Provedor de Justiça recomenda à Secretaria de Estado da Saúde que não sejam admitidos mais ‘ajudantes de farmácia’ ao abrigo do ‘registo de prática’
No sentido de clarificar os requisitos necessários ao acesso à profissão de técnico de farmácia, o Provedor de Justiça recomendou recentemente à Secretaria de Estado da Saúde que, de forma definitiva, “não sejam admitidos mais ‘ajudantes de farmácia’ ao abrigo do revogado ‘registo de prática’”. Este entendimento deverá ser divulgado junto dos representantes do sector farmacêutico, “esclarecendo que o ingresso na profissão de técnico de farmácia está dependente de qualificação e de habilitações profissionais de nível superior”.
As razões que estiveram na base das queixas apresentadas por entidades representativas dos profissionais de farmácia à Provedoria de Justiça prendem-se com o facto de o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) ter continuado a considerar suficiente para aceitar a inscrição de novos técnicos de farmácia a certificação da experiência profissional decorrente da prestação efectiva da actividade por determinados períodos de tempo, conhecida como “registo de prática”, mesmo após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, que veio instituir a profissão de técnico de farmácia, estabelecendo como requisito de acesso a detenção de determinadas habilitações académicas distintas da experiência profissional. Os reclamantes consideraram que o “registo de prática” potencia a possibilidade de exercício não qualificado da profissão e que pode ser aproveitado pelos proprietários de novas farmácias para contratação de mão-de-obra mais barata e desqualificada.
O “registo de prática” foi regulamentado pela Portaria nº 367/72, de 3 de Julho, à qual foram sendo introduzidas alterações pelas Portarias n.ºs 485/78, de 24 de Agosto, 712/87 de 19 de Agosto e 124/90, de 30 de Março. Esta regulamentação consubstanciou-se na criação de várias etapas a que correspondiam períodos temporais mínimos de prestação efectiva de trabalho por parte dos colaboradores de farmacêutico, durante os quais teriam uma formação prática ministrada pelo farmacêutico responsável. Os períodos eram obrigatoriamente registados pelo farmacêutico junto do órgão estadual competente (actualmente, o INFARMED), fazendo-se corresponder às várias etapas funções de crescentes graus de importância. Feita com o propósito de garantir o exercício da profissão de ajudante técnico de farmácia por pessoas minimamente qualificadas, a regulamentação era, na altura em que foi implementada, o único meio de acesso à profissão de ajudante técnico de farmácia e de formação destes profissionais, situação que foi alterada com o já referido Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto.
O processo a que tinha dado origem a queixa havia sido arquivado na sequência de um Despacho do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde datado de 18 de Março de 2002, onde foi considerado que o Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, é aplicável ao pessoal técnico das farmácias do sector privado, ao contrário do que o INFARMED tem defendido. Os reclamantes vieram depois solicitar à Provedoria de Justiça a reabertura do processo, alegando que o INFARMED, actuando à revelia do supra referido Despacho, não só não havia adoptado as providências adequadas ao esclarecimento dos profissionais da actividade farmacêutica a respeito dos requisitos a cumprir pelos candidatos a técnicos de farmácia, como continuou a aceitar novas admissões de “praticantes de farmácia” ao abrigo do revogado “registo de prática”, apesar de ser depois negada aos candidatos a emissão da respectiva carteira profissional pelo Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), ou pelo Departamento de Modernização dos Recursos de Saúde.
A Provedoria de Justiça encetou então sucessivas diligências junto da Secretaria de Estado da Saúde, tendo esta informado que se encontra prevista a criação da figura do “auxiliar de farmácia” no âmbito do Sistema Nacional de Certificação, reconhecendo que tal figura não se confunde, em termos funcionais, com a do técnico de farmácia. O Provedor de Justiça salienta que mesmo a sua eventual criação “não permitirá resolver a ilegalidade do procedimento seguido pelo INFARMED, que continua a aceitar a inscrição de registos de prática para o acesso a uma profissão que, em rigor, já não existe, pois os ajudantes de farmácia que obtiveram as respectivas carteiras profissionais até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, foram integrados na profissão de técnico de farmácia ao abrigo do princípio dos direitos adquiridos assegurado pelos arts.º 4.º, n.º 3 e 6.º desse diploma e, a partir dessa data, deixaram de ser aceites os ‘registos de prática’”. No entendimento do Provedor da Justiça, “só faz sentido ressalvar direitos adquiridos ao abrigo do anterior regime se, naturalmente, se entender que o novo diploma o revogou, instituindo um regime com ele incompatível”.
De acordo com as conclusões do Provedor de Justiça, através Decreto-Lei n.º 320/99, o legislador pretendeu uniformizar numa única profissão – a de técnico de farmácia – toda a área técnica das farmácias, integrando os até então designados “ajudantes de farmácia” já titulares de carteira profissional, assim como os ajudantes em exercício, ou em prática, em vias de a obter. No diploma é referido que, para o ingresso na profissão de técnico de farmácia, passaram a ser exigíveis determinadas habilitações académicas, através de formação reconhecida por curso superior oficial. Pelo que, sublinha o Provedor de Justiça, “desde a data da entrada em vigor do diploma – 11 de Setembro de 1999 – deixou de ser aceitável o ‘registo de prática’”.
O Provedor de Justiça salienta que o assunto se reveste de um inequívoco interesse público, “desde logo, porque o actual regime da venda de genéricos e de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, instituído pelo Decreto-Lei n.º 134/2005, de 16 de Agosto, exige dos técnicos de farmácia uma competência que só a detenção das devidas habilitações poderá assegurar e cuja falta não poderá ser colmatada com o simples ‘registo de prática’”.
Na hipótese de se entenderem como insuficientes as medidas de carácter administrativo ora sugeridas para assegurar o respeito pelo novo regime jurídico de acesso a essa profissão, foi recomendado “que se proceda à alteração legislativa que se repute necessária à consagração expressa da eficácia revogatória do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, em relação ao registo de prática previsto no Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968”.
Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação: http://www.provedor-jus.pt/recomendetalhe.php?ID_recomendacoes=178