Provedor de Justiça recomenda alteração da Portaria que regula os programas ocupacionais na Administração Pública e sua efectiva fiscalização
No âmbito da instrução de queixas apresentadas na Provedoria de Justiça, tem-se constatado que a Administração Pública, nas suas diversas modalidades, utiliza muitas vezes os programas de actividade ocupacional para prover a necessidades permanentes dos serviços e ocupar verdadeiros postos de trabalho.
As situações identificadas consubstanciam uma manifesta violação do quadro normativo vigente, havendo necessidade de clarificar alguns conceitos mencionados na legislação aplicável, de responsabilizar as entidades envolvidas na autorização de actividades ocupacionais que efectivamente configurem a ocupação de postos de trabalho, além de criar e pôr em execução mecanismos efectivos de fiscalização e acompanhamento deste género de casos.
Nesta conformidade, o Provedor de Justiça dirigiu uma recomendação ao Ministro da Segurança Social e do Trabalho, no sentido de que seja alterada a Portaria que regula os programas ocupacionais.
Em várias das situações apreciadas pela Provedoria de Justiça, apurou-se que a figura dos “acordos de actividade ocupacional” foi usada pela Administração em manifesto desvio de poder, constituindo uma forma de prover às necessidades próprias dos serviços públicos sem os direitos e as garantias para os trabalhadores que decorreriam da relação jurídica de emprego público.
Se, por um lado, foi usada de forma desqualificante a mão de obra de trabalhadores desempregados, que acreditaram ser possível, por essa via, a sua inserção profissional (na função pública), por outro, houve uma permanente lesão do interesse financeiro do Estado, pois estes trabalhadores, decorrida a vigência dos acordos de actividade ocupacional, continuam a ser destinatários dos esquemas de protecção em matéria de desemprego ou apoio social.
Em diversos processos instruídos na Provedoria de Justiça, tem-se constatado que os reclamantes referem, quando descrevem a sua situação profissional, o exercício de funções “como ocupacional” ou “requisitado ao Centro de Emprego”, funções essas que, posteriormente, são exercidas pelos mesmos, agora no âmbito de um contrato de trabalho a termo.
Estas situações afiguram-se particularmente graves na actual conjuntura económico-social, em que a conjugação de uma situação de crise orçamental com reflexos no mercado público de emprego, propicia condições para a existência de diversas situações de exploração institucional de mão de obra barata.
Para lá do ponto de vista jurídico, a “falsa actividade ocupacional” assume contornos indesejáveis também do ponto de vista de obrigação moral, face às falsas expectativas geradas aos interessados que vêem, na ocupação de um posto de trabalho, o emprego desejado, descurando as entidades públicas em causa a obrigação que este deve assumir quanto à clarificação das formas de vinculação em relação a quem lhes presta trabalho.
O quadro normativo vigente tem por base o Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 de Março, que no n.º 2 do art.º 5.º considera trabalho necessário o que deva ser desenvolvido no âmbito de programas ocupacionais organizados por entidades sem fins lucrativos, em benefício da colectividade e por razões de necessidade social ou colectiva, para o qual os titulares das prestações tenham capacidade e que não lhes cause prejuízos graves.
Desta forma, procurava-se envolver os desempregados em actividades de utilidade social, mitigando os efeitos sociais negativos do desemprego e aumentando as possibilidades de reinserção no mercado de trabalho.
Cinco anos mais tarde, através da Portaria n.º 145/93, de 8 de Fevereiro, foram consagradas as condições de prestação de trabalho em programas ocupacionais, afirmando-se no diploma que “dentro da preocupação de fomento da actividade dos desempregados, e na medida em que não surjam oportunidades de emprego conveniente ou de formação, considera-se desejável a participação dos desempregados subsidiados em trabalho necessário desenvolvido no âmbito de programas ocupacionais organizados por entidades sem fins lucrativos, em benefício da colectividade por razões de necessidade social ou colectiva”.
Nos termos do n.º 3 desta Portaria, podiam candidatar-se a programas ocupacionais as entidades de direito público ou privado, sem fins lucrativos, competindo ao Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) a respectiva aprovação. E foi a partir daqui que começou a ganhar dimensão a utilização de trabalhadores desempregados em actividades ocupacionais no âmbito de serviços da Administração Pública.
Três anos depois, este diploma foi revogado pela Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio, a qual estipula no seu preâmbulo que o papel dos programas ocupacionais no conjunto das actividades da política de emprego “não é a execução de tarefas produtivas no mercado de trabalho, mas a ocupação socialmente útil de pessoas desocupadas enquanto não lhes surgirem alternativas de trabalho, subordinado ou autónomo, ou de formação profissional, garantindo-lhes um rendimento de subsistência
e mantendo-as em contacto com outros trabalhadores e outras actividades, evitando, assim, o seu isolamento e combatendo a tendência para a desmotivação e marginalização”.
Esta Portaria estabelecia, no seu n.º 2, que a actividade ocupacional consubstancia uma ocupação temporária de “trabalhadores subsidiados”, isto é, trabalhadores a receber prestações de desemprego, e de “trabalhadores em situação de comprovada carência económica”, isto é, desempregados inscritos nos centros de emprego que não tenham direito às prestações de desemprego, ou que já tenham terminado os respectivos períodos de concessão. Em qualquer dos casos, a actividade ocupacional não pode consistir no preenchimento de postos de trabalho existentes, conforme se dispõe no n.º 2.3 do mesmo diploma.
O n.º 2.4 desta Portaria estipula que devem as delegações regionais do IEFP proceder “à inventariação das actividades sazonais existentes na área e à identificação dos períodos de baixa actividade”, enquanto o n.º 14 determina que compete aos Centros de Emprego acompanhar a implementação dos projectos ocupacionais e o n.º 15, que consagra o regime relativo ao incumprimento injustificado ou à verificação de que as actividades ocupacionais estão a ser utilizadas para fins não previstos ou proibidos por lei, parece não representar, para várias entidades promotoras, mais do que meras afirmações de princípio sem qualquer conteúdo, particularmente sancionatória.
Com estes pressupostos, o Provedor de Justiça recomendou ao Ministro da Segurança Social e do Trabalho a alteração da Portaria n.º 192/96, visando:
– clarificar o conceito de trabalho necessário para efeitos de programas ocupacionais;
– responsabilizar, pessoal e solidariamente, quanto à reposição das verbas já concedidas, os responsáveis pela autorização de actividades ocupacionais que consubstanciem a ocupação de postos de trabalho;
– responsabilizar as entidades promotoras que, tendo aceite projecto inserido em programas de actividade ocupacional, o desvirtuem por forma a corresponder a uma prestação de trabalho inerente a um posto de trabalho, implicando a exclusão das entidades infractoras da promoção de futuros projectos de actividades ocupacionais, para além da responsabilidade contra-ordenacional e criminal que no caso couber, incluindo a reposição das verbas atribuídas pelo IEFP aos beneficiários da actividade em causa;
– a definição e a implementação de mecanismos efectivos de fiscalização e acompanhamento, por parte do IEFP, tendo em conta as suas atribuições, quanto à execução de projectos de actividade ocupacional, sem prejuízo da competência de outros organismos com funções inspectivas.
Cópia desta recomendação foi dirigida à Ministra de Estado e das Finanças, na sua condição de tutela da Administração Pública, para melhor cooperação nas acções de fiscalização nos vários sectores da Administração.