Provedor de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de três segmentos de normas (atualização)

O Provedor de Justiça no uso da competência prevista na alínea d), do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de três segmentos de normas.
Solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata do segmento de norma que consta na alínea r), do n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, diploma que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão, na parte aplicável aos trabalhadores das entidades integradas no universo da atividade empresarial prosseguida por entes públicos, em que os capitais sejam maioritariamente públicos, por considerar que viola o artigo 2.º da CRP.
A Lei do Orçamento do Estado (LOE) para 2014 ao determinar, no seu artigo 33.º, a redução remuneratória aplicável ao setor público, incluiu, entre os destinatários, os trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públicos. Em 5 de fevereiro de 2014, o Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Constitucional pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida na alínea r) do n.º 9 do artigo 33.º da LOE para 2014, na parte aplicável àquele círculo de trabalhadores. O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 413/2014, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas constantes do referido artigo 33.º, pelo que não foi apreciado, na sua especificidade, o pedido formulado pelo Provedor de Justiça quanto à redução das remunerações dos trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públicos.
Pela Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, foram estabelecidos novos mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão, tendo o legislador reiterado, na alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º deste diploma, disposição similar à contida na LOE para 2014. Assim, o Provedor de Justiça entendeu renovar os argumentos de inconstitucionalidade, através de novo pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, na medida em que o atual segmento normativo em nada se mostra diferente do anterior e também por uma razão de coerência institucional.
O Provedor de Justiça considera que a norma, na parte aplicável aos trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públicos, não respeita o princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito constitucionalmente consagrado. Considera que na ausência de norma que determine a entrega nos cofres públicos das quantias correspondentes às reduções remuneratórias daqueles trabalhadores, a medida legislativa questionada não cumpre a finalidade de consolidação orçamental, por via da redução da despesa pública, face ao sacrifício que é imposto aos trabalhadores visados. Isto, porquanto, em contraste com o afirmado objetivo, a medida em causa é apta a gerar distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados detentores do capital minoritário remanescente. Frustra-se, assim e na medida equivalente, qualquer escopo de redução da despesa pública a que deveria ser integralmente dirigido o esforço que o legislador também fez recair sobre este específico círculo de trabalhadores.
Os requerimentos Q-47/14 de 5 de fevereiro e o Q-5927/14 de 12 de dezembro podem ser consultados aqui.
Foi ainda requerido ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata dos segmentos de norma previstos na alínea b), do n.º 3 e no n.º 6 do artigo 364.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, atinente à parte que exige a aprovação dos membros do Governo, responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, quanto aos acordos coletivos do empregador público no âmbito da administração autárquica por considerar que as referidas normas violam o princípio da autonomia local acolhido no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição, bem como os termos delimitados para a tutela administrativa contidos no n.º 1 do seu artigo 242.º.
O princípio da autonomia local afirma-se, no horizonte do Estado de Direito democrático, como dimensão estruturante do modo de ser coletivo das autarquias locais, dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão.
É neste recorte normativo que o Provedor de Justiça considera imperiosa a afirmação do “autogoverno” das autarquias locais quanto aos seus trabalhadores. O princípio da autonomia local reclama a plenitude da sua “autodeterminação” para exercer com responsabilidade própria a celebração de acordos coletivos, não sendo admissível que o Estado-legislador aniquile esse espaço irredutível da autonomia local, afetando aquele que é o “espaço incomprimível e essencial” da existência desse princípio.
O espaço de intervenção do Estado-legislador e do Estado-administrador nestas matérias encontra-se circunscrito ao exercício de funções administrativas de tutela, estritamente para verificar o cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos conforme se define no n.º 1 do artigo 242.º da Lei Fundamental.
O requerimento Q-6964/14 de 12 de dezembro pode ser consultado aqui.
1969-12-31