse âmbito, sejam ponderadas formas alternativas de contacto (v.g. videochamada) sempre que os educandos se encontrem geograficamente deslocados do respetivo meio familiar, primacialmente em datas festivas.

Por tudo, na convicção de que o empenho pessoal de V. Exa. nas matérias aqui versadas possa permitir corrigir procedimentos futuros, dirijo a presente recomendação, ao abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Com os melhores cumprimentos,

 

A Provedora de Justiça

Mecanismo Nacional de Prevenção

 

(Maria Lúcia Amaral)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                          

 



[2] Uma delas contando com a presença de elementos do SPT Subcommittee on Prevention of Torture»), das Nações Unidas, no mês de maio.

[3] 58% do total de casos sinalizados pelos centros, na sequência do preenchimento do questionário elaborado pelo MNP, no âmbito do relatório especial de 2015.

[4] Vd. relatório, cit., pág. 94. As casas de autonomia, seguindo o n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei, são unidades residenciais que têm por finalidade acolher temporariamente os jovens em período de supervisão intensiva, facultando-lhes um quotidiano personalizado de tipo familiar no qual se criem as condições de aproximação ao contexto real da sua futura reintegração social. O seu intuito, claro está, consiste na prevenção do risco de reincidência criminal dos jovens saídos de centos educativos.

[5] Cf. pág. 113 do relatório especial.

[6] Decreto-Lei que institui a última vertente estrutural do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, e procedeu ao alargamento da rede nacional de cuidados continuados integrados (RNCCI).

[7] Cf. o Despacho nº 1269/2017 de 6 de fevereiro, que autoriza as Administrações Regionais de Saúde, a assumir os compromissos plurianuais dos contratos-programa celebrados com as entidades integradas ou a integrar a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), na área específica da saúde mental, em: https://dre.pt/home/-/dre/106396948/details/maximized?serie=II&parte_filter=31&dreId=106396928.

[8] A reorganização dos Serviços de Psiquiatria da Infância e Adolescência constitui também uma das propostas constantes do «Relatório da Avaliação do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 e propostas prioritárias para a extensão a 2020», disponível em https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2017/08/RelAvPNSM 2017.pdf.

[9] O número e duração de chamadas pode variar em virtude do regime de execução da medida de internamento, e da respetiva fase em que se encontrar o jovem educando. Vd. os regulamentos internos dos centros educativos.