Procedimento concursal comum para constituição de relações jurídicas de emprego público, na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado
Objecto: Direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade. Requisitos de admissão não previstos na lei. Exclusão fundada na falta de curriculum vitae assinado e rubricado. 1. Foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça a respeito do projecto de deliberação do Júri de exclusão de candidato do concurso publicitado pelo Aviso n.º 10797/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série – N.º 105 – de 31 de Maio, com fundamento na falta de assinatura do curriculum vitae com que este havia instruído o respectivo processo de candidatura, curriculum vitae que, todavia, se mostrava rubricado (cfr. nºs. 9 e 13 do Aviso). 2. Em sede instrutória do processo R 3968/10 (A4) a que deu origem a referida queixa, e depois de obtidas as cópias das actas e documentos relativos às deliberações do Júri assumidas até à fase procedimental da apreciação das candidaturas, apelou-se à Senhora Presidente do Júri no sentido de ser reapreciada a exclusão dos candidatos fundada na “não apresenta[ção do] curriculum vitae devidamente assinado e rubricado” entretanto deliberada. Invocou-se que a exigência da apresentação do curriculum vitae devidamente assinado e rubricado e a correspondente cominação de exclusão desrespeitavam o regime jurídico aplicável em matéria de acesso a emprego público mediante concurso, porquanto, e no essencial: – Os requisitos de admissão a concurso para emprego público são os previstos na lei. Entre esses requisitos não se inclui o “curriculum vitae devidamente assinado e rubricado” (cfr. artigos 18.º, n.º 2, 47.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República, e, no caso concreto, artigos 8.º e 51.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro). – O curriculum vitae é um documento com dados biográficos e relativos ao percurso académico, formativo e profissional do candidato relevante em sede de selecção e na aplicação do método avaliação curricular (cfr. artigo 53.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e artigos 11.º e 28.º, n.º 3, da Portaria n.º 83-A/2008, de 22 de Janeiro). De resto, a aplicação deste método não tem de assentar exclusivamente no curriculum vitae, pelo que a sua não junção não a impossibilita (cfr. artigos 11.º e 28.º, n.º 9, da Portaria n.º 83-A/2008, de 22 de Janeiro) . – Por outro lado, a assinatura e a rubrica do curriculum vitae traduzem a assunção, por parte do candidato, dos dados que dele faz constar e que considera relevantes para o posto de trabalho a que se candidata. Porque este documento integra o processo de candidatura, e sendo esta formalizada pelo próprio candidato, a falta de assinatura ou de rubrica não pode importar, à partida, a conclusão de que os dados nele constantes não são verdadeiros ou de que não respeitam a esse candidato, apontando, antes, para um mero lapso, cuja correcção, aliás, nem estaria excluída, em favor da participação dos interessados (cfr. artigos 22.º, n.º 2, alínea d), e 28.º, nºs. 4 e 10, da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, e artigos 6.º- A, 7.º e 8.º, todos do Código do Procedimento de Administrativo). – Não sendo a exibição do curriculum vitae assinado e rubricado um requisito de admissão previsto na lei, tal exigência no aviso que publicita o procedimento e a cominação da exclusão para os candidatos que não a observem, sobretudo em termos cumulativos, desrespeita igualmente * o princípio da prossecução do interesse público subjacente à organização do procedimento concursal – que é o de ter o maior número de candidatos possível de forma a poder ser seleccionado o melhor -, porquanto se afastam candidatos detentores dos requisitos legais, sem que o respectivo mérito seja avaliado (cfr. artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo); * o princípio da proporcionalidade, na medida em que, podendo os dados constantes do curriculum vitae resultar de outros elementos que integram os processos de candidatura (e, em certos casos, dos processos individuais dos candidatos se já trabalhadores, cfr. artigo 22.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro), impede-se sem razão a possibilidade de os candidatos participarem no concurso e de nele serem avaliados e ordenados (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República, e artigo 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo). 3. Em resposta, foi obtida a informação de que o Júri deliberou atender ao que foi invocado e admitir todos os candidatos que haviam sido excluídos com base na não apresentação do curriculum vitae rubricado e assinado e convocar os mesmos, por ofício registado, para a realização da prova de conhecimentos. Consequentemente, por se mostrar reparada a ilegalidade que havia motivado a queixa dirigida ao Provedor de Justiça, foi a mesma arquivada, bem como o correspondente processo, ao abrigo do artigo 31.º, alínea c), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril. 4. Sem prejuízo, perante a referência de que a deliberação questionada tinha sido suportada no artigo 28.º, n.º 9, da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, na comunicação do arquivamento do processo e de agradecimento da colaboração prestada, foi, ainda, salientado perante a Senhora Presidente do Júri o seguinte: – O regulamento assume carácter secundário e corresponde ao exercício da função administrativa, não se confundindo, assim, com a lei (artigo 112.º, n.º 1, da Constituição da República), à qual está sujeito. – Em sede de interpretação, e “[t]al como a interpretação da lei deve ser conforme à Constituição, a (…) dos regulamentos deve ser conforme à lei; além disso, deve ser também positivamente orientada para a prossecução plena e integral dos fins da lei regulamentada.” – A Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, regulamenta a tramitação do procedimento concursal nos termos do artigo 54.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. A interpretação das suas normas deve, pois, conformar-se desde logo com o que nesta Lei se dispõe. – O artigo 28.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, reporta-se à apresentação de documentos e, no que é pertinente destacar, admite a prova documental para comprovação dos requisitos legais de admissão e prevê os documentos que devem ser considerados, sem especificações formais, para efeitos de avaliação mediante a aplicação de métodos concretos – a avaliação curricular e a entrevista de avaliação de competências (cfr., em particular, nº. 3 deste artigo). – O mesmo artigo, ao admitir, no n.º 9, a exclusão por falta de documentos, exige que esta falta “impossibilite a (…) admissão ou avaliação” do candidato, o que deve ser sustentado em cada caso também à luz do princípio da proporcionalidade e do interesse público que se pretende alcançar com a organização do concurso. – Neste condicionalismo, a norma do artigo 28.º, n.º 9, da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, não pode ser interpretada isoladamente, no sentido de conceder à Administração o poder de, num concreto procedimento de concurso, e em termos gerais, impôr particulares exigências instrutórias aos candidatos, com a cominação de exclusão quando as mesmas não sejam observadas, transformando estas exigências, afinal, em requisitos de admissão não legalmente previstos, em desrespeito, ainda, do direito fundamental do acesso ao emprego público em condições de igualdade e liberdade, cuja observância é um imperativo para o empregador público.