Monodocência. Regme especial de aposentação. Exercício de funções sindicais
R-810/10 Assunto: Monodocência. Regime especial de aposentação. Exercício de funções sindicais. Foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça contra o facto de a lei excluir actualmente da aplicação do regime especial de aposentação dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico público em regime de monodocência – a que se referem neste momento as normas do art.º 5.º, n.ºs 7 a 9, do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto –, o tempo de serviço prestado com dispensa da componente lectiva, designadamente – e era este o caso concreto da queixa – por motivo do exercício de funções sindicais. A justificação para a vigência, embora neste momento transitória, do referido regime excepcional assenta na verificação de que os “monodocentes”, que por definição exerceram a sua actividade sem redução da componente lectiva e por natureza o fizeram relativamente a um conjunto de alunos com um nível etário mais exigente, atingem mais rapidamente um maior desgaste pessoal, físico e psíquico, que deverá, por razões de justiça, ser compensado. Tal medida especial visará, assim, compensar esse desgaste relativamente ao tempo de serviço em que as funções de docência foram exercidas nas concretas condições mencionadas. O que significa que esta medida específica está directa e incontornavelmente associada ao modo efectivo como determinadas funções, neste caso de docência, foram exercidas. Isto mesmo justifica, por seu turno, que tal medida não seja, em regra, aplicável ou extensível a outras situações em que o exercício das funções docentes não tenha sido feito, na prática, nos exactos termos que justificaram a sua aprovação, concretamente nas situações de dispensa da componente lectiva. No entanto, importaria saber se, apesar de o legislador ter excluído do regime especial de aposentação, como parece à partida correcto pelas razões acima expostas, o tempo de serviço prestado pelos “monodocentes” com dispensa da componente lectiva, deveria o mesmo legislador ter por sua vez excluído desta excepção a circunstância de essa dispensa da componente lectiva ter sido motivada pelo exercício de funções sindicais, atenta a protecção constitucional concedida aos trabalhadores, designadamente por via do art.º 55.º da Constituição. O art.º 55.º da Constituição, para além de estabelecer um princípio genérico de não discriminação dos trabalhadores no exercício da liberdade sindical, determina, no respectivo n.º 6, que “os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções”. Entendeu o Provedor de Justiça que não estava o legislador obrigado a contabilizar para efeitos do regime de aposentação em causa o tempo de serviço prestado por “monodocentes” com dispensa da componente lectiva por motivo do exercício de funções sindicais, essencialmente por três ordens de razões. A primeira reside no facto de estarem neste momento em vigor, no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e naturalmente no próprio Código do Trabalho, um conjunto de medidas aplicáveis aos trabalhadores que exerçam funções sindicais (incluindo os dirigentes sindicais), designadamente referentes ao crédito de horas, às faltas que excedam o crédito de horas, a uma especial protecção em caso de procedimento disciplinar, despedimento e mudança de local de trabalho, que parecem no seu conjunto adequadas a dar resposta à imposição do legislador constitucional decorrente do art.º 55.º, n.º 6, da Lei Fundamental. Não constando actualmente desse elenco a medida pretendida na queixa, não parece no entanto tal ausência levar, por si, à verificação, em abstracto, de uma inconstitucionalidade por violação daquele preceito constitucional. A segunda ordem de razões refere-se à circunstância de a norma do art.º 5.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 229/2005, apesar de excluir a possibilidade de ser contado, para efeitos do regime especial de aposentação, o tempo de serviço prestado por um “monodocente” em regime de dispensa da componente lectiva por motivo do exercício de funções sindicais, não afastar a aplicação do mesmo regime especial ao tempo de serviço prestado por “monodocentes” que exerçam funções sindicais, desde que esse exercício não imponha a dispensa da componente lectiva. Na verdade, a norma do art.º 5.º, n.º 9, alínea c), do Decreto-Lei n.º 229/2005 não aparece vocacionada para regular a situação do tempo de serviço prestado por docentes com funções sindicais, antes pretende regular a situação do tempo de serviço prestado por docentes com dispensa da componente lectiva. Na prática, tal distinção permite concluir no sentido de que a norma não inviabiliza o exercício de funções sindicais, já que estas podem ser exercidas e o respectivo tempo de serviço contado, desde que não enquadradas pela dispensa da componente lectiva. A terceira ordem de razões prende-se com a jurisprudência do Tribunal Constitucional que aponta para uma interpretação das normas constitucionais protectoras da liberdade sindical no sentido de as mesmas não implicarem, apesar do princípio da não discriminação dos trabalhadores no exercício dessa liberdade, uma paridade absoluta no tratamento destes face aos demais trabalhadores.