Urbanismo. Obras construção civil complexo habitacional. Operação loteamento. Protecção património arquitectónico e arqueológico. Cércea. Índice utilização bruta. Liquidação taxas urbanísticas. Licença construção.

Data: 2006-01-01
Entidade: Câmara Municipal de Lisboa e Instituto Português do Património Arquitectónico

PARECER
Proc.º: R-3149/05 (A1)
A Provedoria de Justiça vem a investigar, desde 1.08.2005, os factos descritos em queixa apresentada por cidadãos identificados contra o município de Lisboa e contra o Instituto Português do Património Arquitectónico por nada terem oposto, antes terem anuído, à execução de um projecto de obras de edificação em terreno sito entre a Av. Infante Santo, 58 e 58-A, e as ruas do Pau de Bandeira e do Chafariz das Terras, na freguesia dos Prazeres, em terrenos que serviram de instalação a um gasómetro, desde 1954.2. No essencial, os queixosos, moradores nas imediações, dizem ter sido infringida a legalidad urbanística e o regime de protecção ao património arquitectónico classificado, arguindo:

a. estar a ser indevidamente edificada parte da zona de protecção ao Aqueduto das Águas Livres contra o parecer do Instituto Português do Património Arquitectónico que, depois de se ter pronunciado negativamente sobre anteriores versões do projecto imobiliário, viria a levantar as objecções, contanto que se respeitasse uma faixa de respeito de dez metros;
b. não terem sido cumpridos os deveres acessórios de publicidade da operação urbanística, nomeadamente a afixação do pertinente aviso, em local visível, antes de deferida a licença municipal, e ulteriormente a indicação de elementos incorrectos no aviso afixado, em especial, a indicação do número de pisos acima da cota de soleira (r/c + 8) e a altura das edificações (31,5 metros);
c. exceder-se largamente o índice de utilização líquido máximo admitido pelo plano director municipal de Lisboa para a área em questão;
d. encontrar-se ultrapassada a cércea máxima que o mesmo instrumento de gestão territorial admite, pois, ao longo de todo o terreno, em acentuado declive no sentido nascente/poente, há lugar à edificação de oito pisos acima da cota de soleira, ou seja, beneficia-se da mesma cércea em toda a extensão do imóvel, cuja morfologia obrigaria a diferenças significativas na altura da edificação;
e. esbulhar-se uma parcela de terreno municipal, junto à estrema norte, confrontando com o imóvel classificado e compreendida na respectiva zona de protecção;
f. descurar-se o interesse arqueológico do local contra os múltiplos indícios de achados de interesse histórico, reconhecidos por especialistas reputados;
g. constituir-se um pesado volume de tráfego sem o reforço presente ou previsto, num futuro próximo, das vias de acesso rodoviário, relevando, em especial, a utilização de 335 lugares de estacionamento com entrada e saída para a Av. Infante Santo, já demasiado congestionada por servir de ponto de afluxo automóvel por parte do trânsito com origem ou em direcção à Av. 24 de Julho e ao centro da cidade;
h. permitir-se a falta de alinhamento da edificação na Av. Infante Santo, sem cumprimento dos perfis mínimos dos passeios pedonais, definidos no plano director municipal, a menos que por sacrifício, também ilícito, do leito da via pública asfaltada, produzindo estreitamento na circulação automóvel.
3. Parte do imóvel, na verdade, encontra-se compreendido na zona de protecção ao Aqueduto das Águas Livres, classificado parcialmente como monumento nacional por decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, de 23.06.1910, e estendida a classificação a todo o Aqueduto por via do Decreto n.º 5/2002, de 19 de Fevereiro, do Ministro da Cultura. A zona de protecção, sem prejuízo das disposições gerais que impõem parecer vinculativo do IPPAR, nos 50 metros em redor do imóvel classificado, encontra-se definida pela Portaria n.º 512/98, de 10 de Agosto, como zona especial de protecção.4. Por outro lado, encontra-se parcialmente sob aplicação do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 230/91, de 21 de Junho, o qual determina a salvaguarda, a título de servidão administrativa, de uma faixa de respeito de dez metros do limite da parcela de terreno propriedade da Empresa Pública de Águas Livres, S.A., obrigando ao licenciamento por parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.5. No campo estritamente urbanístico e do ordenamento do território, o imóvel subordina-se ao Plano Director Municipal de Lisboa, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º94/94, de 29 de Setembro, com alterações ratificadas pelo Conselho de Ministros através das resoluções n.º 104/2003, de 8 de Agosto, e n.º 20/2004, de 3 de Março. Trata-se, segundo a planta de ordenamento, de área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional, sujeita, por conseguinte, ao enunciado II.D das disposições preliminares e aos artigos 44.º, 45.º, 49.º e seguintes do regulamento.6. A instrução levada a cabo compreendeu as seguintes diligências:

a. audição dos impetrantes, por escrito, com elementos documentais apresentados, e em conferência com os mesmos;
b. interpelações da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente da Direcção Municipal de Gestão Urbanística, em 16.09.2005, do Presidente, em 11.01.2006 e em 16.03.2006, da Vereadora Gabriela Seara, com poderes delegados, em 28.04.2006, da Directora Municipal de Finanças e do Departamento de Património Imobiliário e ainda do Senhor Vice-Presidente, Vereador Fontão de Carvalho, com o pelouro financeiro, em 25.05.2006;
c. interpelação da EPAL, Empresa Pública de Águas Livres, S.A., em 18.08.2005;
d. interpelação do Instituto Português de Arqueologia, em 18.08.2005;
e. interpelação do Instituto Português do Património Arquitectónico, em 18.08.2005;
f. reunião e consulta de documentos na Direcção Municipal de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa, em 18.08.2005;
g. visita ao local da operação, acompanhada pelo Departamento de Gestão Urbanística I, da Direcção Municipal de Gestão Urbanística e pela Direcção Regional de Lisboa do IPPAR, em 5.05.2006;
h. consulta de elementos arquivados na Direcção Regional de Lisboa do IPPAR, em 19.05.2006;
i. consulta da matriz predial do Serviço de Finanças de Lisboa (2.º Bairro, freguesia do Sto. Condestável), em 8.06.2006;j. consulta dos processos instrutores n.º 1512/OB/2000 e n.º 2468/PGU/2004, da Câmara Municipal de Lisboa, apreendidos à ordem do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, em 23.06.2006, doravante referenciados como proc. A e proc. B, respectivamente;
k. consulta da escritura pública lavrada de fls. 47 a fls. 50 do livro de notas 63-M, da Divisão de Notariado e Apoio à Câmara Municipal de Lisboa, outorgada como doação e compra e venda, em 7.04.2004, entre o município de Lisboa e Gabimóvel – Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do Infantado, S.A.
7. O facto de os processos instrutores se encontrarem apreendidos constituiu motivo para os órgãos visados retorquirem às solicitações formuladas com a sistemática indisponibilidade de elementos, ignorando-se por que razão a Câmara Municipal de Lisboa não conservou em seu poder uma cópia, pelo menos, dos actos preparatórios essenciais.
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